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2. A GENTE VIVE JUNTO, A GENTE SE DÁ BEM: A IMPORTÂNCIA DA

2.3 Só que nessa história ninguém sabe o fim: as telenovelas da Rede Globo

Consideradas como um dos mais importantes fatores no desenvolvimento e estruturação da televisão no Brasil, segundo Jambeiro (2001), as telenovelas alcançaram o final do século sendo o gênero mais popular da grade e da programação televisiva.

É importante, no entanto, resgatar a gênese deste produto televisivo, já que as novelas são na verdade uma modernização das radionovelas, que já eram um tipo popular de programa desde as suas primeiras transmissões nos anos 1940. (JAMBEIRO, 2001).

A primeira radionovela a ser reproduzida em uma rádio brasileira de nome Em Busca da Felicidade foi importada de Cuba. Com roteiro de Leandro Blanco e adaptação de Gilberto Martins, a trama chegou aos lares brasileiros em 05 de junho de 1941, no horário de 10h30min, radiofonizada às segundas, quartas e sextas-feiras pela Rádio Nacional. (CHAVES, 2007). Para Chaves (2007):

Sucesso instantâneo na programação, ela foi transmitida em 284 capítulos até maio de 1943, sob patrocínio de Colgate-Palmolive, através da agência Standard Propaganda, que tornou a publicidade nacional da década de 30 em multinacional. Nos moldes da estrutura de divulgação de programação norte- americana, que invadiu as rádios latino-americanas, a publicidade vai sustentar os “anos de ouro” do rádio no Brasil. (CHAVES, 2007, p. 31) Durante o período em que eram veiculadas, as tramas apresentadas através das radionovelas eram interpretadas pelos ouvintes como algo real. Exemplo disto é o caso que envolveu uma radionovela exibida por uma emissora de São Paulo que incluía em seu enredo um personagem suicida. Após apresentar a história aos ouvintes, na rádio, “chegaram cartas que encheram dois sacos de sessenta quilos, com votos para que a vida dele se solucionasse, orações e cumprimento de promessas em Aparecida do Norte e na Igreja da Penha”. (BELLI 1980, p.135 apud CHAVES, 2007, p. 38).

Em 1956, havia 14 radionovelas sendo transmitidas diariamente pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, o que correspondia a 50% da programação da emissora. (FREDERICO, 1982, p. 75 apud JAMBEIRO, 2001, p. 113).

A interação com as radionovelas se deu nesse período não somente através das cartas, mas também das músicas tema de abertura e das revistas que passaram a circular por todo país com notícias sobre os atores e os enredos, e que certamente inspiraram a indústria televisiva da época.

Consequentemente, foi nesse período, conforme Malcher (2002) que a primeira obra do gênero televisivo, O Direito de Nascer, adaptada de uma radionovela mexicana, passou a integrar a grade da televisão no Brasil. Isso nos leva a crer que o espaço encontrado pelas telenovelas foi também uma consequência natural da absorção do estilo radiofônico.

Introduzidas na programação através de pequenas inserções que eram ainda atreladas ao modelo instituído pelo rádio e pelo teatro, somente no início dos anos 1960, as telenovelas passaram a ser exibidas diariamente.

A exibição foi parte importante na consolidação da telenovela como um dos produtos de maior audiência do meio televisivo já nesta época, mas apenas ao final da década é que se processa a ruptura com os modelos vigentes na elaboração da novela baseada apenas na ficção.

A adaptação mexicana viria a ser suplantada pelas suas irmãs nacionais: Véu de Noiva (Rede Globo) e Beto Rockfeller (Rede Tupi), ambas exibidas em 1969. São consideradas por pesquisadores desta temática (Malcher, 2002; Telles, 2004; Jambeiro, 2001; Almeida, 2006; etc.), como marcos decisivos na criação do que viria a ser a linguagem, técnica, temática e trama da telenovela brasileira, sobretudo, porque diferia das produções de outros países latino- americanos.

Foi a demarcação para que os personagens lendários e distantes da realidade cotidiana do brasileiro, como os heróis mexicanos, dessem lugar para temáticas mais aproximadas da nossa identidade cultural, iniciando a construção do que viria a ser a influência e interferência da telenovela sobre os comportamentos, os hábitos, os valores e até mesmo a linguagem do telespectador. (ALMEIDA, 2013, p. 32).

Dito isto, julgamos importante salientar a nossa análise irá se debruçar sobre o filme publicitário de O Boticário para o Dia dos Namorados do ano de 2015, e não sobre um estudo da recepção ou das representações da homossexualidade na telenovela brasileira, buscando entender seus mecanismos de aceitação por parte de grandes audiências televisivas estabelecidas no Brasil.

Vamos nos deter na observação de algumas das tramas da Rede Globo, por considerarmos relevante para compreendermos o espaço que a telenovela ocupa como produto que possui um dos maiores apelos populares midiáticos no Brasil, e que dispõe de uma das mais significativas dimensões simbólicas no que diz respeito às representações da sociedade brasileira. Essa associação é possível já que nas tramas novelísticas:

Questões como reforma agrária, violência, drogas, alcoolismo e homossexualidade vêm sendo continuamente tratadas nas produções brasileiras, o que (...), contribui para ampliar discussões, pautar a imprensa e influenciar a agenda social e política do país. (TELLES, 2004, p.2)

O aprofundamento que intentamos realizar nas tramas das telenovelas brasileiras com representação homossexual tem como objetivo descobrir os mecanismos simbólicos intrínsecos na construção dos personagens homossexuais, além de compreender como se constrói a relação entre as telenovelas e as questões de identidade de gênero/orientações sexuais quando voltadas para produção midiática. Buscamos também elucidar como isto está atrelado a publicidade e aos conceitos e hábitos da sociedade de consumo.

Especificamente no que diz respeito a Rede Globo, julgamos importante justificar a escolha da emissora. Dentre os motivos, merecem destaque a) o fato de ser a emissora de maior audiência no país, b) ser a única que exibe apenas telenovelas de produção própria em sua grade, e c) também por ser a emissora escolhida pela agência AlmapBBDO para veicular o comercial do Dia dos Namorados de O Boticário em maio/junho de 2015.

Embora Silva (2015) tenha estabelecido uma investigação que leva em consideração 43 anos de exibição de telenovelas no Brasil, temos a intenção de abordar aqui, apenas as nove obras que estão compreendidas no período de 2010 a 2013, pois são as que estão mais próximas, cronológica e temporalmente da nossa análise.

Em sua pesquisa, Bicha (nem tão) má: representações da homossexualidade na telenovela Amor à Vida, Fernanda da Silva (2015), identifica 126 papéis com representação homossexual em 62 telenovelas globais, a primeira, data de 1970, e a última do ano 2013.

A pesquisadora levou em consideração fatores como faixa etária, características dos personagens, classe social, etnia e o estereótipo que era conferido a cada personagem. Na análise, chegou aos seguintes resultados:

ORIENTAÇÃO SEXUAL/IDENTIDADE

DE GÊNERO

IDADE RAÇA PERSONAGENS

POR ANO

POR HORÁRIO DAS NOVELAS

76 (Gays)

Faixa etária entre 31

e 40 anos é predominante. (Apenas duas novelas apresentavam personagens com menos de 20 anos, e outras seis com mais de 60 anos) Dos 126 personagens apenas 4 eram negros. 6 (1970) 36 eram da faixa das 21h 24 (Lésbicas) 11 (1980) 16 (Bissexuais sendo 13

homens) 13 (1990) 22 eram da faixa

das 19h

1 (Travesti) 22 (2000)

8 (Transexual)

9 (2010 a 2013)

As demais eram das faixas das 18h e das 23h.

1 (Sem definição de

identidade de gênero e/ou orientação sexual).

Tabela 1: Dados sobre as 62 telenovelas da Rede Globo entre os anos de 1970 a 2013, identificadas por Fernanda da Silva (2015). Fonte: Autoria própria.

Este levantamento realizado por Silva (2015) é de extrema relevância, pois subsidia o que mais adiante iremos abordar acerca do papel da telenovela e de suas influências sobre a permanência dos estereótipos no imaginário social e, consequentemente, na publicidade.

Iniciaremos a restropectiva histórica pela telenovela Viver à Vida, exibida no horário nobre, às 21h. A novela abrangeu o período entre 14 de setembro de 2009 a 14 de maio de 2010, com um total de 209 capítulos. Com apenas dois personagens bissexuais, o núcleo no qual

estavam incluídos abordava o relacionamento não monogâmico. Ambos personagens eram brancos, de classe média, e estavam enquadrados em padrões heteronormativos.

O relacionamento entre os dois foi evidenciado apenas nos últimos capítulos, quando Osmar (Marcelo Valle) revela que Narciso (Lorenzo Martin) não é seu sobrinho e sim seu namorado. Os dois viviam um relacionamento não-monogâmico com Alice (Maria Luiza Mendonça) (SILVA, 2015).

Após o fim de Viver À Vida, Passione ocupou seu lugar no horário das 21h. Uma novela de Silvio de Abreu com direção geral de Carlos Araújo e Luiz Henrique Rios, como sua predecessora, apresentou um total de 209 capítulos, que foram exibidos entre 17 de maio de 2010 à 14 de janeiro de 2011.

A trama contava com um único personagem gay, Arturzinho (Julio Andrade), branco, de classe média e enquadrado no estereótipo do gay afetado. É irmão de Laura (Adriana Prado) e a pedido dela deveria vigiar sua inimiga Stela (Maitê Proença), mas acaba se tornando o maior defensor da patroa, assumindo características típicas de outros mordomos gays — apresentados, principalmente, nas primeiras participações de homossexuais nas telenovelas. (SILVA, 2015).

Em seguida, temos Insensato Coração (17 de janeiro de 2011 à 19 de agosto de 2011), escrita por Gilberto Braga e Ricardo Linhares, com direção-geral de Dennis Carvalho e Vinícius Coimbra, exibida também no horário das 21h. Com um total de 185 capítulos, surpreendeu, não apenas por apresentar o maior número de personagens LGBTs em telenovelas: sete, sendo seis gays e uma lésbica, mas também por possuir um núcleo destinando a eles, o Quiosque da Sueli, além de trazer em seu roteiro importante discussão acerca das temáticas relacionadas, como preconceito e discriminação contra homossexuais.(SILVA, 2015).

Ao final da novela, duas destas figuras encontram um final feliz, estabelecendo uma união estável, enquanto que outros dois nem tanto: um é agredido por uma gangue que persegue homossexuais, enquanto outro é morto em um crime de ódio.

Há ainda três personagens sobre os quais não sabemos de seu destino no encerramento da telenovela. Dos sete personagens, três correspondiam ao esteriótipo da bicha afetada (com trejeitos, bordões próprios etc.), enquanto que outros três eram heteronormativos. O outro personagem era uma lésbica e também presidiária.

Já em Morde & Assopra (21 de março e 2011 a 14 de outubro de 2011), havia quatro personagens gays. A trama de Walcyr Carrasco com direção-geral de Pedro Vasconcelos, apresenta a figura de Áureo (André Gonçalves), que retorna à cidade de origem anos depois de abandonar o município nas vésperas de seu casamento.

Ao retornar, há a descoberta da sua homossexualidade, pois fica evidente, para o telespectador, que Áureo havia fugido com outro homem. A fuga viria a ocorrer novamente no final da trama, desta vez acompanhado não apenas de Josué (Joaquim Lopes) com quem tem um relacionamento, mas também do amigo Élcio, que passa a se transvestir na drag queen Elaine, e que junto com Áureo começa a trabalhar em uma boate LGBT fazendo performances. (SILVA, 2015, p. 206)

Fina Estampa (22 de agosto de 2011 a 23 de março de 2012), chegou para ocupar o lugar de Passione e introduziu na rotina do brasileiro, o extravagante e afetado mordomo Crodoaldo Valério, o Crô (Marcelo Serrado). Devido a seus trejeitos e frases cômicas, Crô alcançou sucesso e o personagem, posteriormente, ganhou um filme próprio, sucesso de bilheteria no país11.

Crô é uma digna representação da homossexualidade estereotipada pelo viés do humor, que encontra não só aceitação, mas que desperta o sentimento de simpatia na audiência. Cunhou expressões ou bordões como “Jacaroa do Nilo”, “Majestosa rainha das terras férteis” e “Ovulei”, que caíram nas graças do público.

No enredo, Crô tem um relacionamento secreto, que não é revelado nem mesmo ao final da trama. A telenovela também conta com a participação do casal intergeracional formado pelas lésbicas Alice (Thaís Campos) e Íris (Eva Vilma). Há ainda a breve presença da transexual Fabrícia (Luciana Paes). (SILVA, 2015, p. 206)

Outro produto telenovelístico que contou com a presença de um personagem LGBT exibida quase no mesmo período de Fina Estampa, porém no horário das 19h, foi Aquele Beijo (17 de outubro de 2011 à 14 de abril de 2012). Escrita por Miguel Falabella, com direção de Cininha de Paula, a telenovela apresentou Ana Girafa, interpretada pelo ator Luís Salém. Ana era uma transexual que enfrentava o preconceito dos irmãos em decorrência de sua identidade de gênero, e que tinha um relacionamento difícil com sua mãe pelo mesmo motivo. Todavia, ao final do folhetim, Ana acaba sendo aceita. (SILVA, 2015).

Em seguida Avenida Brasil (26 de março de 2012 a 19 de outubro de 2012), passou a ser veiculada no horário das nove horas. O produto apresentou a maior audiência da Rede Globo em 201212, chegou para substituir Fina Estampa.

11 Disponível em: http://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/2013/12/cro-supera-jogos-vorazes-em-bilheterias-

do-fim-de-semana.html Acesso em 19 ago 2018

12 Disponível em: http://televisao.uol.com.br/noticias/redacao/2012/10/19/ultimo-capitulo-de-avenida-brasil-

O folhetim possuía um enredo cheio de reviravoltas. É através dele que conhecemos Roni (Daniel Rocha), um jogador de futebol gay enrustido, que se casa com Suelen (Isis Valverde) para evitar que ela seja deportada para a Bolívia, seu país de origem, e para apaziguar os boatos no bairro que ambos moravam, de que ele seria gay. Roni, entretanto, nutre uma paixão por Leandro (Thiago Martins). Durante a trama, Suelen também se envolve com Leandro e os três acabam formando um relacionamento não-monogâmico (SILVA, 2015, p. 206).

Em seu levantamento, Silva (2015) identificou também Cheias de Charme (16 de abril de 2012 a 28 de setembro de 2012). Escrita por Ricardo Linhares com direção-geral de Carlos Araújo, substituiu Aquele Beijo. Com 143 capítulos, apresentou três personagens gays que movimentaram a trama: Sidney (Daniel Dantas), e Wanderley (Pedro Henrique Lopes), ambos heteronormativos, o colunista social afetado e mau caráter Eloy (Gustavo Mendes). Sidney e Wanderley terminaram a trama juntos.

Por último, Silva (2015) apresenta Salve Jorge (22 de outubro de 2012 a 17 de maio de 2013), a novela que antecedeu a trama objeto do estudo de Silva (2015), Amor à vida. Segundo Silva (2015), o roteiro de Glória Perez com direção-geral de Marcos Schechtman manteve a proposta de, pelo menos, uma personagem homossexual nas narrativas do gênero desde 2003.

Em Salve Jorge, Joyce, interpretada por Thammy Miranda é o personagem de maior destaque no que diz respeito a representação LGBT, sendo homoafetiva e escrivã de polícia, é a típica lésbica masculinizada. Joyce acaba tendo uma participação surpreendente no encerramento da novela, quando para pôr fim a um esquema de tráfico de pessoas, se disfarça de Lohana, e faz shows de dança em uma boate que é o cativeiro de mulheres traficadas, contribuindo dessa forma para a resolução do caso que faz parte do núcleo central da trama.

Salve Jorge, como elenca Silva (2015) também apresenta o gay Dudi (Marcos Baô) e a transexual Alice (Maria Clara), ambos traficados para fora do Brasil, e é o último folhetim na nossa análise temporal acerca das telenovelas da Rede Globo que apresentam representação homossexual.

Após relacionar as tramas e os personagens abarcados neste período, podemos realizar uma observação não apenas no que diz respeito ao significativo número de personagens LGBTS nas tramas desta emissora, mas também dar destaque às abordagens construídas para os personagens.

Colling (2007) já havia realizado levantamento semelhante ao de Silva (2015), e identificado três fases distintas das representações homossexuais nas telenovelas, no período entre 1974 e meados de 2007.

De acordo com Silva (2015), na década de 1970, a maioria dos personagens LGBTS eram gays, e apresentavam uma performatividade de gênero, que se traduzia na adoção de comportamentos extravagantes e de formas afetadas de se comunicar e de se vestir.

A autora ainda identifica que a maioria dos personagens estava inserida no núcleo cômico das tramas, pois eram constantemente associados ao viés humorístico. Colling (2007) por sua vez, indica que, além de estarem inseridos nesse contexto do cômico e do estereótipo de afeminados, esses personagens eram também associados à criminalidade.

A segunda fase, segundo Colling (2007), ocorreu na década de 1980, quando a emissora passou a apresentar tanto os personagens afeminados, como os ditos “normais”. Entretanto, a maioria dessas figuras não mantinha nenhum tipo de relacionamento afetivo, e quando havia relacionamentos envolvendo esses personagens, cenas de sexo, até mesmo de beijo ou afeto não eram exibidas.

Na visão de Colling (2007), a televisão cerceou o principal aspecto que difere os homossexuais dos heterossexuais: com quem essas pessoas se relacionam sexualmente. Já Silva (2015) reforça a contínua predominância da homossexualidade masculina, assim como a manutenção do local de humor conferido a estes personagens, além de estarem ligados a profissões de classes populares ou em papéis secundários.

Na terceira e última fase analisada por Colling (2007), na década de 1990, a “narrativa da revelação” começa a ganhar maior espaço nas tramas. O autor identifica alguns personagens que estão inseridos nessa narrativa, como Sandrinho (André Gonçalves), que passa toda trama de A próxima Vítima, exibida entre 13 de março a 4 de novembro de 1995, no conflito entre revelar ou não revelar para sua mãe a sua sexualidade.

Silva (2015), por sua vez, identifica a ampliação da presença destes personagens nas telenovelas, o que, no entanto, não significaria uma ruptura com alguns padrões, como o de maior participação de homens homossexuais. A autora também sinaliza que os papéis de viés humorístico continuam em destaque, mas que há uma ampliação dos debates em torno das questões de orientações sexuais consideradas dissidentes.

Também aborda a “narrativa da revelação” e aponta que nas tramas em que ocorreram de fato a revelação da sexualidade, ela foi feita de maneira gradual e, assim como sinalizou Colling (2007), só ocorria nos capítulos finais do enredo.

Colling (2007) ainda realiza uma crítica sobre o modelo que vigorava até o ano de sua pesquisa, 2007, em que a reprodução do discurso considerado heteronormativo era constante.

Silva (2015), que em seus estudos trata não somente do período investigado por Colling (2007), mas segue realizando uma análise até o ano de 2013, e identifica um crescimento perceptível no ano 2000, quando 22 telenovelas contaram com a participação de LGBTs, assim como identifica a mudança do padrão comportamental destes personagens, que saem do território do humor para adentrar em zonas de heteronormatização.

A necessidade de falarmos sobre a telenovela se justifica por concebermos este produto como o carro-chefe da programação televisiva e também como um dos mecanismos maior influência na disseminação de valores e hábitos sociais.

Nos limitamos a observar, ainda que panoramicamente, as telenovelas da Rede Globo, porque reconhecemos a capacidade dessas tramas de criarem uma conexão com o público como algo único na história da nossa televisão e da nossa sociedade.

Nada melhor para ilustrar o papel desempenhado pela telenovela, como algo que fez parte não só da expansão dos meios técnicos, mas que, sobretudo, protagonizou e suportou os processos de transformação dos meios de comunicação e da sociedade brasileira, mantendo-se até os dias atuais, dentre os artefatos midiáticos televisivos, no auge/topo de audiência e de comercialização.

Com cinco produtos exibidos diariamente neste nicho e levando em consideração a grade de programação da Rede Globo, que arrecada as maiores verbas publicitárias até o tempo presente, a telenovela global consegue influenciar toda a programação televisiva.

Alguns de seus principais atores são garotos e garotas-propaganda de diversas marcas nacionais, figuram sempre em colunas sociais, e têm, atualmente, os perfis mais seguidos em redes sociais digitais, a exemplo do instagram.

Além disso, a maior parte dos filmes publicitários são veiculados nos intervalos comerciais das telenovelas, de forma que a nossa compreensão acerca dos domínios de influência e de alcance da televisão, está entrelaçada com a existência e perpetuação do produto novelístico, no meio social.

Ao chegarmos aqui, julgamos oportuno afirmar que a telenovela influencia o imaginário social. A partir desta premissa, defendemos que reside nas amplas dimensões do imaginário coletivo o vínculo sociodiscursivo estabelecido pela publicidade, quando aciona os valores sociais, morais, éticos políticos, comportamentais para tecer seu ofício construtivo.

Os comerciais brotam, ao mesmo tempo que também se solidificam nos solos férteis das mentalidades sociais. Seus produtos e serviços circulam de forma que, através de uma curta história com início, meio e fim que materializa o filme publicitário, o produto ou serviço anunciado são colocados como indicativos e concorrem positivamente nos processos de decisão de compra/aquisição/fruição, por parte do público-alvo.

Esta solução nem sempre está atrelada a um problema real ou a uma necessidade. Ao contrário, estes anúncios têm por objetivo, em muitos casos, criar desejos e necessidades que ainda não existiam de forma consciente para os públicos receptores.

Assim como a televisão sorveu o padrão do rádio, também os comerciais televisivos absorvem os padrões de identidade, sexualidade, beleza e riqueza das telenovelas. Consequentemente, ainda que contem uma história que não é em sua essência real, permeiam o imaginário social com mensagens que objetivam levar o espectador a realizar uma ação real: o consumo.

Analisando os dez personagens homossexuais mais populares em telenovelas ou programas de auditório13, chegamos a uma conclusão, ainda que parcial, sobre uma questão que já suspeitávamos: todos são inseridos e tratados por meio de um viés humorístico ou de