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Acredite na beleza: a potência da representação homossexual não estereotipada na ruptura de padrões heteronormativos, pela publicidade

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADEFEDERALDABAHIA

INSTITUTODEHUMANIDADES,ARTESECIÊNCIAS

PROGRAMAMULTIDISCIPLINARDEPÓS-GRADUAÇÃOEM

CULTURAESOCIEDADE

ACREDITE NA BELEZA: A POTÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO HOMOSSEXUAL NÃO ESTEREOTIPADA NA RUPTURA DE PADRÕES HETERONORMATIVOS, PELA

PUBLICIDADE.

por

VERÔNICA QUÊNIA OLIVEIRA REIS

Orientador(a): Prof(a). Dr(a). ANNAMARIA DA ROCHA JATOBÁ PALÁCIOS

SALVADOR 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE HUMANIDADES, ARTES E CIÊNCIAS PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

CULTURA E SOCIEDADE

ACREDITE NA BELEZA: A POTÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO HOMOSSEXUAL NÃO ESTEREOTIPADA NA RUPTURA DE PADRÕES HETERONORMATIVOS, PELA

PUBLICIDADE.

por

VERÔNICA QUÊNIA OLIVEIRA REIS

Orientador(a): Prof(a). Dr(a). ANNAMARIA DA ROCHA JATOBÁ PALÁCIOS

Dissertação apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre.

SALVADOR 2018

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VERÔNICA REIS

ACREDITE NA BELEZA: A POTÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO HOMOSSEXUAL NÃO ESTEREOTIPADA NA RUPTURA DE PADRÕES HETERONORMATIVOS,

PELA PUBLICIDADE.

Dissertação apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre.

Aprovada em 11 de outubro de 2018.

Banca examinadora

Annamaria da Rocha Jatobá Palácios – Orientadora_______________________ Pós-Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade da Beira Interior Universidade Federal da Bahia

Adriano de Oliveira Sampaio_________________________________________ Pós-Doutor em Relações Públicas e Propaganda pela Universidade de São Paulo Universidade Federal da Bahia

José Raimundo Rios da Silva_________________________________________ Doutor em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia

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Às 445 pessoas assassinadas no ano de 2017 pelo preconceito, pelo patriarcado, pela maldade e pela ignorância. À minha criança interior, pelas dores superadas e sonhos realizados. A Verônica, minha xará e psicóloga, pelos outros 50%. A Oyá, Oxum, Nanã e Ogum, por iluminarem os dias sombrios. Asè.

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AGRADECIMENTOS

A potência do (auto)conhecimento, para romper, descontruir, desestruturar preconceitos, padrões enrijecidos e norteados por valores que são antes de tudo não-humanos, não-plurais e aversos a diversidade das inúmeras possibilidades de existência e do amor.

A todxs que resistem, e que fazem dessa (re)existência um confronto com a margem, com a marginalização e com a selvageria (que ironia!) da humanidade.

A profa. Annamaria da Rocha Jatobá Palácios, pela jornada percorrida nesses dois anos, pela orientação irretocável, assim como por todo apoio e atenção.

Aos professores José Rios e Adriano Sampaio, pelas contribuições significativas no Exame de Qualificação e pela participação na Banca Avaliadora.

Aos/as professores/as Natalia Coimbra de Sá, Karla Brunet e Ricardo Batista, pela gentil composição da banca e leitura da pesquisa.

Aos amigos que conquistei no Pós-Cult, em especial, Cledinéia Carvalho e Nathália Leal, que durante os momentos de ansiedade foram calmaria e tranquilidade para que o caminho fosse percorrido alegremente. Aos colegas do Grupo de Estudo e Pesquisa de Práticas e de Produtos Discursivos da Cultura Midiática (UFBA), em especial Alexandre e a Professora Carla Risso.

Aos meus amigos, fonte de luz, coragem, amor, gentileza, cuidado e encorajamento nesse processo, que me proporcionou um imenso crescimento intelectual e uma extraordinária transformação pessoal. Agradeço, sobretudo, as Julianas, Carvalho e Almeida, Tamiz Oliveira, Rosângela Rocha, Brenda Torquato, Caroline Vilas Boas, Marcelo de Jesus, Jéssica Leal, Thiago Amorim, Iulo Duarte, Karla Alcione, Isis Gomes, Jorge Luiz, Nadson Holanda e os componentes da “Banda Boa”. Desculpa se esqueci alguém!!! Se você é meu/minha amigo/a se sinta agradecido e contemplado, por favor!

A minha psicóloga Verônica Santos, parte fundamental para o encerramento deste ciclo.

A minha família, por tudo, principalmente, a minha mãe, irmãs e meus/minhas tios/as.

Ao meu amigo, amor, companheiro, parceiro de vida e grande incentivador Felipe Meneses.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo financiamento de parte significativa desta pesquisa.

E, em especial, ao amigo, professor, e meu mais crítico avaliador e incentivador, Zé Rios, que acreditou desde antes de ser que seria, e foi. É.

A todos que acreditaram nessa jornada, muito obrigada por possibilitarem essa experiência enriquecedora e gratificante, vocês me tocaram profundamente.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

2. A GENTE VIVE JUNTO, A GENTE SE DÁ BEM: A IMPORTÂNCIA DA TELEVISÃO NA CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO SOCIAL ... 18

2.1. Não desejamos mal a quase ninguém: uma breve história da televisão, da publicidade e da homossexualidade no Brasil. ... 18

2.1.1 E a gente vai à luta e conhece a dor: a ditadura e suas influências na comunicação brasileira ... 23

2.1.2 Eu tô plugado na vida: entrelaçamento da homossexualidade no Brasil com a televisão e a publicidade ... 25

2.2. Você é bem como eu: o imaginário Social ... 29

2.3 Só que nessa história ninguém sabe o fim: as telenovelas da Rede Globo. ... 34

3.EUNÃOPEDIPARANASCER:o papel da publicidade televisiva na manutenção de estereótipos relacionados a representação homossexual. ... 44

3.1 Eu tô curando a ferida: o poder simbólico e o espectador não-emancipado ... 50

3.2. Nem vou sobrar de vítima das ciircunstâncias: construções simbólicas que moldam, legitimam e refletem no mundo real ... 64

3.3 As vezes eu me sinto uma molha encolhida: o papel da publicidade na manutenção de estereótipos negativos relativos aos homossexuais... 71

4. EU NÃO NASCI PARA PERDER: a publicidade é um cadáver LGBTQ+ que não nos sorri ... 79

4.1 Você não leva pra casa e só traz o que quer: Os equívocos da publicidade .... 86

4.1.1 Eu sou teu homem e você é minha mulher: equívoco de Inutilidade Social, de Exclusão, de Homofobia ... 93

4.2 Toda forma de amor: a guerra declarada contra o comercial de O Boticário ... 106

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 113

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REIS, Verônica. Acredite na beleza: a potência da representação homossexual não estereotipada na ruptura de padrões heteronormativos, pela publicidade. 129 f. il. 2018. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.

RESUMO

Este trabalho analisa e indica, prospectivamente, concepções para a publicidade televisiva brasileira com representação homossexual, a partir do filme publicitário desenvolvido pela marca O Boticário, em 2015, como parte da campanha do Dia dos Namorados. Embora não verse sobre sua recepção, a partir do estudo de caso do comercial de O Boticário e da sua repercussão na sociedade, além de uma análise das telenovelas da Rede Globo que apresentaram personagens homossexuais entre os anos de 1970 e 2013, pretende elencar as influências que foram engendradas pela televisão e pela publicidade na manutenção e perpetuação de estereótipos negativos e ultrapassados, que tendem a contribuir para violência de gênero, seja ela simbólica ou física, direcionada à pessoas de sexualidade consideradas “desviantes”. Nesse sentido, a investigação conta com um levantamento histórico acerca das dinâmicas estabelecidas pela televisão brasileira, sobretudo, através da telenovela, estabelecendo um paralelo das influências que este produto exerce em parcelas de público que aderem à narrativa publicitária e/ou consomem o produto. Trata-se de um prisma contra-hegemônico, ou seja, outra forma de se posicionar diante de uma problemática social, por meio da desestabilização de preconceitos e de estereótipos cristalizados no imaginário coletivo, a fim de alcançar públicos até então ausentes do universo receptivo/produtivo da publicidade. O trabalho também examina representações homossexuais produzidas em outros comerciais televisivos, que concorrem para o estabelecimento de um padrão no processo de construção do personagem gay em filmes publicitários. A revisão bibliográfica foi realizada através de inquirições em anais de congressos, em periódicos das áreas das ciências sociais e humanas que abordam a temática homossexual, além do levantamento e análise de comerciais e telenovelas a respeito do assunto. Por fim, a pesquisa advoga que a publicidade pode e deve estabelecer uma ruptura com seus próprios padrões no que tange à informação e comunicação, de modo a exercer um papel mais desafiador na sociedade, não se relegando apenas a reprodução de mensagens que visem o consumo, mas exercendo ainda um papel social de conscientização para com os diversos setores sociais.

Palavras chave: Representação Homossexual; Publicidade; Comerciais televisivos; O Boticário.

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REIS, Verônica. Believe in beauty: the power of non-stereotyped homosexual representation in the breaking of heteronormative patterns in advertising. 129 f. yl. 2018. Master Dissertation – Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Universidade Federal da Bahia, Salvador 2018.

ABSTRACT

This work analyzes and prospectively indicates concepts for Brazilian television advertising with homosexual representation, based on the publicity film developed by O Boticário in 2015, as part of the campaign of Valentine's Day. Although it is not clear about its reception, based on the case study of O Boticário commercial and its repercussion in society, besides an analysis of Globo TV telenovelas that presented homosexual characters between the years of 1970 and 2013, it intends to list influences which were engendered by television and advertising in the maintenance and perpetuation of negative and outdated stereotypes that tend to contribute to gender-based violence, whether symbolic or physical, directed at persons of sexuality who are considered "deviant." In this sense, the investigation has a historical survey of the dynamics established by Brazilian television, especially through the telenovela, establishing a parallel of the influences that this product exerts in portions of the public that adhere to the advertising narrative and/or consume the product. It is a counter-hegemonic prism, that is, another way of standing in the face of a social problematic, by destabilizing prejudices and crystallized stereotypes in the collective imaginary, in order to reach publics previously absent from the receptive/advertising. The work also examines homosexual representations produced in other television commercials that compete for the establishment of a pattern in the process of building the gay character in advertising films. The bibliographical review was carried out through inquiries in annals of congresses, in periodicals of the social sciences and humanities that deal with homosexual themes, besides the survey and analysis of commercials and soap operas on the subject. Finally, the research advocates that advertising can and should establish a break with its own standards regarding information and communication, in order to play a more challenging role in society, not only relegating the reproduction of messages aimed at consumption, but also exercising a social role of awareness towards the various social sectors.

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INTRODUÇÃO

A publicidade televisiva exerce no imaginário social um poder que, apesar de simbólico, é real. Geralmente camuflada por uma pseudo realidade (todos são felizes, realizados, bem-sucedidos etc.), a publicidade visa passar uma mensagem que, na maioria dos casos, objetiva a venda de um produto e/ou serviço, já que é uma ferramenta de comunicação voltada para a divulgação de bens materiais de consumo, bens simbólicos e serviços.

Ciente disso, podemos pensar nos diversos papéis que a publicidade exerce na sociedade, dentre os quais figuram a ação de despertar desejos, criar necessidades, estabelecer padrões e estabelecer conexões que levam o sujeito para a ação do consumo.

Podemos considerar, também, o poder simbólico exercido de forma contributiva na construção do imaginário coletivo, no que tange às representações sociais das minorias (como é o caso de mulheres, negros e idosos), além de ponderar sobre suas possíveis influências na reprodução e manutenção de estereótipos negativos relacionados à homossexualidade.

Este poder simbólico está imbricado em construções individuais e coletivas dos sujeitos sociais e, quando relacionado com a publicidade, pode estar associado não só ao anúncio e a venda de produtos ou serviços, mas também à hábitos de consumo, padrões estéticos, representações sociais, dentre outros.

Ao refletir sobre as representações efetuadas pela publicidade, levando em consideração o avanço nas lutas e reivindicações das minorias sociais por uma sociedade mais igualitária, plural, menos homofóbica, bem como as contribuições que a publicidade poderia realizar neste sentido, caso houvesse uma transformação no seu discurso, foi que nasceu o problema de pesquisa deste trabalho.

Após o comercial televisivo do Dias dos Namorados (2015) da marca O Boticário que apresentou a homossexualidade de ambos os sexos de forma não estereotipada, o que causou grande repercussão em todo o país, gerando manifestações contra e a favor deste tipo de representação na televisão, nos indagamos: quais as perspectivas para publicidade televisiva nacional voltada para os processos de representação da homossexualidade?

Para interpretar os novos processos oriundos de uma possível ruptura de paradigmas e como se dará este tipo de representação, definimos o objetivo principal desta pesquisa, que consiste em compreender como se constrói a relação entre a publicidade e as questões de identidade de gênero quando voltadas para produção midiática, além de procurar identificar

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quais as novas possibilidades narrativas da publicidade televisiva com representação homossexual não estereotipada (ou que não reforcem estereótipos negativos), a partir do comercial de O Boticário para o Dia dos Namorados do ano de 2015.

Desta forma, este trabalho se configura como um Estudo de Caso, baseado no referido comercial, que é parte da campanha para o dia dos namorados. A escolha se deu devido ao histórica da empresa de campanhas consideradas insurgentes, como é o caso do comercial televisivo do Natal de 2014, intitulada “Família Moderna” (Youtube, 2014)1, do Dia das Mães de 2015, intitulado “Pérolas” (Youtube, 2015)2 e do Dia da Mulher do mesmo ano intitulada Dia das Mulherescom Floratta (Youtube, 2015)3.

Isto dito, os objetivos secundários consistem em: (I) realizar um aprofundamento acerca do poder simbólico exercido pela publicidade, através dos comerciais televisivos com representação homossexual para televisão aberta, no que diz respeito à manutenção de estereótipos negativos; (II) descobrir os mecanismos simbólicos intrínsecos ao processo de elaboração do comercial de O Boticário e como esta produção pode ter rompido com paradigmas enraizados na sociedade e influenciado os hábitos de consumo; (III) apontar os modos como se normatizam e se regulam os sujeitos de diferentes identidades de gênero nas representações dos filmes publicitários, além de sua contribuição enquanto ferramenta de comunicação para a propagação de conceitos homofóbicos, que muitas vezes, promovem violências simbólicas, eventualmente, físicas, a indivíduos considerados como de “sexualidade desviante”.

Visando alcançar ou nos aproximar ao máximo destes objetivos, realizamos um levantamento com mais de vinte filmes publicitários feitos para o meio televisivo, no período de 2010 até 2017. Também buscamos informações através de diversos portais de notícias nacionais (G1, Folha de São Paulo, UOL, Carta Capital etc.), a fim de validar ou refutar as nossas hipóteses acerca da contribuição da publicidade para a manutenção de estereótipos negativos relacionados à homossexualidade.

Nesta pesquisa documental, nós utilizamos palavras-chaves diretamente relacionadas à temática, tais como “comercial homofóbico”, “homofobia na televisão” “homofobia na publicidade”, “conar recebe denúncia de comercial homofóbico”, “índices de violência contra lgbts” “violência homofóbica”, dentre outros.

1 Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=4ubj4Pur5E8. Acesso em 12 jan 2019. 2

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zwLn1eGYe2I. Acesso em 12 jan de 2019.

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Privilegiamos, por preferência nossa, os comerciais em português, que foram engendrados por agências brasileiras e voltadas ao público do Brasil. Esta escolha foi assim definida porque julgamos que comerciais elaborados para outros países poderiam apresentar incompatibilidades culturais com os comerciais nacionais.

A importância deste estudo não repousa apenas nas discussões que serão levantadas a respeito das produções comerciais televisivas com representação homossexual, posto que também resvalam nas interpretações concernentes ao homossexual enquanto ser social. Estas concepções estão diretamente ligadas ao imaginário coletivo que Castoriadis (1982) define como instituído, mas também instituinte.

Há de se levar em conta o poder simbólico praticado pela televisão enquanto veículo de comunicação que exerce real influência na construção e difusão de costumes, estilo de vida, visão de mundo e opiniões do indivíduo.

As opiniões, hábitos, visões de mundo originárias do imaginário social estão imbricadas aos meios de comunicação, pontualmente relacionados com o universo produtivo da televisão de sinal aberto, no Brasil, que contribui exponencialmente para a reprodução ou transformação do sistema social, conforme elucidam alguns autores (Almeida, 2006; Areas, 2018; Dias, 2017; Musse, 2013; Iribure, 2008; Reis, 2015; Romano 1997; Silva 2015; Souza, 2017).

Assim, o principal objetivo desta pesquisa é aprofundar a compreensão dos processos de representação homossexual em filmes publicitários que circulam na televisão aberta brasileira, a partir da discussão do papel da televisão na construção de um imaginário coletivo, levando em consideração a influência de outros produtos, igualmente inseridos no campo midiático televisivo, como é o caso da telenovela.

Buscamos, ainda, dar importância à representação social das identidades de gênero ou orientações sexuais consideradas “desviantes” e também aos aspectos contidos no comercial de O Boticário que tanto repercutiram na sociedade brasileira no ano de 2015. Tamanho aprofundamento busca promover a elucidação dos estereótipos que ainda permeiam os modos de produção da televisão aberta brasileira, disfarçados de boa moral e bons costumes.

Em síntese, reconhecendo a influência da publicidade na construção de um ideário social próprio da contemporaneidade, esta dissertação representa um embrião para novos estudos, ao mesmo tempo em que aponta, reconhece e identifica algumas perspectivas no processo de incorporação de representações sociais acerca da homossexualidade pela prática produtiva da publicidade.

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Logo, o presente estudo investiga os processos de representação homossexual em filmes publicitários de trinta segundos para televisão aberta, buscando compreender as dinâmicas de construção do filme publicitário, a partir do comercial da marca O Boticário elaborado para o Dia dos Namorados, no ano de 2015.

A reflexão que deu corpo a esta dissertação foi orientada pelo método monográfico, cujo objetivo central é “explorar e compreender o significado que os indivíduos ou grupos atribuem a um problema social ou humano” (Creswell, 2009), uma vez que compreendemos que a questão da representação homossexual estereotipada para televisão aberta reproduz, ao mesmo tempo em que também consolida, uma problemática social caracterizada por visões que isolam, marginalizam e omitem a existência de pessoas com sexualidades distintas daquelas socialmente instituídas como normais.

Pensando no conjunto do método (monográfico), design (qualitativo) e tipologia (estudo de caso), acreditamos ser este o melhor desenho para desenvolver uma pesquisa fundamentada que atenda aos objetivos propostos, salientando o uso de aportes teóricos que auxiliam no embasamento de nossa busca pela compreensão do poder simbólico que a publicidade exerce na sociedade.

Almejamos entender como o comercial publicitário é construído, o que há nos bastidores desta construção e como um filme de menos de um minuto consegue adentrar o imaginário coletivo a ponto de perpetuar ou auxiliar no enrijecimento de estereótipos. Em relação à tipologia, reforçamos a escolha do estudo de caso, pois o que pretendemos é analisar as possíveis novas perspectivas para a publicidade televisiva a partir de um único filme publicitário de trinta segundos.

Buscamos compreender algumas influências exercidas pela publicidade televisiva no imaginário do consumidor, em que um comercial como o de O Boticário causa impactos na sociedade, no mercado e na publicidade, e como este comercial contribuiria para um marco inicial de transformação da forma como os filmes publicitários poderiam ser construídos em um futuro próximo, já que apesar de todas as denúncias, o filme alavancou as vendas da empresa após a veiculação4.

O processo de elaboração desta dissertação inclui um levantamento histórico não só da publicidade televisiva com representação homossexual, mas também de outros formatos direcionados para televisão aberta, tais como telenovelas, minisséries e filmes nacionais, de

4 Disponível em:

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forma a compreender o espaço que é cedido ao homossexual na televisão brasileira e quais papéis de gênero e social ele desenvolve nestas tramas.

A pesquisa considera também a necessidade de compreensão do atual momento histórico do país (2018), no que tange ao espaço social ocupado pelas minorias sociais e a onda de conservadorismo na qual estamos mergulhados.

Este momento reflete não só a construção sociocultural do país, que foi forjada em uma economia escravocrata, e mesmo após a abolição ainda tem a desigualdade como um dos seus valores principais, elegendo uma elite cuja agenda é norteada pela exclusão das necessidades e vontades das camadas mais populares. Mas também, o fato de que a sociedade apresentou nos últimos seis anos considerável aumento no que diz respeito a posturas mais conservadoras e tradicionais em relação às temáticas sociais como casamento de pessoas do mesmo sexo, legalização da maconha, legalização do aborto, pena de morte, redução da maioridade penal e prisão perpétua.5

Para tal compreensão, traçamos um recorte cronológico que vai de 2012 a 2018, não somente da publicidade, mas de questões político-sociais, porque consideramos importante para esta pesquisa, uma análise, ainda que de forma breve, dessa atual onda conservadora que tem permeado várias camadas da população brasileira e que reflete diretamente na forma como essas temáticas são discutidas, aceitas ou rejeitadas pela sociedade.

Vale salientar que a inquietação que moveu este trabalho residiu naidentificação de uma significativa carência de pesquisas que interliguem questões de gênero e comunicação, principalmente, no sentido de deslocar o gay deste local de marginalidade, e contribuir para novas possibilidades de expressá-lo, em campanhas publicitárias. De forma que não temos a intenção de esgotar este assunto, sobretudo porque seria um objetivo insano, assim, buscamos fornecer contribuições para que novas pesquisas sejam realizadas e novos questionamos nasçam a partir das lacunas deste trabalho.

A pesquisa está dividida em três capítulos. Assim o fizemos para permitir ao leitor contextualizar a história da televisão, entender o conceito de imaginário, e posteriormente, compreender as influências deste na concepção de um padrão social no que diz respeito aos processos de representação da pessoa homossexual, para então, elucidar o papel contributivo da publicidade na manutenção de estereótipos.

5 Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/a-nova-onda-conservadora-no-brasil | https://exame.abril.com.br/geral/pesquisa-ibope-comprova-que-brasileiros-estao-mais-conservadores/ Acesso em 11 ago 2018

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Desta forma, no capítulo dois realizamos uma contextualização da história da televisão no Brasil, bem como estabelecemos um paralelo que procura sistematizar historicamente, a trajetória da publicidade nesse veículo de comunicação.

Também identificamos pontos importantes da construção da relação do brasileiro com as telenovelas e o papel deste produto na introdução dos processos de representação da homossexualidade, na programação televisiva.

Para tanto, realizamos a análise de nove telenovelas com representação homossexual exibidas entre os anos de 2010-2013. Neste capítulo também intentamos discutir, à luz de conceitos que definem a noção de Imaginário Social, a importância da televisão no processo midiático de construção de imaginários sociais, procurando indicar seus reflexos na publicidade.

No capítulo três, abordamos o poder simbólico exercido pelos comerciais televisivos no imaginário coletivo, partindo da compreensão e da apreensão de conceitos, que elucidam este poder e as dinâmicas por ele estabelecidas com o sujeito social.

Apresentamos, panoramicamente, as influências da religião nas interpretações e compreensão de identidade de gênero e orientação sexuais consideradas como desviantes pela sociedade, visto que reconhecemos a existência de articulações, no campo político e também no campo social, por parte de pessoas religiosas, como os evangélicos Silas Malafaia, Ana Paula Valadão, Marco Feliciano, Irmão Lázaro, Márcio Marinho, Cabo Daciolo, sendo os quatro últimos, parte integrante dos 199 deputados6 que compõem a bancada evangélica na Câmara de Deputados, e que contribuem para manter grupos dissidentes nas margens sociais.

Concordamos, no campo teórico, com a ideia da existência da condição de “não emancipação” do telespectador, no sentido defendido por Rancière (2010) frente às temáticas abordadas na programação televisiva, partindo de uma fundamentação deste local de “espectador não emancipado” em aspectos heteronormativos e coloniais da sociedade brasileira. Questionamos também a construção social acerca da homossexualidade no Brasil e o poder que a publicidade exerce sobre o indivíduo como parte de um coletivo social.

No capítulo 4, analisamos o vídeo de O Boticário e sua repercussão na sociedade no ano em que foi veiculado (2015). Além disso, examinamos dados estatísticos referentes à violência homofóbica no país.

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Discorremos a respeito do papel passivo da publicidade e a ausência de contribuições significativas no que tange à temática homossexual, ainda que simbólicas, quando se isenta da abordagem de temas sociais tão relevantes para a sociedade.

Apesar da publicidade existir para divulgar e promover a venda de produtos, bens e serviços, acreditamos e concordamos com as afirmações de Toscani (1996) quando este indica que a publicidade pode e deve ser utilizada para a promoção do bem-estar social, da diversidade, do respeito, e da pluralidade humana, principalmente, se levarmos em consideração o seu alcance.

Também realizamos reflexões acerca das intenções por parte da agência AlmapBBDO que produziu o comercial, com a finalidade de estabelecermos algumas considerações, acerca do que viriam a ser os possíveis horizontes para a publicidade brasileira.

No que diz respeito ao nosso principal objetivo, que é identificar quais as perspectivas para a publicidade televisiva brasileira com representação homossexual, acreditamos que realizamos esse intento.

Entendemos que embora a publicidade ainda se atenha a representação homossexual pelo viés do estereótipo, o caminho para a ruptura das fronteiras marginais é inevitável.

Longe de eleger O Boticário como uma marca pró-LGBT, pois reconhecemos as limitações da comunicação da companhia no sentindo de ter apresentando um comercial ainda que não estereotipado, heteronormatizado, acreditamos que a partir do comercial de O Boticário, outras marcas arriscaram veicular comerciais com representação homossexual não estereotipada.

Isto por si só, já é um indicativo de uma possível mudança. A diferença? Nenhuma destas marcas ainda ousou desafiar a grande audiência televisiva, se reservando apenas ao espaço da internet para declarar seu apoio a causa LGBT.

Ao elaborarmos esta dissertação, chegamos a algumas conclusões, dentre elas a de que podemos atribuir à publicidade certa parcela de responsabilidade pela manutenção de uma ordem social conservadora, reforçando, assim, os retrocessos na abordagem de questões relacionadas à sexualidade que fogem à norma social, comprometida majoritariamente com o padrão ideal da heteronormatividade.

Contraditoriamente aos processos de legitimação e conservação de uma moral rígida, que a prática da publicidade vem reproduzindo, podemos presumir que, a partir da campanha de O Boticário, as grandes marcas tendam a acompanhar o movimento e incorporarem, cada vez mais, pautas voltadas para a agenda das minorias na elaboração de suas campanhas.

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2. A GENTE VIVE JUNTO, A GENTE SE DÁ BEM: A IMPORTÂNCIA DA TELEVISÃO NA CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO SOCIAL

Ciente de que há inúmeros trabalhos e pesquisas que dão conta de contextualizar historicamente a televisão no seio da sociedade brasileira, desde a inauguração da primeira emissora nacional até os dias atuais, não temos a intenção de tornar esse texto repetitivo.

Contudo, é pertinente para o desenvolvimento e embasamento desta pesquisa que resgatemos, ainda que brevemente, as dinâmicas receptivas que foram, a partir da inauguração da televisão no Brasil, engendradas pelos seus produtos com audiências midiáticas crescentemente massivas e conformadoras do tecido social brasileiro.

Faz parte de nosso intento abordar, neste capítulo, a importância da televisão e as influições da sua programação na construção do que viria a ser a publicidade, bem como as suas influências na elaboração desta construção midiática no imaginário social.

Para esta finalidade, trabalhamos, simultaneamente, com as principais transformações pelas quais a nossa sociedade atravessou entre as décadas de 1950 a 2010, estabelecendo um elo de ligação com a trajetória da televisão, no acompanhamento desse percurso político-social.

Fizemos também um paralelo entre a história da homossexualidade no Brasil e a história da publicidade, visto que objetivamos compreender em que âmbito as características e condições atribuídas à homossexualidade e as suas expressões no campo da produção televisiva se entrelaçaram e se entrelaçam. Buscamos também saber se estes dois domínios de investigação se encontram, de fato, associados até os dias atuais.

2.1. Não desejamos mal a quase ninguém: uma breve história da televisão, da publicidade e da homossexualidade no Brasil.

Podemos elencar diversas pesquisas que dão conta de relacionar marcos cronológicos, técnicos, comunicacionais e factuais da história da televisão no Brasil, desde o seu surgimento em 1950, até os dias atuais. Dentre elas, elegemos as pesquisas de Jambeiro (2001), Silva (2005), Almeida (2006), Scoralick (2008), Barbosa (2013) e Quinalha (2017), a fim de estabelecer uma linha temporal que correlacione os mais importantes acontecimentos históricos do país nos âmbitos político, social e econômico, com o nascimento, crescimento e enraizamento da televisão no seio da nossa sociedade.

Segundo Jambeiro (2001), as dinâmicas firmadas pela televisão com o coletivo social tiveram início, na realidade, duas décadas antes de sua inauguração, com o surgimento do rádio.

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Ao iniciar sua análise pela década de 1930, Jambeiro (2001), aborda as mudanças culturais no país, advindas da Revolução de 30, quando a “cultura passou a ser entendida como um instrumento de organização política e disseminação ideológica” (p. 41).

O autor ainda enumera as diversas censuras pelas quais o rádio e sua programação foram submetidos, já que após a Revolução de 30 “o desenvolvimento da radiodifusão, assim como ocorria com jornais, revistas e outras publicações, sofria controle severo do Governo Vargas, sobretudo, a partir de 1937, com a implantação da ditadura do Estado Novo”. (JAMBEIRO, 2001, p. 41). Neste período, Jambeiro explica que:

Vargas criou o DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda, em 1937, vinculou-o diretamente ao seu gabinete, a partir de 1939, e através desse órgão, estabeleceu controle oficial e censura sobre a comunicação de massa, a cultura e as artes. O modelo de funcionamento do rádio foi então estabelecido ao estilo brasileiro: severo controle do conteúdo, particularmente notícias; implantação de algumas emissoras sob direto domínio e operação estatal (Rádio Nacional, por exemplo); e estímulo ao desenvolvimento das emissoras comerciais como base do modelo adotado. (JAMBEIRO, 2001, p. 41).

A censura de Vargas, entretanto, não foi suficiente para frear o crescimento exponencial do novo meio de comunicação. Três anos após o estabelecimento da censura, em 1940, a radiofonia passava pelo que seria chamada de A Era de Ouro. Scoralick (2008), indica que nesta época, as produções já eram, apesar do cerceamento, bem elaboradas, a programação, por sua vez, era voltada para o entretimento, predominantemente para os programas de auditório, radionovelas e humorísticos.

A autora ainda aponta que com o desenrolar da Segunda Guerra Mundial, os noticiários extraordinários tomaram conta das rádios, iniciando o radiojornalismo, uma formula de sucesso que se perpetuaria posteriormente também com a televisão. (p. 3)

Em conjunto com as alterações na programação radiofônica, e nas informações publicadas nos demais veículos, o fim da Segunda Guerra Mundial e a queda de Vargas exerceram grande influência no desenvolvimento industrial do país ao promoverem um crescimento ainda mais dinâmico dos setores econômicos.

Foi assim que o Brasil conseguiu modernizar seus sistemas produtivos e seu aparato tecnológico, já que capital, conhecimento e tecnologia foram, conforme elucida Jambeiro (2001), massivamente importado da Europa e principalmente dos Estados Unidos. Desta forma (...) o rádio, que desde meados dos anos 30 tinha se tornado um aliado dependente do sistema industrial e comercial da economia, tornou-se uma importante ligação entre a produção e o consumo de bens, através, principalmente, da publicidade. (JAMBEIRO, 2001, p. 44)

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Assim, a sustentação financeira do rádio estava diretamente ligada ao fato de que os meios de comunicação de massa no país, desde o início, foram predominantemente controlados e operados por interesses privados.

No que tange à publicidade, entre 1928 e 1935, vieram para o país várias agências americanas, dentre as quais Jambeiro (2001) identificou algumas das maiores do mundo, como McCann, Erickson e Thompson, justamente para acompanhar aqui no Brasil, o investimento realizado pelas empresas para as quais já trabalhavam na Europa ou nos Estados Unidos, nesse meio de comunicação de massa. (JAMBEIRO, 2001).

A interferência dessas agências foi de fato decisiva para a mudança do modelo de publicidade nacional, já que elas não só transferiram a verba das revistas e jornais para o rádio, mas auxiliaram ou produziram programas voltados para os novos públicos (que foram, com os avanços econômicos, adquirindo o rádio), moldando desta forma a publicidade radiofônica brasileira à imagem da publicidade norteamericana.

A participação ativa do interesse privado atrelada à chegada destas grandes agências de publicidade no país, proporcionaram em 1938, no Brasil, a existência de 41 emissoras de rádio. A maioria trabalhando como empresas, vendendo anúncios e espaços para publicidade. (JAMBEIRO, 2001)

Com a competição acirrada do rádio para com os meios impressos, os donos destes dois últimos veículos (jornais e revistas) começaram a buscar alternativas para superar a perda dos investimentos.

Como não era possível enfrentar e nem eliminar o novo aparato comunicacional, os proprietários criaram empresas, que eram, na verdade, conglomerados, que viriam a substituir os rádios-clubes. (JAMBEIRO, 2001)

Foi nesta tentativa de superar a queda no capital publicitário, que nasceu em 1938, o maior conglomerado de veículos de comunicação do país: Emissoras e Diários Associados criado por Assis Chateaubriand e que viria, duas décadas depois, em 1958, dispor de 36 emissoras de rádios, 18 emissoras de televisão, 34 jornais diários e várias revistas, dentre as quais a de maior circulação no país, O Cruzeiro, com quase um milhão de exemplares vendidos semanalmente. (JAMBEIRO, 2001, p. 47).

Neste mesmo período, tanto os norte americanos quanto os ingleses criavam e veiculavam propagandas consideradas xenofóbicas e preconceituosas no rádio, com a intenção de manipular os soldados contra seus inimigos. Do lado alemão as propagandas idealizadas por

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Goebbels, falavam acerca da superioridade racial ariana sobre os judeus. (SEVERINO, GOMES E VICENTINE, 2012, p. 3)

Em consonância com essas práticas, ainda no início da década de 40, o Brasil, assim como os demais países da américa latina, passou a ser o alvo de várias operações culturais, sociais e de informação por parte de agências norte-americanas.

O Brasil acabou recebendo diversos produtos norte-americanos, tais como discos, filmes, livros e revistas somados a já existente invasão dos produtos industrializados anunciados nas rádios, jornais e revistas brasileiros, representando a exaltação das conquistas do mundo livre e da condenação das barbáries cometidas pelos nazistas durante a guerra. (JAMBEIRO, 2001).

Com o fim da guerra e com o retorno das tropas brasileiras ao país, contaminadas por ideais democráticos, houve oposição suficiente para que em 1946 a censura fosse eliminada, junto com o controle do governo sobre os meios de comunicação de massa, afirmando a liberdade de expressão.

Neste mesmo ano, conforme elucida Barbosa (2013), passou-se a serem observados nos anúncios publicitários radiofônicos, nas matérias publicadas nos jornais diários como O Cruzeiro, nas revistas que até então eram destinadas apenas a publicar notícias sobre o rádio, o que a autora nomeia como “a formação de um imaginário tecnológico sobre a televisão”. (p. 16)

Este foi, conforme Jambeiro (2001), um capítulo singular na história dos meios de comunicação de massa no país. No final da década, já existiam 243 emissoras de rádio, sendo a Rádio Nacional nos quinze anos seguintes (até 1960), a maior e mais importante emissora de rádio da América Latina, apesar de ter ficado durante a Era Vargas sob domínio do governo.7

A Rádio Nacional recebeu, neste período, quase oito milhões de cartas de ouvintes, o que equivale a cerca de mil e quatrocentas cartas por dia. Apesar de ter sido a Rádio Nacional a realizar as primeiras transmissões experimentais da televisão na América Latina, em 1946, por razões até os dias atuais desconhecidas, o governo cedeu para Chateaubriand a primeira concessão brasileira de televisão. (JAMBEIRO, 2001).

7Em 1940, Getúlio Vargas, em pleno Estado Novo, tomou de seus donos a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, investiu nela bastante dinheiro e transformou-a na emissora mais ouvida da América Latina, por mais de 10 anos. Além desta, o governo operava duas ou três outras, inclusive a Rádio Ministério da Educação e a Rádio Mauá, está vinculada ao Ministério do Trabalho. (JAMBEIRO, 2001, p. 118).

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Neste sentindo, acreditamos ser importante situar o leitor acerca da participação de quatro, entre os maiores anunciantes publicitários do país à época, no “empreendimento televisão”.

Em seu discurso inicial, que ocorreu em 1950, Chateaubriand indica que desde 1946, quando conquistou a concessão, recebeu aporte financeiro da Companhia Antarctica Paulista, do grupo Sul América Seguros, do Moinho Santista e da Organização Francisco Pignatari, fabricante da Prata Wolff como subsidio para a iniciativa. (BARBOSA, 2013).

Quando a televisão nasceu no país em 1950, quatro anos após o inicio dos trabalhos de Chateaubriand, Jambeiro (2001) nos mostra que o rádio já havia consolidado o padrão industrial que durante décadas predominou na radiodifusão brasileira.

Este padrão era composto pela busca da audiência de massa, a predominância do entretenimento sobre programas educacionais, o controle privado sobre a fiscalização governamental e a economia baseada na publicidade.

Almeida (2006) realizou contribuições fundamentais para entendermos estas e outras fases da história da televisão, em especial, quando marca o sucesso e a expansão que ocorreram a partir da sua inauguração em 18 de setembro de 1950, posto que, no final da década, conforme elucida a autora, havia no eixo Rio – São Paulo, seis novas emissoras de televisão.

Embora essa expansão tenha sido significativa, a televisão ainda era na época “um brinquedo de elite, feito pela elite e para a elite” (ALMEIDA, 2006, p. 19), já que nem todos dispunham da possibilidade de comprar os aparelhos, restringindo seu acesso aos ricos do país. Buscando se popularizar, a televisão, conforme pontua Muniz Sodré (2002) citado por Almeida (2006), caiu por inteiro nas malhas do comércio e da propaganda, passando então a significar o futuro dos meios de comunicação no Brasil. É neste ponto que a televisão se entrelaça com a publicidade.

Por este ângulo, Jambeiro (2001) ratifica a ideia de expansão comercial dos meios, ao mencionar que, em 1959, os serviços de televisão vinham se expandindo para o Sul e o Nordeste do país, encontrando em meados dos anos 60, as condições ideais para se consolidarem como indústria, através das redes nacionais.

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2.1.1 E a gente vai à luta e conhece a dor: a ditadura e suas influências na comunicação brasileira

Apesar de apresentar significativo crescimento, a expansão do aparato televisivo e a diversidade dos programas apresentados na televisão e no rádio foram bruscamente freados pela ditadura militar, no período de 1964 a 1985.

O regime militar controlava os processos produtivos dos veículos de comunicação, impondo censura político-ideológica à programação e tornando-a homogênea e alienante.

A nova programação tinha como objetivo apoiar o conjunto de aspirações de linhas mestras que estavam, de acordo com o novo modelo de governo, ligadas às condições de existência do país.

A liderança militar e golpista se constituía, na sua grande maioria, pelos mesmos sujeitos que apoiaram a Revolução de 30 e o Estado Novo de Getúlio Vargas. (JAMBEIRO, 2001).

A censura no período da ditadura dizia respeito a questões políticas, mas não se restringia somente a esta dimensão, pois repercutia também, segundo Quinalha (2017), em temas de natureza comportamental ou moral. O autor, entretanto, realiza uma reflexão sobre o caráter político desse processo:

Toda censura, sem dúvida, tem uma dimensão política inegável. Afinal, é da própria definição do processo censório impedir a produção de determinadas informações, restringir a liberdade de pensamento e de expressão, colocar obstáculos para que opiniões circulem no espaço público e acabar com essa vocação autoritária, impondo uma visão única sobre assuntos complexos e que deveriam comportar uma pluralidade de perspectivas. Trata-se, portanto, de um ato essencialmente político. Além do mais, qualquer censura moral e dos costumes de uma sociedade também possui um aspecto intrinsecamente político de policiamento de condutas, de limitação das liberdades, de sujeição de corpos, de controle de sexualidades dissidentes, de domesticação dos desejos e mesmo de restrição às subjetividades de modo mais amplo. (QUINALHA, 2017, p. 38).

Para ilustrar esse período de opressão, citado por Quinalha (2017), resgatamos os Festivais da Canção ou Festivais da Música Popular Brasileira que aconteceram ininterruptamente entre 1965 e 1969, realizados e transmitidos pela televisão (TV Excelsior e TV Record).

Estes festivais passaram a representar uma válvula de escape não somente contra a opressão política, mas também contra a censura cultural e de costumes. Eles eram utilizados pelos jovens cantores brasileiros para protestarem contra a ditadura.

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Em um dos momentos mais icônicos desta fase, Caetano Veloso compôs “É proibido proibir”. O cantor e compositor baiano elegeu a etapa paulista do Festival Internacional da Canção realizada no dia 15 de setembro de 1968 para apresentar ao público a música que fora inspirada em uma pichação feita num muro da capital francesa, no auge das manifestações parisienses, que ocorreram em maio do mesmo ano. Caetano foi vaiado e a música desclassificada da competição.8

Os festivais são um exemplo elucidativo de uma das muitas razões que levaram a televisão brasileira, apesar da censura, a alcançar o seu auge no período da ditadura. O motivo para tal popularidade deve-se ao fato de que a população dependia dessa nova, porém já necessária, tecnologia para se informar e se atualizar a respeito do regime político que vigorava no país:

A partir dos anos 1970, a televisão brasileira proveu aos cidadãos a autoimagem de brasilidade, auxiliando na organização da sociedade pela integração nacional pretendida pela ditadura militar, inserindo as pessoas no mundo da autoridade da informação visual, “dinâmica pragmática e publicitária da população” e incandescência da “sociedade do espetáculo” (BUCCI, 1997, p. 19 apud DIAS, 2017, p. 288).

É nessa tempestade de acontecimentos que a Rede Globo, apoiadora declarada da ditadura, através do seu jornal impresso O Globo, e da emissora de rádio de mesmo nome, inicia as atividades de sua emissora de televisão no ano de 1965. (ALMEIDA, 2006).

Com recursos financeiros muito mais abundantes do que suas concorrentes, devido ao acordo bilionário entre a Globo e a empresa norte-americana Time-Life, a emissora cresceu a passos largos.

De acordo com Areas (2015), a referida empresa estrangeira enviou, com a anuência do governo brasileiro, cerca de 6 milhões de dólares à empresa de Marinho, entre 1962 e 1966.

Jambeiro (2001), entretanto, elucida que, apesar de sua boa relação com os militares, e de frequentemente transmitir notícias pró-governo em seus telejornais, a Rede Globo também sofreu censura de natureza moral, econômica e política em suas telenovelas, telejornais e programas de entretenimento.

8 Disponível em: https://historiativanet.wordpress.com/2012/10/30/em-tempos-de-repressao-os-festivais-de-musica-e-o-tropicalismovoxc/ Acesso em 19 ago 2018.

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2.1.2 Eu tô plugado na vida: entrelaçamento da homossexualidade no Brasil com a televisão e a publicidade

Após este breve panorama sobre a história da televisão no Brasil construído com o objetivo de também pôr em relevo importantes mudanças político-sociais que aconteceram no país, transformações que refletiram, inclusive, no nascimento e consolidação da publicidade e da propaganda, abordaremos pontos de entrelaçamento que reconhecemos existir entre três eixos estruturais da investigação:

a) a trajetória da televisão no Brasil;

b) os primeiros formatos reconhecidos como pertencentes ao universo da prática publicitária e veiculados pela televisão;

c) as primeiras manifestações de incorporação de expressões, sentidos e representações homossexuais na programação da televisão brasileira.

Especificamente,no que diz respeito à homossexualidade, o que se tem documentado, a partir da década de 30, é o abafamento constante da vida gay, através da repressão política e psiquiátrica, o que só iria mudar na década de 1950 (GREEN, 2000, p. 150).

Paralelamente ao nascimento da televisão no país, a visibilidade gay despontava segundo Green (2000), como estratégia irreversível na história da emancipação, levando a criação dos primeiros jornais e revistas gays nacionais. Estes proliferaram durante toda década de 1960 como imprensa alternativa, solidificando do ponto de vista social, as relações entre sujeitos, antes, bastante isolados.

Fato que gerou nova repressão no período da ditadura militar, já que a censura não veio somente para os meios de comunicação, mas também para coibir manifestações ideológicas, políticas, morais e comportamentais. O regime militar, por meio do uso da força e da repressão, é autor do que conhecemos como “Caça aos Homossexuais”.

A verdade é que antes da ditadura, a censura moral já existia, vide a perseguição policial e psiquiátrica destinadas a sujeitos de sexualidade consideradas até então como patológicas, como a que ocorreu na década de 1930.

O cerceamento da possibilidade de existência da homossexualidade, sob o olhar de Quinalha (2017), não era negado pelas autoridades, nem tampouco disfarçado ou clandestino, ao contrário, era desimpedido e explícito.

Durante a ditadura militar, as questões que envolviam a homossexualidade passaram a ser, no âmbito político, associadas diretamente com pautas da esquerda, do Comunismo.

Assim, atentar contra a moral e os bons costumes seria, de acordo com o regime militar, “uma tática insidiosa numa guerra psicológica para promover uma revolução anticapitalista por

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meio do enfraquecimento dos maiores pilares da sociedade: a religião cristã e a família”. (QUINALHA, 2017, p. 44).

Quinalha (2017) salienta que apesar desta paranoia anticomunista, não é adequado reduzir todo o conservadorismo moral em voga na época a um combate a estes discursos, sobretudo, porque havia por parte das famílias e dos religiosos, uma preocupação com a exposição da juventude à pornografia nas bancas de revistas, as cenas eróticas exibidas na televisão, ou ainda com o fato da juventude buscar prazer fácil nas tentações mundanas.

O sentimento não era apenas de repulsa à ameaça comunista, mas sim de uma autoproteção dos papéis sociais e valores tradicionais da família diante das mudanças que estavam por vir.

Exemplo disso, é a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que fez parte de um conjunto de manifestações político-ideológicas ocorridas no país, em reação ao discurso do então presidente João Goulart, em março de 1964 (que propunha reformas de bases), e que foi um dos fatores considerados historicamente como contributivo para a instalação da ditadura no país.

A primeira marcha aconteceu em março de 1964, poucos dias depois do discurso de Jango e pouco antes do golpe militar, com o objetivo de impedir a ditadura comunista no país e derrubar o presidente. Dela participaram cerca de 500 a 800 mil pessoas de vários grupos sociais, incluindo as famílias, os setores públicos mais conservadores e os religiosos.9

No campo político, todo aquele que era identificado como comunista e subversivo, era inimigo do estado. A subversividade se aplicava aocampo moral, alcançando vários domínios sociais e, inclusive, os sujeitos de sexualidade consideradas como desviantes, isto é, anormais. (BUTLER, 2003).

Havia um aparato de controle deontológico contra estes sujeitos, de forma que os homossexuais, as travestis, as prostitutas e todo aquele que era considerado como anômalo para os padrões da religião, da moral e dos bons costumes viraram alvos de perseguição, tortura, detenções arbitrárias, expurgos de cargos públicos e diversas outras formas de violência.10

Esta censura acabou por marginalizar ainda mais a comunidade de gays, lésbicas, bissexuais e transexuais (LGBT), levando-os a manter seus locais de sociabilidades e

9 Disponível em: http://www.ebc.com.br/cidadania/2014/03/marcha-da-familia-com-deus-pela-liberdade-em-19-de-marco-de-1964-0 acesso em 19 ago 2018.

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expressividades nos guetos, já que não podiam se organizar enquanto movimento político-social devido à perseguição ocorrida neste período.

Paradoxal e concomitantemente, foi nesta época também, que a homossexualidade começou a ocupar espaço na programação televisiva, através do estereótipo da bicha afeminada ou marginalizada, conforme elucidam alguns autores (Colling, 2007; Iribure, 2008; Silva, 2015).

Nas telenovelas, o indivíduo gay se encontra associado à marginalidade ou a estereótipos humorísticos, enquanto que, na publicidade, o viés do humor era o mais adequado, já que, como bem pontuou Iribure (2008), a estratégia da marginalização não era adequada para o anúncio e venda de serviços e produtos.

É importante lembrar que, no tocante ao contexto político-social, apesar das pautas desta minoria serem vinculadas, pelo governo militar, ao Comunismo, de forma a depreciá-las junto à população, elas não faziam parte da formação ou consolidação das lutas do movimento comunista, posto que este rejeitava tudo aquilo que desviasse da sua prioridade (o movimento operário).

A despeito da censura e do estigma criados em vários âmbitos sociais, veementemente em relação aos homossexuais, no período das décadas de 1960 e 1970, segundo Green (2006) citado por Santos (2009), é possível afirmar que houve, lentamente, uma organização dos homossexuais no Brasil.

Expoente desta atuação é a criação, em 1976, do Dia do Homossexual, que seria comemorado no Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, e que não o foi em decorrência da repressão policial.

Tanto no que diz respeito à homossexualidade, à publicidade ou à televisão, a censura, permaneceu até o fim da ditadura em 1985. Foi a partir de então, com a redemocratização da sociedade, conforme Santos (2009) aponta, que a questão da homossexualidade, no que tange à noção de identidade gay, se tornou mais iminente.

Mesmo com uma militância reduzida a poucos ativistas, a representatividade dos homossexuais foi firmada na sociedade principalmente pela fundação do Grupo Gay da Bahia, em 1980.

A década de 1990 foi o período de inserção dos homossexuais em vários campos da sociedade. O consumo do público gay passou a crescer muito no Brasil, segundo Trevisan (2007 apud Santos 2009). Desta forma, em todo o país, começaram a surgir vários jornais, revistas, e

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produtos dirigidos ao público gay, o qual passou a ser visto como um nicho de mercado interessante e rentável, devido ao seu poder de compra.

No que diz respeito à televisão, cinco anos após o fim da ditadura, a Rede Globo ocupava a 38ª posição entre as 100 maiores empresas do mundo, e já havia se consolidado como a prioridade das agências de publicidade, no Brasil, não só por conta da sua presença em diversas capitais do país, mas também a possibilidade de veicular notícias prejudiciais à imagem dos produtos, devido ao seu grande alcance em território nacional. (ALMEIDA, 2006).

Desta forma, os anunciantes se viam forçados a se adequarem à política da emissora. Assim, a Rede Globo permaneceu até 1994 sem uma concorrência que fizesse frente ao seu monopólio em termos de veículo de comunicação de massa. (JAMBEIRO, 2001).

A configuração de um cenário impulsionado pelo crescimento econômico dos anos 1960 e 1970, consolidado nos anos 1990, transformou a televisão em um importante guia, por meio do qual as pessoas estruturam suas rotinas e seu ritmo de vida, bem como as ocupações domésticas.

Para milhões de brasileiros, a partir deste período histórico, a televisão passou a ser parte integrante da rotina, prática que reverbera até os dias de hoje:

É em volta dela que amigos se reúnem para assistir à partida de futebol no final de semana, que as amigas se unem para saber com quem o mocinho vai casar no último capítulo da novela e as crianças chamam a vizinhança para assistir ao desenho. A televisão, além de organizar a disposição dos móveis, na maioria dos lares brasileiros, de modo que ela esteja centralizada, é um instrumento de proliferação de cultura e união entre as pessoas. (DIAS, 2017, p. 286).

É justamente no sentido de proliferação de cultura e da união entre as pessoas que a televisão influencia o imaginário coletivo, já que como elucida Musse (2013) a “televisão atua como a principal mediadora das relações sociais e construtora das identidades coletivas.” (p. 223).

É a partir desta força associada à compreensão de Modernidade Tardia, defendida por Stuart Hall (2015), seus desdobramentos e estímulo às necessidades e instantaneidades dos prazeres, que a publicidade ganha através da televisão cada vez mais relevo.

O processo de estímulo desses prazeres e a criação de novas demandas, que são supridas através do consumo, movimentam bastante o sistema capitalista. O que fica evidente, após este resgate histórico, é que:

Tendo crescido em consonância com outros processos estruturais de mudanças ocorridos no período (...) a televisão, principalmente por meio das novelas, capta, expressa e alimenta as angústias e ambivalências que caracterizaram essas mudanças, constituindo-se em veículo privilegiado do

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imaginário nacional, capaz de propiciar a expressão de dramas privados em termos públicos e dramas públicos em termos privados. (LOPES, 2002, p. 4).

Será por meio deste imaginário social e nacional, cunhando por Hall (2015), em A identidade cultural na pós-modernidade, além da noção de identidades transitórias consoantes, da defesa pelo autor dos conceitos, construções imaginárias e simbólicas, cujas dimensões podem abarcar o papel da televisão, da publicidade e das representações acerca de expressões sociais da homossexualidade, que falaremos a seguir.

2.2. Você é bem como eu: o imaginário Social

Para entendermos como ocorreu o entrelaçamento entre a televisão enquanto influenciador do telespectador, e a publicidade televisiva no tocante à representação homossexual no imaginário social, principalmente, através de filmes publicitários exibidos na televisão de sinal aberto, se faz necessário uma elucidação acerca do conceito de imaginário.

Antes disso, no entanto, precisamos discutir a fluidez das identidades na Modernidade Tardia (Hall, 2015), para que possamos compreender as transformações pelas quais a sociedade passou, no final do século XX e que influenciaram todas essas dinâmicas.

Hall (2015) sinaliza o fato de que um tipo diferente de mudança estrutural transformou as sociedades modernas no final do século XX. Isto, segundo o autor, fragmentou as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade.

Estas eram as paisagens que no passado tinham nos fornecido, na interpretação de Hall (2015), uma sólida localização como indivíduos sociais, mas que no final do século já estavam se liquefazendo, devido às muitas mudanças políticas, econômicas, sociais e de comunicação pelas quais a sociedade transitava. No final do século, então:

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com as quais poderíamos nos identificar a cada uma delas – ao menos temporariamente. (HALL, 2015, p. 12)

Abordando o confronto com estas novas identidades, o autor indica a construção sociológica-identitária, na qual o sujeito fundamentava seu conceito individual de identidade com base nas suas interações entre o “eu” e a sociedade: “o sujeito ainda tem um núcleo ou

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essência interior que é o ‘eu real’, mas é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos ‘exteriores’ e as identidades que esses mundos fornecem”. (HALL, 2015, p. 11)

No que tange aos processos de construções indenitárias relacionados às influências dinâmicas estabelecidas entre o sujeito e o exterior, além dos sistemas de significação e representação cultural, a televisão e os noticiários se consolidaram no país como um território simbólico, através do qual, os diferentes grupos sociais, que estavam, neste final de século XX, transitando por um câmbio de identidades, buscavam um sentimento de pertencimento, como bem sinalizou Musse (2013).

A televisão passa então a exercer, no cenário desordenado e acelerado da Modernidade Tardia (Hall, 2015), a tarefa de explicar o mundo ao cidadão comum, fornecendo possibilidades de identidades a estes sujeitos. (MUSSE, 2013). Neste contexto:

De maneira explícita, a televisão se tornou a mais poderosa mídia do cenário nacional, capaz de não apenas arrebanhar quase 60% dos investimentos publicitários do país, como também de pautar o tema das conversas cotidianas, influenciar a decisão sobre uma compra ou um voto e construir os desejos que seduzem corações e mentes de homens e mulheres de norte a sul do país (COUTINHO; MUSSE, 2009, p. 2 apud MUSSE, 2013, p. 224).

Nestas influências e construções de desejos residem parte do poder simbólico da televisão e da publicidade no imaginário social. Maffesoli (2001), em entrevista concedida no ano de 2001 para a Revista Famecos, é elucidativo na conceituação de imaginário social, bem como na discussão de pressupostos teóricos originários da compreensão de filósofos e pesquisadores, como é o caso de Durand (1988), Bachelard (1998) e Castoriadis (1982).

O autor também discorre, ainda que panoramicamente, sobre a relação entre imaginário, tecnologias, televisão e publicidade. No primeiro momento, Maffesoli (2001) lança luz sobre o comum equívoco na definição de imaginário como algo oposto aquilo que é real.

O sociólogo francês desmistifica certa ambiguidade na significação desse conceito, o que em geral, o coloca no campo da imaginação e longe de tudo aquilo que seria palpável e tangível, como se o imaginário não fosse nada além de uma ficção, sem consistência. Após esse esclarecimento, Maffesoli (2001) define o imaginário como:

O estado de espírito que caracteriza um povo. Não se trata de algo simplesmente racional, sociológico ou psicológico, pois carrega também algo de imponderável, um certo mistério da criação ou da transfiguração. (...) O Imaginário é uma força social de ordem espiritual, uma construção mental que se mantém ambígua, perceptível, mas não quantificável. (MAFFESOLI, 2001, p. 75)

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Por não acreditar que o imaginário seja quantificável, o sociólogo francês estabelece para o imaginário a condição de flexibilidade e maleabilidade. A partir disto, Maffesoli (2001) realiza uma dura crítica a pesquisa e a conceituação desenvolvidas por Castoriadis (1982) do que viria a ser sua compreensão de imaginário social.

Apesar da crítica, no nosso entendimento, a definição deste conceito efetuado por Maffesoli (2001) está, em parte, em concordância com aquilo que Castoriadis (1982) vem a definir como imaginário coletivo social, ou instituições imaginárias da sociedade.

Maffesoli (2001) afirma que, para Castoriadis (1982), o imaginário tem uma função determinada. É por isso que na interpretação deste autor, Castoriadis (1982) utiliza o termo instituição. Contudo, na percepção do sociólogo francês, o termo “instituição” tem um valor de estabilidade, o que confere certa rigidez sobre o que viria a ser essa noção de imaginário.

Na visão de Michel Maffesoli: “fazer do imaginário uma instância necessariamente revolucionária, significa dar-lhe um estatuto que, por mais nobre, o limita”. (MAFFESOLI, 2001, p. 80).

A despeito desta indicação, o conceito que foi por Castoriadis (1982) sustentado, é para nós de grande relevância na construção deste capítulo. Entretanto, ainda que o tomemos como balizador para nossas reflexões, nos comprometemos a não corroborar com a rigidez do termo cunhado por Castoriadis (1982).

Procuramos elencar outros autores no momento de realizar o diálogo sobre o que viria a ser o Imaginário, sobretudo, para que não haja o enrijecimento de algo que, no entendimento de Maffesoli (2001), e também no nosso, deve por essência ser flexível, maleável.

Analisando a definição de Castoriadis (1962), compreendemos que as instituições imaginárias funcionam como algo intangível, porém exercem reais influências nos sujeitos e em seu comportamento na vivência em sociedade. Em relação a estas instituições, o autor fornece contribuições significativas acerca de seu entendimento e aplicação no meio social:

Tudo o que se nos apresenta, no mundo social-histórico, está indissociavelmente entrelaçado com o simbólico (...) encontramos primeiro o simbólico, é claro, na linguagem. Mas encontramos igualmente, num outro grau e em uma outra maneira, nas instituições. As instituições não se reduzem ao simbólico, mas elas só podem existir no simbólico. (CASTORIADIS, 1982, p. 142)

O simbólico está presente em todos os padrões pré-estabelecidos pela sociedade. Apresenta-se nos comportamentos instituídos como certo e errado, assim como o conceito

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binário de feminino e masculino, e naquilo que está definido na perspectiva de gênero como entre lugares (que não são integralmente femininos e nem integralmente masculinos).

Para Durand (1997), citado por Maffesoli (2001), não existe verdadeira diferença entre o simbólico e o imaginário, de forma que uma dimensão contamina a outra. No nosso ponto de vista, faz parte também deste simbólico o que chamamos de alienação social, no que diz respeito a determinada padronização de formas de ser, estar e de agir, no mundo físico e social, por parte de parcelas significativas de sujeitos sociais.

Percebemos, inclusive, que as maneiras estandardizadas, uniformizadas, de ser e estar podem ser decorrentes de certa ausência de senso crítico. Esta alienação influencia diretamente na fundamentação e aplicação das instituições imaginárias no cotidiano coletivo, pois se apropriam de fontes imaginárias para alimentar imaginários (MAFFESOLI, 2001). Como exemplo, mencionamos os comerciais publicitários:

O criador, mesmo na publicidade, só é criador na medida em que consegue captar o que circula na sociedade. Ele precisa corresponder a uma atmosfera. O criador dá forma ao que existe nos espíritos, ao que está aí, ao que existe de maneira informal ou disforme. A publicidade e o cinema lidam, por exemplo, com arquétipos. Isso significa que o criador deve estar em sintonia com o vivido. O arquétipo só existe por que se enraíza na existência social. (MAFFESOLI, 2001, p. 81)

Este enraizamento social ao qual Maffesoli (2001) se refere, aparece também, conforme Reis (2015), como estrutura de classe e de domínio por parte de uma maioria dominante, permitndo até que esta maioria exerça certo tipo de poder sobre as demais parcelas da população, inclusive as minorias sociais.

É a partir dessas instituições dominantes que o observador confere um julgamento a um indivíduo levando em consideração os elementos simbólicos executados em formas de gestos, falas, vestimentas, dentre outros.

Além disso, é importante elucidar que a compreensão deste entrelaçamento se faz necessária, assim como o exercício do poder simbólico no imaginário social, para que possamos lançar luz sobre os modos como a publicidade, através da televisão, pode solidificar estereótipos negativos acerca de uma orientação sexual na sociedade.

Consideramos que esse processo de cristalização e de supremacia social de uma única forma de expressão sexual, seja um dos fatores responsáveis pelas reações adversas ao comercial de O Boticário. Isto, entretanto, veremos mais adiante no capítulo três.

Maffesoli (2001) prossegue sua análise, indicando a existência de instrumentos ou tecnologias de criação e manutenção de imaginários. Também acredita no que diz respeito à

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