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Síntese da significação de jogo obtida por meio dos questionários

Capítulo 7. Análise das informações e conclusões

7.1. Análise das informações obtidas por meio de questionários

7.1.3. Síntese da significação de jogo obtida por meio dos questionários

Prosseguimos com a análise dos questionários, buscando organizar e sistematizar as respostas dadas pelos professores de EF escolar da rede estadual da diretoria de São José dos Campos/SP, que atuam com as primeiras séries do ensino fundamental, a fim de categorizar os sujeitos e identificar-lhes a concepção de jogo, a utilização ou não nas aulas, as dificuldades encontradas no trabalho com o jogo e os objetivos.

Tomamos como norte para análise dos questionários as palavras e frases com sentidos que, de alguma forma, expressassem a visão do professor em relação à escolha profissional, à definição de jogo, aos objetivos e dificuldades encontradas no trabalho com o jogo. . Após analisarmos as respostas, pudemos perceber que a ênfase da concepção recai sobre o aspecto lúdico do jogo, que é apresentado de forma abstrata pelos professores. Muitos reconhecem o papel educativo, mas não o explicitam e nem relacionam a um projeto educativo específico, ou seja, não indicam um determinado tipo de educação ou de aluno que desejam formar, contexto em que o jogo apareceria como ferramenta importante. A educação aparece, como o lúdico, sem que se explicite qual educação.

Acreditamos que as significações expressas nas definições e caracterizações do jogo apresentam-no por meio de uma visão naturalizante, ou seja, está concebido como uma

151 atividade humana, em uma visão evolutiva, com base na dinâmica interna da atividade do brincar, cujo desenvolvimento é garantido pela simples ação autônoma do sujeito. O jogo é uma atividade humana (natural) que permite que os sujeitos desenvolvam o que possuem já como potencialidades.

Quanto aos objetivos do trabalho com o jogo, temos a maioria das definições centrada na ideia de convívio social/socialização, seguida pela ideia de habilidades motoras, cognitivas e na criatividade, sendo o trabalho com o jogo visto como um meio para “desenvolver as habilidades motoras, afetivas, cognitivas e também a socialização”. Esta ideia de que o papel do jogo é melhorar a aptidão física aparece na questão que aborda a concepção de jogo, em que a maior parte das definições é centrada nos aspectos biológicos, voltado ao desenvolvimento das habilidades físicas e mentais. Trata-se de visão “biológica” do trabalho com o jogo na Educação Física escolar, que se apresenta de forma parcial e funcionalista, na medida em que é papel do jogo formar fisicamente os indivíduos para a prática social.

As regras são vistas como algo pré-definido, que o individuo deve adaptar, respeitar, aceitar, compreender, cumprir ou seguir, contribuindo para a disciplina e a interação entre os participantes.

O fenômeno jogo é concebido de forma abstrata, naturalizante, como característica própria e universal da espécie humana. Em algumas respostas, os termos lúdico e lúdica são utilizados aleatoriamente para definir o jogo, como se estes termos dessem conta de definir o jogo. Na quase totalidade das respostas, o jogo é definido como atividade: atividade para atingir os objetivos da EF escolar, atividade física/motora/mental, atividade livre, atividade voluntária, lúdica/divertida/recreativa, atividade com regras, atividade em certo tempo e espaço e atividade em que todos podem participar. Muitos destes termos podem ser utilizados para qualquer tipo de atividade, sem, contudo, estar associado às características específicas do jogo.

O que se observa nas respostas é a referência ao jogo como uma atividade desvinculada do processo de constituição e de desenvolvimento do aluno enquanto sujeito, mas relacionada ao desenvolvimento do que é potencial e, de certa forma, inato. Assim, nas respostas dos professores de EF no que se refere às principais dificuldades encontradas em trabalhar com o jogo nas aulas, apareceram atribuídas aos alunos as seguintes: dificuldades do convívio cooperativo, inclusivo e harmonioso; dificuldades de as crianças se organizarem; dificuldade de participação de todos; dificuldades com regras; dificuldades por não gostarem de perder; falta de cultura corporal dos alunos; dificuldades relacionadas às condições de

152 trabalho por causa do número excessivo de alunos e da falta de material, de estrutura física, de tempo para planejar, de tempo para ler e de tempo de aula.

Em todas as respostas está presente a ideia da existência de regras, sejam elas definidas individualmente ou pelo grupo, pelos alunos ou pelo professor; implícitas ou explicitas; poucas/pequenas/simples ou ausentes; consentidas ou alteradas. Regras que estão associadas ao próprio desenvolvimento do jogo, que não é articulado com as regras existentes nos diversos espaços sociais. As regras não são pensadas como formas culturais de organização das relações e não são objeto de questionamentos, seja para problematizar o modo como foram constituídas pelos alunos, seja para refletir sobre a discriminação, exclusão e significações presentes nos jogos e nos esportes modernos, contexto em que os alunos têm participação. Elas devem ser aplicadas, variadas, criadas, respeitadas, compreendidas, seguidas, construídas, colocadas, introduzidas, claras. As respostas não levam ao um entendimento de como estas regras devem ser organizadas e sistematizadas.

O jogo não é concebido como uma atividade que se constitui pelas condições sociais e históricas que a determinam. Não é pensado como uma atividade cuja origem e desenvolvimento são social e histórico, portanto atrelada a estas condições. O jogo não é algo natural que depende do próprio desenvolvimento interno do aluno, isto é, que não necessita de intervenção para seu desenvolvimento, que se desenvolve pela própria dinâmica interna do brincar.

Ao deixar de pensar que as condições sociais e históricas determinam a origem e desenvolvimento do jogo, as regras são pensadas para serem compreendidas e cumpridas, garantindo a realização e harmonia do jogo, sem, contudo, pensar na aprendizagem e no outro como aspectos importantes no processo de apropriação da cultura e de constituição do aluno enquanto sujeito.

Muitos termos são utilizados para fazer referência às habilidades que o jogo envolve: habilidades físicas e motoras; socialização; emoção, tensão e respeito ao outro. Assim como, as finalidades e resultados advindos com ele: objetivos formativos e educacionais; estimulação para o esporte; desenvolvimento individual ou do grupo; autoconhecimento; estimulação e desenvolvimento das habilidades motoras, física, mentais e criatividade; recreação e aprendizagem de valores e normas.

Como na maioria das respostas não há relação entre jogo e realidade circundante, as expressões utilizadas pelos professores para referirem as finalidades e resultados advindos com ele se restringem ao próprio desenvolvimento e dinâmica do jogo nas aulas de EF escolar: levar o aluno a conviver em grupo; atingir o desenvolvimento social; estimular a

153 cooperação com o outro dentro das aulas; reconhecer as necessidades do grupo, dos alunos e do coletivo; respeitar a individualidade alheia e a organização coletiva. Além disso, a sociabilização é um termo genérico e se refere, apenas, à relação estabelecida entre os alunos da classe durante a realização do jogo e não a um processo educativo que analisa criticamente a relação entre o jogo e os determinantes sociais e históricos em que estes fenômenos se efetivam, o que necessariamente leva ao entendimento de que jogo e sociedade não são fenômenos isolados. O jogo se compõe e desenvolve a partir dos valores presentes na sociedade (capitalista); para superar esta visão instrumental e funcionalista do jogo é preciso entender a relação entre jogo-sociedade (capitalista) por meio das contradições históricas, estritamente relacionadas à diferença de classe e à ideologia da classe dominante, contexto em que o esporte competitivo se desenvolve, para, então, criar jogos que se contraponham aos valores e interesses da sociedade capitalista.

As principais dificuldades encontradas no trabalho com o jogo se referem às condições de trabalho: questões relacionadas à falta de materiais, de estrutura física e da própria dificuldade dos alunos na organização interna do jogo (falta de cooperação para cumprir regras). Estes aspectos são importantes; no entanto, não há uma preocupação, por parte dos professores, com as dificuldades encontradas para uma organização, sistematização e mudança das regras de convivência social por meio do jogo, em que haja participação de todos, liberdade de escolha, tomada de decisões, conscientização crítica da realidade.

A ideia de que o professor é quem ajuda o aluno a compreender e cumprir as regras do jogo é muito evidenciada nos discursos. Na quase totalidade das respostas, prevalece o respeito a elas, como se o professor fosse o principal agente contribuidor de adaptação às regras do jogo.

Estas ideias e características expressas nas respostas dos professores de EF escolar efetivos que ministram aulas nas primeiras séries do ensino fundamental da rede estadual paulista da diretoria de ensino de São José dos Campos são contrárias à visão sócio-histórica de jogo.

Na visão sócio-histórica, o jogo é constituído como um processo de construção de significações sociais coletivas, sem uma finalidade imediata, todavia, é entendido como meio para aprendizagens essenciais. Portanto, a origem e desenvolvimento do jogo são determinados pelas condições humanas e não pela natureza humana; o jogo é necessário ao desenvolvimento própria da criança. A concepção de prática pedagógica com o jogo, nesta perspectiva, defende a intervenção pedagógica adequada, intencional e crítica com vistas ao desenvolvimento. A sistematização e a organização do trabalho em pequenos grupos são

154 fundamentais para o desenvolvimento humano e para o desenvolvimento da autonomia, permitindo: a valorização dos saberes lúdicos com que os alunos chegam à escola; a participação de todos (nem sempre harmoniosa, marcada por conflitos e tensões); as tomadas de decisões voltadas aos interesses coletivos e não individuais, trabalhando a questão do grupo, em que cada um assume uma tarefa; a discussão sobre pontos de vistas e ocupação de espaços sociais diferentes, condições favoráveis na constituição dos sujeitos e na promoção de relações pautadas na coletividade, e principalmente, na conscientização de que podem criar e não só reproduzir jogos e regras já existentes. As regras, dentro desta visão, são vistas como possibilidades de serem discutidas, negociadas, refletidas e articuladas com a realidade circundante, o que é fundamental para a compreensão e reelaboração crítica dessa realidade. Neste sentido, regras não são para serem compreendidas e seguidas sem questionamentos, mas para refletir sobre a discriminação, a exclusão e as significações presentes nas regras do jogo, principalmente dos jogos modernos, contexto de que os alunos fazem parte.