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5 – CONCLUSÕES, LIMITAÇÕES DA PESQUISA E SUGESTÕES

5.1 – SÍNTESE DOS RESULTADOS E CONCLUSÕES

Este trabalho, conforme apontado na seção 1, foi desenvolvido tendo como objetivo central analisar fatores intervenientes na formação dos profissionais de Engenharia Civil frente à atuação gerencial, por meio da investigação das percepções – valores e crenças – compartilhadas entre gerentes de obras, engenheiros-professores e acadêmicos concluintes em termos da apreensão da complexidade do contexto de trabalho do Gerente de Obra. Tal abordagem apoia-se nas premissas de que estes valores e crenças (a) são componentes primários da rede de significados socialmente estabelecida tanto no mundo escolar como no mundo do trabalho; (b) constituem escala valorativa das percepções (re)construídas no imaginário destes sujeitos; (c) refletem os esquemas estruturantes que guiam a intencionalidade da práxis experienciada nas IES (cultura escolar) e da práxis vivenciada nas empresas (cultura organizacional); assim como (d) ancoram o significado da mudança educacional.

Destaca-se que o esforço desprendido neste trabalho justifica-se pelo fato de os gerentes de obras serem demandados por uma carga de fatores que exige versatilidade e elevada complexidade comportamental, exigindo capacidade para analisar circunstâncias e conjugar conhecimentos (saber), habilidades (saber fazer) e atitudes (saber ser) aos recursos e condições disponíveis e disponibilizados na ação. Todavia, percebe-se que a formação profissional, não raro, se resume ao apostilado conhecimento teórico (saber), transformando o primeiro emprego em locus privilegiado para o desenvolvimento das competências profissionais. Em outras palavras, a educação formal em si – sala de aula –

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não consegue oferecer situações ótimas de aprendizagem, segundo o perfil generalista vigente e as pressões ditadas pelo mercado de trabalho.

Tal assertiva pode ser ratificada por meio dos relatos dos gerentes de obras, engenheiros- professores e acadêmicos concluintes ao ponderarem sobre os condicionantes ditados pelo mundo escolar quando do desenvolvimento de saberes vinculados à atuação gerencial, destacando a verbalização e o distanciamento com o mundo do trabalho – desatenção com as práticas de estágio – como maior traço. Os gerentes de obras entrevistados enfatizaram, ainda, que as estratégias de ensino e aprendizagem deveriam (a) aproximar acadêmicos e contexto real de trabalho, (b) promover a conscientização da importância do papel do profissional de engenharia frente ao bem-estar da sociedade e o desenvolvimento tecnológico, além de (c) despertar uma visão multidisciplinar de como executar as atividades profissionais.

Motta (1997a), ponderando sobre a dimensionalidade do estágio no processo de formação profissional, define este momento como instrumento de integração com o mundo do trabalho, sendo a complementação da formação teórica obtida na escola. Tal característica impõe às Escolas de Engenharia Civil ponto de reflexão sobre a natureza e objetivos das práticas de estágio supervisionado estabelecidos no Projeto Pedagógico, tendo nas práticas de estágio em obras momento ótimo para contextualizar o processo de formação profissional frente às Atividades de Gestão. Além disso, o estágio propicia ao acadêmico ambiente ideal para desenvolver e consolidar os saberes, segundo os recursos e condições disponíveis e disponibilizados na ação, além de prover interação com o mundo do trabalho.

Desta forma, a exposição das intersecções conceituais, entre o mundo escolar e o mundo do trabalho, dá relevo àquilo que acredita ser realmente importante a ser ensinado e aprendido frente às expectativas da atuação profissional (responsabilidades) e favorece a internalização de novos pressupostos na cultura escolar, o que, a priori, significaria arejá- la quando da construção de respostas suscitadas, por exemplo, na elaboração do Projeto Pedagógico: Como fazer as coisas?; O que deve ser feito?; Por que deve ser feito?; Quando deve ser feito?; Quem deverá fazer? e Quais recursos e condições são necessários? Nesta direção, Oliveira (2000) destaca que os aspectos didáticos e pedagógicos não têm sido contemplados, como seria necessário, nos cursos de engenharia,

o que tem impedido melhores resultados no processo de ensino e aprendizagem e, por consequência, na formação profissional.

Os dados descritivos do estudo evidenciam (a) pouca interação entre os engenheiros- professores (ausência de canal para construção de respostas frente aos desafios despertados nas práticas educacionais); (b) pouca participação dos engenheiros-professores em atividades de reciclagem profissional; (c) poucas práticas formativas externas à sala de aula; (d) infra-estrutura e investimentos incapazes de suprir as necessidades latentes das disciplinas, podendo, tais evidências, compor possíveis explicações do porquê de os aspectos didático-pedagógicos não terem sido contemplados como seria necessário. Não obstante, a desarticulação do corpo docente limita os resultados da implementação de estratégias de ensino e aprendizagem que envolvam mudança de prática, ou seja, constitui obstáculo natural a quaisquer tentativas de incorporar novas ideias ao processo de formação profissional. Portanto, conforme exposição de Rosenholtz (1989) e Oakes et al (1999), escolas cujos professores desempenham efetivamente o compromisso com a educação são mais prováveis de incorporar novas ideias voltadas para a aprendizagem significativa, na medida em que se verifica o compartilhamento do significado da mudança educacional e seus reflexos na capacitação dos acadêmicos.

Somam-se, aos pontos anteriormente explicitados, os relatos dos acadêmicos concluintes que, considerando o nível de mudanças percebido nas estratégias de ensino dos professores ao longo do curso, compõem um cenário em que poucas mudanças foram percebidas, destacando (a) incipiente utilização de softwares e ambientes virtuais de ensino (EAD); (b) utilização excessiva de projeção e poucas visitas técnicas orientadas; (c) pouco tempo destinado a discussões voltadas à consolidação de conceitos de engenharia; (d) falta de comprometimento dos acadêmicos nas atividades educacionais; logo, tais condicionantes limitam a amplitude dos resultados da implementação de qualquer novo programa ou política em educação que objetive a adoção de novas abordagens de ensino, uso de novos materiais e recursos instrucionais e alteração dos valores e crenças dominantes. Nesta direção, Fullan (2007) pondera que as mudanças em crenças são difíceis, na medida em que desafiam os valores dos indivíduos em relação aos propósitos da educação – propósitos esses que, nem sempre, são explicitados, discutidos ou entendidos, ou seja, ficam “embutidos no nível de pressupostos não-declarados”.

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Resta destacar que os efeitos almejados pelas mudanças, incutidos nas Legislações Educacional e Profissional, só ocorrerão efetivamente na medida em que, entre outros, existir o real compartilhamento e conectividade permeável de valores e crenças entre os agentes envolvidos como meio indutor para a construção de um novo ambiente escolar, ou seja, quando acontecer a ruptura factual com os velhos paradigmas. Em caso contrário, as inspirações expostas na Letra da Lei não conseguirão transpor a inércia conceitual enraizada na cultura escolar, ou seja, as transformações na cultura das organizações, cabendo aqui incluir a cultura escolar, só ocorrerão a partir do momento em que os agentes envolvidos se comprometerem efetivamente com o significado da mudança; em outras palavras, quando abraçarem e tomarem para si um novo caminho, o qual precede da disponibilidade de (re)construir as representações conceituais pré-existentes e tidas como paradigmáticas.

A Resolução no 1010 (BRASIL, 2005a) indubitavelmente constitui avanço nos dispositivos da Legislação Profissional, na medida em que traz em seu bojo novos pressupostos para a concessão de atribuição profissional, rompendo, em tese, com os conceitos anteriormente vigentes no Sistema Confea/Crea. Tais pressupostos podem inspirar as IES a criarem novos espaços de formação profissional onde os acadêmicos vivenciem situações ótimas de aprendizagem. Importante é ressaltar que as discussões correm preferencialmente na lucubração sobre a Matriz de Conhecimento referente às atividades profissionais definidas na citada resolução, o que não é suficientemente adequado para responder à complexidade da atuação despertada na ação. Necessário se faz ter, além da Matriz de Conhecimento, o estabelecimento de diretivas que contemplem as Habilidades e Atitudes a serem desenvolvidas para cada atividade profissional, assim como os Recursos e Condições mínimas para que os saberes (Conhecimento, Habilidades e Atitudes) possam ser efetivamente desenvolvidos em "profundidade e abrangência" nos cursos de Engenharia Civil, em particular, no caso deste estudo, frente às Atividades de Gestão.

Partindo desta breve reflexão, a primeira questão levantada no estudo busca justamente analisar, segundo as percepções dos sujeitos entrevistados, o nível de correlações existente entre os graus de responsabilidade (GRES), importância (GIMP), capacidade (GCAP) e treinamento (GTRE) necessário para desempenhar os papéis gerenciais definidos no

Quadro de Valores Competitivos (QVC) proposto por Quinn e Rohrbaugh (1983). Desta forma, a partir dos resultados da validade nomológica, pode-se enunciar que o nível de importância e de capacidade estabelecido no imaginário dos sujeitos reflete moderadamente o nível de responsabilidade admitido pelos sujeitos para com os papéis gerenciais do QVC. Contudo nota-se fraca relação entre os graus de responsabilidade e de treinamento necessários para desempenhar os referidos papéis, podendo tal relação ser explicada, entre outros motivos, pelo viés do nível de capacidade instalado no imaginário dos sujeitos, ou seja, sentir-se capaz induz à acomodação atitudinal.

A partir destes condicionantes, e assumindo a premissa de que a construção dos saberes é preditada pela rede de significados que a compõem (plano de relevância e significância), acredita-se que o sistema de valores e crenças estruturante da cultura sintetiza potencial limitador do desenvolvimento individual e organizacional. Desta forma, o alinhamento e conectividade permeável das bases conceituais em torno do que é tido como responsabilidade do gerente de obras e o que é conceitualmente importante para a atuação gerencial favorecerá a construção de respostas frente ao (a) como deveria ser ensinado e aprendido; (b) o que deveria ser ensinado e aprendido; (c) quem deveria ensinar e aprender; (d) quando deveria ser ensinado e aprendido e (e) quais recursos e condições são necessários para ensinar e aprender. Esse procedimento favoreceria a ativação, equilibração, aplicação e autoavaliação dos saberes demandados na ação e o exame do quão profundo ou abrangente foi, é ou será a capacitação profissional obtida no curso de graduação.

Seguindo os objetivos do estudo, a segunda questão diz respeito à identificação e correlação entre os perfis dos participantes do estudo, como meio de verificar possíveis distinções conceituais estabelecidas na percepção dos respondentes frente à complexidade na ação gerencial. Partindo dos dados obtidos observa-se que, em termos das variáveis de interesse (GRES, GCAP, GIMP e GTRE), o desenvolvimento dos perfis dos sujeitos apresenta significativa aproximação conceitual, ou seja, a representação simbólica erguida no imaginário dos entrevistados em torno da atuação gerencial, tanto no mundo escolar como no mundo do trabalho, é relativamente compartilhada.

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Ainda ponderando sobre o perfil dos entrevistados, constata-se tensão entre o que é definido em primeiro plano como Responsabilidade do Gerente de Obras e o que é conceitualmente Importante para a Atuação Gerencial. Isso quer dizer que os respondentes reconhecem a importância dos papéis vinculados ao Modelo de Gestão das Relações Humanas (Facilitador e Mentor), cuja orientação volta-se para o desenvolvimento dos recursos humanos, em detrimento dos papéis vinculados ao Modelo de Gestão do Processo Interno (Coordenador e Monitor) destacados com maior grau de responsabilidade, cuja orientação volta-se à consolidação e à continuidade. A partir deste cenário, pode-se inferir que a priorização do desenvolvimento das habilidades técnicas, em detrimento das habilidades humanas e conceituais, pode ser explicada pela tensão dialética estabelecida entre o que é considerado responsabilidade dos gerentes de obras e o que é importante para a sua atuação profissional.

Nesta linha, a última questão do estudo, visando a dar visibilidade e reiterar as demandas suscitadas nos canteiros de obras, estabelece os desafios deparados pelos gerentes entrevistados quando da atuação gerencial, situação em que foram abordados os seguintes temas: liderança; comunicação; relacionamento interpessoal; falhas na formação; falta de conhecimentos específicos; falta de mão-de-obra qualificada; baixa remuneração; primeiro emprego e pré-conceitos. Tais resultados remetem à necessidade de uma revisão profunda das soluções assumidas até então no campo educacional. Nesse sentido, conforme assinalado por Antunes (2009), a escola teria que, para alcançar seus objetivos, abandonar certos valores e crenças, agora considerados conservadores, a fim de dar lugar a outros mais atualizados e correspondentes à complexidade dos saberes efetivamente demandados na ação profissional.

Nesta direção, não cabe às Escolas de Engenharia Civil fazer uma lista de temas a trabalhar, mas, essencialmente, de questões fundamentais a responder (Quais são as responsabilidades vinculadas aos Gerentes de Obras? e O que é importante para a Atuação Gerencial?) e, por estas, organizar o ambiente a partir do qual serão desenvolvidas as estratégias de ensino e aprendizagem. Nota-se que muitas destas respostas são de caráter interdisciplinar, sendo necessário prover a integração com outras disciplinas e mesmo com outros campos do saber para poder responder efetivamente às questões formuladas.

Ainda dos resultados observáveis do estudo, pôde-se constatar convergência entre os resultados obtidos e as discussões apresentadas na literatura frente à atuação gerencial, o que, a priori, reitera os conceitos inclusivos de eficácia organizacional expostos no QVC proposto por Quinn e Rohrbaugh (1983), onde este, segundo destacado por Quinn et al (2003a), força a reflexão sobre as tensões e demandas antagônicas – pensamento paradoxal – com os quais os gerentes se deparam, revigorando a natureza complexa do trabalho gerencial, além de diagnosticar as inclinações dos indivíduos frente aos pressupostos associados a cada um dos quatro Modelos de Gestão. Acredita-se que, apesar da convicção de que todos os papéis são importantes, os papéis gerenciais de Facilitador e Mentor são indispensáveis na atuação gerencial, na medida em que carregam, para o ambiente corporativo, competências que ancoram a aprendizagem organizacional. Nota-se que tal priorização deve-se ao fato de o autor ver na Educação, em suas diversas roupagens (treinamento, capacitação, aperfeiçoamento, orientação, etc.), o elo mais forte para o desenvolvimento efetivo de qualquer Cadeia Produtiva e, por consequência, dos agentes a ela vinculados.

Do exposto, acredita-se que as poucas mudanças percebidas no mundo escolar e no mundo do trabalho, em termos do enriquecimento conceitual da atuação dos(as) Engenheiros(as) Civis no cargo de gerentes de obras, decorrem, entre outros, (a) dos fatores de resistência perenizados na cultura em suas múltiplas facetas (lógica, psicológica e sociológica); (b) da complexidade evolutiva dos critérios de eficácia e eficiência organizacional; (c) das tensões conceituais latentes e não diagnosticadas nas ações (do) ou não ações (do nothing); (d) da limitação conceitual da amplitude das responsabilidades vinculadas às Atividades de Gestão; (e) da priorização do produto e não do negócio na ação; (f) da baixa intensidade das forças motivacionais individuais e grupais (desenvolver, crescer, progredir, realizar); (g) da incipiente interação escola – empresa – sociedade – governo e (h) do baixo valor agregado às habilidades humana e conceitual na formação e atuação profissional.

Sob tais condicionantes, resta para as Escolas de Engenharia Civil, visando efetivamente a fomentar ambiente propício para o desenvolvimento das competências profissionais atreladas às Atividades de Gestão, romper o invólucro conceitual percebido (a) na priorização dos conteúdos curriculares (saberes úteis e significativos à futura atuação

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profissional); (b) nas estratégias de ensino e aprendizagem e seus critérios de avaliação; (c) nas políticas de (re)capacitação dos professores (papel de educadores); (d) no papel dos acadêmicos em sua formação (protagonista); (e) na definição do perfil profissional do egresso; (f) na construção de significados em torno do título profissional; (g) da incipiente conectividade com saberes subjacentes às Atividades de Gestão; (h) na infra-estrutura mínima necessária para a construção efetiva dos saberes; assim como (i) manter proximidade com a dinâmica, incertezas, volatilidade e complexidade experienciadas no mundo do trabalho e seus reflexos em torno das expectativas agregadas aos resultados da atuação dos gerentes de obras (trabalho previsto ≠ trabalho realizado).

Por fim, considerando o exposto, acredita-se ter alcançado os objetivos estabelecidos para o estudo conforme condições e circunstâncias estabelecidas faticamente ao longo do trabalho.