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Meta 2: Universalizar o ensino fundamental de nove anos para toda a população de

3. DIÁLOGO ENTRE EDUCAÇÃO POPULAR E EDUCAÇÃO DO CAMPO

3.4 SABERES POPULARES DO CAMPONÊS/CAMPONESA NO ESPAÇO ESCOLAR

Ao trazer os conhecimentos populares para dentro da escola, ela passa a ser uma escola viva, com saberes que se vinculam ao cotidiano, que tem a ver com o sentido da vida camponesa. Durante a pesquisa, observei que é esse sentido que se está perdendo no campo, pois, a família quase não consegue mais passar para os jovens estes saberes. No relato dos pais e mãe, aparece a dificuldade que os filhos têm em se envolver, pois muitas coisas eles não conseguem ensinar, como era feito no passado.

As escolas do campo observadas visualizavam à participação dos educandos em eventos, instigando o engajamento, a participação em vários momentos, como em místicas de aberturas e também fazendo parte do debate40. Percebi que nesses eventos há uma interação/representação dos Movimentos Sociais com o currículo escolar recuperado e identificando-se com a cultura camponesa, na experiência do cultivo das sementes crioulas, enfim, principalmente do milho, feijão, arroz, hortaliças, as trocas de sementes entre os educandos, é o espaço de vivências, de troca de experiências entre o cotidiano das famílias e as questões do currículo escolar.

Observei, também, que os educadores incentivaram/proporcionaram a apropriação e incorporação dos conhecimentos populares ao currículo, pois, no âmbito das escolas investigadas, há divulgação das práticas culturais da região, como agroecologia, produtos orgânicos e sementes crioulas. Esses são alguns dos conhecimentos da comunidade que estão integrando aos conteúdos escolares.

Concordo com Tombini (2000, p. 24) quando afirma que “investigar a relação entre diferentes saberes é, sem dúvida, atribuir à escola uma função política na valorização e defesa dos saberes da comunidade onde ela está inserida”. E entendo que é possível construir um

40

Entre os eventos a que assisti e observei estão os: VI Seminário Estadual de Agroecologia: Campo e Cidade com vida saudável, de 20 e 21 de maio de 2010, São Miguel do Oeste/SC; Festa da Semente de Milho Crioulo, Anchieta/SC2011; V Encontro dos Sem Terrinha, São Miguel do Oeste, 2010; XXVII Encontro Estadual do MST, Passos Maia/SC, de 23 a 25 de novembro de 2011.

novo jeito de caminhar na escola do campo, não apenas um novo caminho, mas possibilidade/perspectiva de dialogar com a cultura local, pois os camponeses contribuíram para que os atuais avanços se tornassem realidade.

Ainda que seus saberes sejam desqualificados, muitas vezes considerados sem cientificidade, impróprios / inválidos, os movimentos sociais do campo acreditam na riqueza e nas possibilidades de resistência e protagonismo por parte dos camponeses, é uma eternidade de adjetivos. Como aponta Görgen:

Um dos maiores roubos que a agricultura das multinacionais fez aos camponeses foi roubar-lhe séculos de conhecimentos que foram transmitidos de pais para filhos durante várias gerações, a maioria através da fala (tradição oral) e da experiência (aprendizado da prática e do exemplo). Boa parte desses conhecimentos não foi registrada, não foram escritos. O camponês resiste a tudo o que foi roubado, e mantém um patrimônio que não é seu é coletivo, na sua sabedoria precisa ser preservado, ampliado, socializando permanecerá vivo estes saberes (GÖRGEN, 2004, p.77).

A partir de Görgen (2004), durante a pesquisa também foi perceptível que os camponeses e camponesas resistiram com suas práticas, saberes e conhecimentos, mas também já perderam boa parte desses saberes dos costumes de seus antepassados. Nesse sentido, percebo o quanto é importante esse outro currículo escolar nas escolas do campo.

A escola deve ser concebida como um espaço ecológico de cruzamento de culturas, cuja responsabilidade específica que a distingue de outra instância de socialização e lhe confere identidade e relativa autonomia na mediação reflexiva delas influências plurais que as diferentes culturas exercem de forma permanente sobre as novas gerações (GÓMEZ apud MOREIRA e CANDAU, 2008, p.15).

Uma escola onde há cruzamento de culturas pressupõe o rompimento com um currículo homogeneizador, são diferentes os componentes curriculares das escolas que foram historicamente gradeados/fechados e, ao que parece, as escolas do campo que pesquisei, buscando romper com esta lógica, sendo este um desafio constante para a comunidade.

Desse modo, Moreira e Candau defendem a ideia de abrir espaços para a diversidade e para o cruzamento de culturas, embora isso se constitua no grande desafio que as escolas estão chamadas a enfrentar. O que observei nas escolas do campo de São Miguel do Oeste foi o rompimento com o currículo urbano, sendo que o coletivo da escola começou a incluir nas ações contemplando matizes da cultura camponesa, dos assentamentos do MST, dos negros, dos caboclos, etc. A reflexão dos educadores começou a ser aberta perguntando-se sobre

“quem é o sujeito presente nas escolas do campo?” e “que conteúdos/saberes/conhecimentos precisam?”.

Neste sentido, o debate multicultural na América Latina nos coloca diante da nossa própria formação histórica, da pergunta sobre como construímos socioculturalmente, o que negamos e silenciamos, o que afirmamos, valorizamos e integramos na cultura hegemônica. A problemática multicultural nos coloca de modo privilegiado diante dos sujeitos históricos que foram massacrados, que souberam resistir e continuam hoje afirmando suas identidades e lutando por seus direitos de cidadania plena na nossa sociedade, enfrentando relações de poder assimétricas, de subordinação e exclusão (MOREIRA e CANDAU, 2008, p.17).

Ficou visível, durante a pesquisa, que o que os identifica como camponeses, sujeitos de um lugar e que lhe dá referência como comunidade atualmente é a igreja, mas que a escola também fez parte desse espaço de construção de identidade.

3.5 AS

ESCOLAS

NO

CAMPO:

SUAS

REPRESENTAÇÕES

E

SIGNIFICAÇÕES

Esta realidade do campo com o fechamento das escolas, apareceu com força no momento da pesquisa, e tirar a escola foi, como tirar a identidade da comunidade, o espaço de vida e encontro das famílias camponesas. Nas rodas de conversas, as famílias camponesas evidenciavam o sentimento de perda da escola. Em cada comunidade em que as escolas estão desativadas, ouvi o depoimento dos camponeses/as era um momento de escuta de lamentações, conforme se pode perceber:

Figura 2: Escola Municipalizada Linha Veado Linha Sete de Setembro

Foto:.

Foto: Maria Helena Romani Mosquen.

C9 - A escola na comunidade é muito importante para a união das famílias.

C10 - As escolas fazem parte da comunidade, pois os pais podem participar, a escola é o que dá vida à comunidade.

Figura 3: Escola Municipal Oito de Março, Linha Oito de Março – Assentamento Anta

Foto: Maria Helena Romani Mosquen.

C 12 - A escola nos faz falta para nossa tranquilidade, porque eles estavam mais perto de casa, era mais fácil para nós acompanhar.

Figura 4: Escola Municipal Marcelino Fortunato Echer, Linha Vinte e Seis de Outubro, Assentamento Jacutinga

Foto: Maria Helena Romani Mosquen.

Foto: Maria Helena Romani Mosquen.

C22 - Os alunos tinham a oportunidade de estar mais perto de casa. C23 - Foi a pior coisa que podia acontecer, a comunidade regrediu muito.

C24 - Foi muito ruim quando foi fechada as escolas porque as famílias ficaram sem referência, as famílias se sentiram perdidas.

C25- Fez muita falta a escola, porque as crianças têm que sair da comunidade para estudar, daí fica tudo abandonada, parece tapera.

C26 - Minha comunidade tem uma escola desativada, precisamos abrir novamente, nem que é para cursos, feira de agricultor, ou para Pastoral da Criança, uma escola municipal não deve ser fechada.

Figura 5: Escola Isolada Municipal Hélio Anjos Ortiz, Linha Vista Alta

C27 – A escola é bom para a comunidade, era uma comunidade forte,e se perdeu, só tem dois sócios.

C28 - A referência da escola na comunidade era a união das famílias, pais, alunos, professores eram famílias vizinhas todos se conheciam bem. Os próprios pais cuidavam do espaço da escola, a professora normalmente era da comunidade, ali a gente estudava e aprendia.

Figura 6: Escola Isolada Municipal Tiradentes, Linha São João

Foto: Maria Helena Romani Mosquen.

C29 - Aqui na Linha São João era bem pertinho, mas só tinha até o 4º ano. Agora nós temos no lugar da escola uma fábrica de açúcar mascavo, melado e cachaça.

C30 - A escola teve também a sua importância pois, foi onde a criançada se reunia para estudar era também um lugar de destaque na comunidade onde se aprendia a ler e escrever e principalmente fazer contas também fazia reuniões de organizar o povo nas lutas do dia a dia era a referência.

Figura 7: Escola Isolada Escola Isolada Estadual São Pedro, Linha São Pedro

Foto: Maria Helena Romani Mosquen.

C19 – Quando existia escola na comunidade pais e criança ficavam mais próximos. Era uma escola bonita, bem cuidada com jardim e horta.

C20 – Era um lugar onde as crianças estudavam e estavam mais ligadas a agricultura e ficavam mais próximas de suas famílias.

C21 – Pra nóis deu muita falta. Tem transporte pros alunos estudar por causa que fechou a escola.

C19 – Na época das escolas em cada comunidade, tinha cada uma sua horta, jardim, correria de criança. Hoje está tudo abandonado, umas quase todas destruídas.

C31 - O que mais da falta da escola perto de casa é de sem precisar de transporte e de muita preocupação dos pais que os filhos saem muito cedo de casa e voltam mais tarde.

Figura 8: Escola Municipalizada Bela Vista das Flores, Linha Bela Vista das Flores

Foto: Maria Helena Romani Mosquen.

C32 - A nossa escola da Linha Bela Vista das Flores foi fechada, hoje nela reside uma família.

C33 – A escola fechou, parece que tem algo faltando em nossa comunidade.

Figura 9: Escola Isolada Municipal Castro Alves, Linha Três Curvas

C34 - A escola da Linha Três Curvas foi fechada e hoje é a Casa Lar.

C35 - Na época que foram fechadas as pessoas ficaram um tanto revoltadas, mas as famílias foram diminuindo, muitas saíram e não tinham alunos para tantas escolas então aconteceu a nucleação da escola.

C36 - Lembro que ali estudavam muitas crianças e hoje está aquele prédio abandonado.

C37 - Fez falta a escola, porque era o local para realizar reuniões, era um local privilegiado, mas, por imposição da administração, foram fechadas e muito abandonadas. Ficamos tristes, mas com o tempo acostumamos.

Figura 10: Escola municipalizada Gramadinho, Linha Gramadinho

Foto: Maria Helena Romani Mosquen.

C38 - O pessoal ficou revoltado quando fechou a escola.

C39 - Hoje desde cedo as crianças têm que ir pra cidade estudar, faz falta as crianças brincando, estudando, se divertindo na nossa comunidade. A escola hoje está abandonada no meio do mato.

Figura 11: Escola Isolada Municipal Luiz Delfino, Linha Três Barras

Foto: Maria Helena Romani Mosquen.

O fechamento das escolas no campo foi e continua sendo um processo massivo, indiscriminado, compulsório e pouco participativo, com a concentração e nucleação de escolas. Como percebo em relatos dos/das quase 50 camponeses/camponesas pesquisados, esse fator gerou instabilidade, perda da referência e identidade das comunidades. O local do ponto de encontro das famílias, lugar de referência coletiva, uma vez que se deixa de considerar as especificidades da escola do campo e a função social que a escola rural exercia. A preocupação com que camponeses/camponesas relataram desse processo de fechamento das escolas aumenta a distância das crianças e jovens desde cedo em relação ao seu entorno.

O fechamento da escola está ligado ao êxodo rural e ao esvaziamento das comunidades com a saída maciça, principalmente dos jovens do campo, como também de famílias. Compreendo que essa realidade se configura como desrespeito do direito garantido através de Lei41, às crianças e adolescentes, de ter acesso à escola pública e gratuita e de qualidade próximo ao lugar onde vivem. As desconexões com seu “lugar” de origem que foram/continuam sendo impostas aos jovens camponeses, produzem interferência nas relações que estabelecem com esse lugar, obriga a todos fazer algumas reflexões:

41 Lei no 8.069/199, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras

O lugar valoriza o homem, suas construções e suas particularidades. Nele, os indivíduos expressam sua identidade e sua cultura por meio da vivência e das relações de subjetividade que tecem entre si, se integram ao lugar e passam a fazer parte dele, pois está, dia após dia, construindo sua história. Dessa maneira, o lugar pode ser visto enquanto construção de identidade e diferentes culturas, uma vez que, o lugar é formado por diferentes experiências humanas, trazidas pelo homem através de cultura e identidade (LEMES, 2009, p. 824).

Para fazer o contraponto ao que ouvi de relatos sobre o fechamento das escolas, apresento a fala de pais de educandos que estudam na escola na comunidade:

Figura 12: Escola do Campo: EMEIEF WALDEMAR ANTONIO VON DENTZ

Foto: Maria Helena Romani Mosquen.

C25 - Os alunos que vivem no lugar onde moram ajudam os seus pais no dia a dia e não precisam andar para estudar.

C26 - A referência da escola da comunidade, que todas as crianças estudava na sua comunidade.

C27 - É importante ter a escola aqui, porque não precisa deslocar até a cidade. C41 - A nossa escola é muito boa por ser uma escola do campo onde as crianças aprendem bastante elas tem mais liberdade para brincar por ser do interior.

C42 - Temos muito orgulho de termos uma escola em nossa comunidade. C43 - Uma escola é uma bênção.

C44 - É uma escola boa, acesso bom, não pode fechar. C45 – A escola é o nosso cartão postal da comunidade.

C46 - Poder ter um lugar como as escolas do campo é uma benção do quanto se tem segurança, que somente quem teve filhos estudando na cidade grande é que sabe, o quanto se tem medo de droga, levar tiros, assaltos e insegurança.

Figura 13: Escola do Campo: EMEIEF PADRE JOSÉ DE ANCHIETA

Foto: Maria Helena Romani Mosquen.

C16 - A escola da Linha Dois Irmãos é uma das escolas mais modernas, no interior que trabalha com os alunos como a escola do campo que eles aprendem a conhecer, a viver no local onde moram.

C17 - A escola da comunidade da Linha Dois Irmãos, nessa escola (Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Padre José de Anchieta) aqui nos reunia para organizar que no dia primeiro de abril de 1996, conseguimos pôr em funcionamento a nossa cooperativa.42

C18 - Pra nóis a escola foi lugar de muitas e muitas reuniões para pensar na nossa vida.

C47 - A escola é uma questão de honra de manter viva, de pé.

C48 - Nós cansamos de fazer reunião na escola para organizar a nossa cooperativa de assentamento de Reforma Agrária.

42

Cooperoeste fundada no dia 1 de abril de 1996. A história da Cooperoeste está ligada à história do Movimento do MST. Ela surgiu a partir de uma necessidade que tinha na região, de industrialização e de comercialização do leite, que é o principal produto dos assentamentos da região extremo oeste do estado. Antes da fundação da Cooperoeste, existia e existe até hoje, a Associação dos Agricultores 25 de Maio, que foi o embrião da Cooperoeste.

C49 - Nossos filhos estudam perto de casa, com menos gastos de transporte e não tenham incentivo de ir para a cidade.

C50 - Na minha comunidade tem escola, e eu sou muito feliz, meus dois filhos estão estudando lá, é muito mais tranqüilo, o estudo é ótimo.

C51 – Aqui é o nosso lugar, continuar a nossa escola aberta.

Através das manifestações, relatos e muitos/as deles/delas, emocionados/as, falaram da escola como o espaço e lugar onde faziam o debate, afinavam suas ideias e faziam dela seu lugar de luta, organização e conquista. A escola como o espaço na comunidade onde se construiu a identidade do Sem Terra, como é o caso desta pesquisa que deixa de ser uma instituição, para tornar-se espaço/lugar que identifica um grupo social e a escola como espaço de organização, decisão e empoderamento.

Famílias do Assentamento da Reforma Agrária, no espaço da Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Padre José de Anchieta da Linha Dois Irmãos, foram assumindo responsabilidades, afinando idéias, liderando, desenvolvendo tarefas e construindo outra possibilidade de viver no campo. Neste espaço da escola as famílias camponesas, foram participando de reuniões onde não sabiam que estavam decidindo o futuro de suas vidas e não tinham ideia que estariam criando a maior cooperativa com produtos da Reforma Agrária de São Miguel do Oeste, onde garantiu e garante a permanência e renda para muitos camponeses como também a continuidade da escola na comunidade.

Apesar da visível diminuição das populações infantis e juvenis no campo, mesmo assim a escola merece ser mantida, por ser um centro cultural importante para a comunidade, local de organização, das comunidades. Nas diversas oficinas realizadas das várias comunidades pesquisadas é visível a falta que a escola faz na comunidade fechar a escola é como perder a identidade dos camponeses o seu local de encontro, convivência, foi como tirar o chão dos camponeses, sentiram perdidos, deslocados, desmobilizados, sem o ponto de referencia, de organização, a vida da comunidade, a mobilidade do campo.

4 EDUCAÇÃO DO CAMPO: ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DE UM