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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 PROFISSÃO PROFESSOR, FORMAÇÃO, SABERES E PRÁTICAS DE ENSINO

1.1.3 Os saberes docentes

Depois de discutirmos as complexas questões relativas à profissão e formação docente, trataremos especificamente dos saberes necessários ao exercício profissional do professor: os saberes docentes. Primeiramente, analisaremos diversos aspectos que caracterizam o saber de modo geral e, em particular, os saberes relativos ao caráter pessoal, social, temporal, plural,

que são personalizados e situados na pessoa do professor. Em seguida, detalharemos os saberes docentes, tendo como referência sua concepção básica considerada por Tardif (2005), que os classificou em: saberes pedagógicos, saberes disciplinares, saberes curriculares e saberes experienciais.

O Saber e suas Múltipas Características

Para iniciar a abordagem sobre o saber docente, devemos primeiro compreender que a relação com o saber não é algo recente. Na verdade, o homem sempre manteve relação com o saber, o que, sob o ponto de vista histórico-filosófico, nos permite afirmar ser algo que foi apresentado por Sócrates ao dizer “conhece-te a ti mesmo”, passou pelo debate entre Platão e os sofistas, atravessou também a dúvida metódica de Descartes e está fortemente presente na Fenomenologia do Espírito de Hegel (CHARLOT, 2005).

Para focarmos a atenção na questão dos saberes docentes − propósito maior deste estudo − devemos voltar o olhar para o campo específico da educação. Nessa perspectiva, sentimos a necessidade de trazer para esta discussão a questão do aprender, que apresenta fortes relações com o saber. O aprender, na verdade, trata de uma condição nata do ser humano a partir do momento em que chega ao mundo. Para Kant (1776-1787/1996), o homem, ao nascer, diferentemente do animal, que já é tudo o que pode ser, vê-se na obrigação de ter de aprender. Apesar de o aprendizado ser uma característica nata do ser humano, nem tudo o que se aprende pode ser considerado como um saber, muito menos como um saber docente. Para que um conteúdo aprendido possa assim ser considerado, é preciso que haja a presença, em quem aprende algo ou alguma coisa, de elementos que caracterizem sua intelectualidade, ou seja, sua capacidade de entendimento, sua faculdade de perceber, distinguir, compreender aquilo que se está aprendendo.

Para Charlot (2000, p. 65), o aprender é nato ao ser humano, porque “[...] se não aprendesse, não se tornaria humano. Aprender, no entanto, não equivale a adquirir um saber, entendido como conteúdo intelectual: a apropriação de um saber-objeto não é senão uma das figuras do aprender”. Sem a presença de um ser dotado de intelectualidade, o aprender se configuraria apenas como a construção de um conhecimento. Conhecimento que pode ser adquirido mediante o senso comum ou as verdades construídas pela própria humanidade. Para que possa assumir o status de saber, esse conhecimento necessita também da interação desses dois movimentos – senso comum e verdades da humanidade –, o que somente poderá existir

por meio da ação prática de um ser, detentor de uma intelectualidade (CALLAI, 2006).

No ponto de vista epistêmico, o ato de aprender, na verdade, contempla elementos que integram a ação educativa escolar do cidadão, uma vez que nele podemos encontrar a apropriação do saber, elemento abstrato, por um sujeito; a presença de instrumentos concretos em que repousam esses saberes como os livros, os artigos, as dissertações, as teses; e a existência de um local onde o sujeito vai apropriar-se desse saber: a escola, ou seja: “[...] do ponto de vista epistêmico, aprender pode ser apropriar-se de um objeto virtual (o ‘saber’), encarnado em objetos empíricos (por exemplo, os livros), abrigado em locais ([...] a escola [...]), possuídos por pessoas que percorreram o caminho (os docentes).” (CHARLOT, 2000, p. 68).

Portanto, o aprender e o saber guardam entre si uma estreita relação, que é mobilizada por um sujeito que tem desejo de aprender e, assim, a necessidade de se apropriar do saber por meio do aprender. É importante entender que esse desejo não é só o desejo do sujeito, ele é também o desejo dos outros e do mundo. Ou seja:

[...] não há relação com o saber senão a de um sujeito; e só há sujeito ‘desejante’. Cuidado, porém: esse desejo é o desejo do outro, desejo do mundo, desejo de si próprio; e o desejo de um saber (ou de aprender) não é senão uma de suas formas, que advém quando o sujeito experimenta o prazer de aprender e saber. (CHARLOT, 2000, p. 81).

O saber docente, no entanto, não apresenta apenas aspectos característicos da intelectualidade do que e de quem aprende, ou mesmo da interlocução das duas formas de conhecimento apresentadas. Ele traz também elementos relativos à pessoa do professor e ao contexto social em que esse profissional viveu e vive. Inspirado em pesquisas realizadas nos Estados Unidos e nas próprias pesquisas, Tardif (2005) conclui que os saberes docentes são saberes que envolvem questões de ordem pessoal; têm abrangência social; surgem e se desenvolvem dentro de uma temporalidade; apresentam-se com características plurais e heterogêneas; e são amplamente personalizados e situados na pessoa do professor.

Do ponto de vista pessoal, o autor deixa claro que o próprio saber é “sempre o saber de alguém que trabalha alguma coisa no intuito de realizar um objetivo qualquer” (TARDIF, 2005, p. 11). No caso específico do saber docente, trata-se de um saber que vai apoiar-se nos conhecimentos específicos de uma determinada disciplina, ou disciplinas correlatas, que o sujeito, antes mesmo de se tornar professor, já o possui em decorrência de toda a sua trajetória escolar, como comentado anteriormente. Esse conhecimento vai tornando-se mais específico,

de domínio mais intencional e apurado, quando o futuro professor ingressa na carreira do magistério por meio dos cursos de formação própria para esse fim e vai progressivamente se identificando com determinadas áreas disciplinares.

Nessa linha de pensamento, Cunha (2006a) afirma que o saber docente é um saber pessoal, porque é algo de domínio próprio do professor. Algo que ele foi adquirindo em função daquilo que aprendeu, incorporou e passou a dominar em termos de conteúdo da sua disciplina, bem como do conhecimento próprio das ciências da educação no caso específico da formação profissional voltada para esse fim. Segundo Cunha:

[...] faz parte do senso comum, ratificado pelos órgãos institucionais, que o professor possua um saber que lhe é próprio. Esse saber possui duas grandes direções: o domínio do conteúdo de ensino, isto é, de seu próprio objeto de estudo, e o domínio das ciências da educação que lhe permitirão compreender e realizar o processo pedagógico. (CUNHA, 2006a, p. 45).

O saber docente é também um saber social, porque é algo que, intencionalmente ou não, costuma ser partilhado pelos pares que trabalham na mesma instituição ou em instituições escolares distintas. Esse partilhar, ou compartilhar de saberes, geralmente ocorre em encontros formais promovidos pela própria instituição, como os encontros pedagógicos, os programas de capacitação. É social porque é respaldado em um sistema formal que o legitima pela legislação, normas, regras, pelos procedimentos estabelecidos por entidades socialmente reconhecidas, tais como o Ministério de Educação, as secretarias estaduais e municipais, os sindicatos de classe, as associações, as universidades, as escolas, os institutos de pesquisas e demais entidades similares.

Outro aspecto que dá ao saber docente a conotação de ser um saber social consiste no seu propósito de instruir, formar e educar o cidadão, de modo que possa contribuir para a transformação da sociedade em que vive. É ainda social, porque, ao ser acessado e absorvido pelo professor ao longo de sua trajetória profissional, ele é interpretado, ajustado e adaptado por esse profissional de modo a se adequar às várias situações sociais que enfrenta no seu cotidiano de trabalho dentro e fora da sala de aula. Portanto, Tardif (2005), a respeito do saber do professor, assevera:

[...] é um saber social porque é partilhado por todo um grupo de agentes – os professores [...] é social porque sua posse e utilização repousam sobre todo um sistema que vem garantir a sua legitimidade e orientar sua definição e utilização: universidade, administração escolar, sindicato, associações profissionais, grupos científicos, instâncias de atestação e de aprovação das

competências, Ministério da Educação, etc. [...] Contrariamente a um operário de indústria, o professor não trabalha apenas um ‘objeto’, ele trabalha com sujeitos e em função de um projeto: transformar os alunos, educá-los e instruí-los [...] esse saber é social por ser adquirido no contexto de uma socialização profissional, onde é incorporado, modificado, adaptado em função dos momentos e das fases de uma carreira, ao longo de uma história profissional [...]. (TARDIF, 2005, p. 12-14).

Charlot (2001) já apresentava essa compreensão de Tardif (2005) sobre a abrangência social do saber docente, por entender que a aprendizagem é um processo individual e, ao mesmo tempo, coletivo. Um processo que ocorre para e com o indivíduo que está incluso num contexto social em que existem diversas relações de natureza social também, tais como o compartilhamento de saberes entre sujeito e objeto da aprendizagem, entre o sujeito e outros sujeitos do ensino, a existência de entidades sociais que legitimam tais saberes, e a própria incorporação de experiências sociais que o indivíduo (o docente) vai adicionando à sua experiência de vida durante sua trajetória profissional, por meio das várias relações sociais que mantém:

Toda relação com o saber é indissociavelmente singular e social. Aprender é um processo singular, desenvolvido por um sujeito [...] No entanto, esse sujeito é, por sua constituição, um sujeito social, e aquilo de que ele se apropria foi produzido por uma atividade estruturada por relações sociais [...]. (CHARLOT, 2001, p. 28).

Acrescentamos às falas de Charlot (2001) e de Tardif (2005) outra conotação social do saber docente, atribuída por Rocha (2008), para quem o professor, ao se perceber como autor social, com capacidade de pensar, falar e agir, pode “[...] construir competências e saberes para lutar contra uma ética excludente, competitiva e predatória” (ROCHA, 2008, p. 67) – elementos típicos de um mundo em que os interesses da lógica de mercado, do modelo econômico atual parecem impor-se, perante os direitos universais da humanidade, aos verdadeiros interesses e necessidades da sociedade, e isso é também uma importante função social desse saber.

Por outro lado, o saber docente é também um saber temporal, porque nele repousa toda uma experiência de vida adquirida em toda a trajetória escolar do professor em tempos e momentos distintos. Tais experiências vão exercer forte influência na maneira como esse profissional desenvolverá suas atividades docentes em decorrência das experiências positivas ou não que vivenciou com seus antigos professores na condição de aluno. Outro sentido de temporalidade do saber docente refere-se à fase inicial da carreira profissional do professor,

fortemente marcada pelas incertezas, inseguranças e conflitos, e esse profissional espelha-se em seus colegas mais experientes de tal forma que possa superar as dificuldades inerentes à fase de entrada na carreira docente, que corresponde ao tempo dos três primeiros anos de ensino e segue por todo o seu trajeto profissional, como reforça Tardif:

[...] uma boa parte do que os professores sabem sobre o ensino, sobre os papéis do professor e sobre como ensinar provém de sua própria história de vida e, sobretudo de uma história de vida escolar [...] os primeiros anos de prática profissional são decisivos na aquisição do sentimento de competência e no estabelecimento das rotinas de trabalho [...] são utilizados e se desenvolvem no âmbito de uma carreira, isto é, de um processo de vida profissional de longa duração do qual fazem parte dimensões identitárias e dimensões de socialização profissional, bem como fases e mudanças. (Tardif, 2005, p. 260-262).

Corroborando com a característica de temporalidade do saber, atribuída por Tardif (2005), Cunha (2008) diz que os saberes não são algo sem mobilidade, estáticos, tampouco são produzidos num mesmo tempo, local e nas mesmas circunstâncias. Pelo contrário, o saber docente traz fortes marcas de aspectos pessoais, profissionais, políticos, culturais, sociais que vão construindo-se em tempos, ambientes e circunstâncias bastante distintas ao longo de toda a vida de um sujeito: o professor.

O saber docente é também um saber plural e heterogêneo, porque provém de várias experiências do professor relativas à sua vida profissional a exemplo de seu envolvimento, consciente ou não, em questões de natureza cultural, como a escolar, por exemplo, desde as séries iniciais até a universidade; as atividades de que participa, que constrói, acompanha, vivencia, porque, no exercício de sua profissão, o professor vai utilizar diversas teorias, diversos autores, que nem sempre convergem para o mesmo pensamento, para as mesmas conclusões, mas fundamentam, dão sustentação científica às teorias correlatas à sua área de conhecimento. Também são saberes adaptáveis a diversas situações, às quais os professores são constantemente submetidos no seu cotidiano profissional, entre os alunos, entre seus pares, as direções, coordenações e supervisões de cursos, em que existe relação de hierarquia e subordinação. Tardif explica por que a pluralidade e heterogeneidade dos saberes docentes ocorrem:

[...] Em seu trabalho, um professor se serve de sua cultura pessoal, que provém de sua história de vida e de sua cultura escolar anterior; ele também se apóia em certos conhecimentos disciplinares adquiridos na universidade, assim como em certos conhecimentos didáticos e pedagógicos oriundos de sua formação profissional [...] não formam um repertório de conhecimentos

unificado [...] Um professor raramente tem uma teoria ou uma concepção unitária de sua prática; ao contrário, os professores utilizam muitas teorias, concepções e técnicas, conforme a necessidade, mesmo que pareçam contraditórias para os pesquisadores universitários [...] procuram atingir diferentes tipos de objetivos cuja realização não exige os mesmos tipos de conhecimentos, de competências ou de aptidão. (TARDIF, 2005, p. 262- 263).

Nessa direção, os saberes docentes são saberes personalizados e situados na pessoa do professor, porque sofrem influência das suas emoções, dos seus pensamentos; do poder que lhe é delegado, ou do poder que ele mesmo se atribui; dos seus valores, crenças culturais; de sua percepção de mundo. Enfim, se bem que o professor, como pessoa, possua um sistema cognitivo, ele possui também “[...] uma história de vida, é um ator social, tem emoções, um corpo, poderes, uma personalidade, uma cultura, ou mesmo culturas, e seus pensamentos e ações carregam as marcas dos contextos nos quais se inserem” (TARDIF, 2005, p. 264-265). Por conseguinte, os saberes, segundo esse autor, raramente são concebidos da mesma forma como a universidade os concebem. Pelo contrário, o professor, à proporção que vai apropriando-se de novos saberes, conscientemente ou não, filtra-os; e de acordo com suas características pessoais, incorpora-os, subjetiva-os e os põe em prática de forma personalizada.

Encontramos em Charlot (2000) um respaldo à visão de Tardif (2005) nessa questão, pois, no seu entendimento, a relação do professor com o saber – o saber docente – contempla elementos característicos de sua identidade, como profissional do ensino, e decorre também de suas relações consigo próprio, em função de questões emocionais, de pensamentos, de sentimentos e ainda da sua relação com os outros, os quais, necessariamente, não precisam estar presentes. Pode ser a presença da imagem marcante de antigos professores também, seja pela postura autoritária, seja pela postura paternalista, seja pela postura desafiadora e mesmo conciliadora, e até mesmo pela indiferença que possa ter sido registrada em sua mente em determinados momentos em suas relações na condição de aluno. Nesse sentido, afirma o autor:

[...] toda relação com o saber, apresenta uma dimensão epistêmica. Mas qualquer relação com o saber comporta também uma dimensão de identidade [...] toda relação com o saber é também relação consigo próprio [...] é também relação com o outro [...] Esse outro não é apenas aquele que está fisicamente presente, é também aquele ‘fantasma do outro’ que cada um leva em si. (CHARLOT, 2000, p. 72).

Na abordagem de Charlot (2000), o saber parece ter vida própria, independência, autonomia, porque é algo construído sob forte influência de várias relações – individuais e coletivas – do indivíduo com o coletivo, do indivíduo com ele mesmo e do coletivo com o indivíduo. Relações estabelecidas com base em normas e regras sociais, formais e informais, que aprovam ou reprovam, validam ou não sua construção e transmissão. Assim, o autor se posiciona, afirmando:

[...] o saber apresenta-se sob a forma de ‘objetos’, de enunciados descontextualizados que parece ser autônomo, ter existência, sentido e valor por si mesmos [...] o saber é construído em uma história coletiva que é a da mente humana e das atividades do homem e está submetido a processos coletivos de validação, capitalização e transmissão. (CHARLOT, 2000, p. 63).

Contudo, como a figura do indivíduo está sempre presente nessas relações, não podemos deixar de reconhecer que o saber docente, apesar dessa sua aparente autonomia, é também um saber personalizado e situado na pessoa do professor.

Esse movimento de interação do individual com o coletivo, que caracteriza a construção do saber, apresentado por Charlot (2000), é reforçado pelo pensamento de Tardif (2005) quando se reporta à natureza social e pessoal dos saberes dos professores, ou seja: “O saber dos professores é profundamente social e é, ao mesmo tempo, o saber dos outros indivíduos que o possuem e o incorporam à sua prática profissional para a ela adaptá-lo e para transformá-lo.” (CHARLOT, 2000, p. 15). O que reforça a natureza também personalizada do saber.

Apesar de toda a pluralidade, diversidade e complexidade de elementos que integram os saberes docentes, optamos por tomar como referência, para abordagem deste estudo, o que Tardif (2005) apresentou como os quatro pilares básicos desses saberes: os saberes pedagógicos, os saberes disciplinares, os saberes curriculares e os saberes experienciais. Neles, podemos encontrar todas as variáveis pessoais, sociais, culturais, temporais já abordadas em torno deste saber: o saber docente.

Saberes Pedagógicos

Não podemos tratar de saberes pedagógicos sem antes tentar compreender a própria pedagogia, em seu sentido mais amplo, por meio de alguns referenciais teóricos. Para tanto, poderíamos iniciar esta abordagem afirmando que a pedagogia não trata apenas de um meio

ou de uma ferramenta utilizada pelos professores, limitada à pura e simples prática de transmissão de conhecimentos aos alunos. É algo muito mais complexo, porque envolve uma série de elementos, recursos e meios com propósitos bem maiores: socializar o conhecimento socializando os alunos; formando o cidadão; transformando a realidade social. Contudo, tais propósitos somente poderão ser alcançados se a pedagogia for exercida com uma postura reflexiva do professor, que possa levar ao aluno uma postura igualmente reflexiva.

Nesse sentido, para Tardif (2005), a pedagogia consiste no:

[...] conjunto de meios empregados pelo professor para atingir seus objetivos no âmbito das interações educativas com os alunos [...] é a ‘tecnologia’ utilizada pelos professores em relação ao seu objeto de trabalho (os alunos), no processo de trabalho cotidiano, para obter um resultado (a socializaçãoe a instrução). (TARDIF, 2005, p. 117, grifos nossos).

No pensamento de Tardif (2005), além da prática reflexiva que a pedagogia deve proporcionar à ação docente, há dois outros aspectos igualmente importantes: “obter um resultado (a socialização e a instrução)”. Aqui se percebe que houve uma ordem de prioridade, uma ordem de importância: socialização e instrução. Sem desconsiderar uma das importantes tarefas que a pedagogia tem na desafiante atividade de instruir as pessoas, não podemos deixar de expressar a compreensão de que a função de socializar o ser humano atribui à pedagogia um valor muito mais relevante que simplesmente o de instruir.

A pedagogia é algo que, se bem compreendida e exercida conscientemente pelo professor, vai muito mais além do que um mero instrumento de formação e instrução de futuros profissionais: pode contribuir para a formação de cidadãos, críticos e autônomos, capazes de promover transformações na sociedade em que vivem nos sentidos mais positivos e otimistas. Um ser instruído e não socializado certamente pouco contribuirá para a evolução do seu ambiente.

Um professor que tem a convicção de que está preparando e educando pessoas para que elas possam participar ativamente na construção de uma sociedade mais justa e democrática, decerto atuará de maneira radicalmente distinta daquele cuja preocupação maior seja apenas a de cumprir os itens de um programa, de forma burocrática, cuja elaboração, sem dúvida, não contou com sua participação (GUTIÉRREZ, 1988).

Na abordagem desse autor, percebemos a presença de um importante propósito da pedagogia: preparar pessoas para uma sociedade justa e democrática. Para tanto, destaca Gutiérrez, é necessário que o professor esteja convicto de sua responsabilidade, a fim de que

possa cumprir verdadeiramente seu papel de educador. Contudo, entendemos que tal convicção apenas ocorrerá naqueles professores que forem capazes de refletir sobre sua prática de ensino, sua prática pedagógica. Essa capacidade reflexiva docente, por sua vez, somente poderá ser incorporada no cotidiano da prática educativa daqueles que tiverem a oportunidade, vontade e determinação de acessar, compreender e pôr em prática seus saberes pedagógicos.