• Nenhum resultado encontrado

Educação do campo no município de São Miguel do Oeste: cruzamento de saberes, experiências e culturas

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Educação do campo no município de São Miguel do Oeste: cruzamento de saberes, experiências e culturas"

Copied!
129
0
0

Texto

(1)

UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO “STRICTO SENSU” EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS DA UNIJUÍ

MESTRADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

MARIA HELENA ROMANI MOSQUEN

EDUCAÇÃO DO CAMPO

NO MUNICÍPIO DE SÃO MIGUEL DO OESTE:

CRUZAMENTO DE SABERES, EXPERIÊNCIAS E CULTURAS

Ijuí, RS 2012

(2)

UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO “STRICTO SENSU” EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS DA UNIJUÍ

MESTRADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

MARIA HELENA ROMANI MOSQUEN

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências, do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências.

Orientadora: Dra. Noeli Valentina Weschenfelder

Ijuí, RS 2012

(3)

MARIA HELENA ROMANI MOSQUEN

EDUCAÇÃO DO CAMPO

NO MUNICÍPIO DE SÃO MIGUEL DO OESTE:

CRUZAMENTO DE SABERES, EXPERIÊNCIAS E CULTURAS

Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências, do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências.

Banca examinadora

_____________________________ Dra. Noeli Valentina Weschenfelder, Unijuí

Orientadora

________________________________ Dr. Walter Frantz, Unijuí

_________________________________ Dra. Adriana D‟Agostini,UFSC

Ijuí, RS 2012

(4)

AGRADECIMENTO

A convivência com tantas pessoas com quem compartilhei momentos de estudo, vivências e experiências;

Á professora Dra. Noeli Valentina Weschenfelder, por orientar-me e acreditar que por ser de longe não me perderia pelo caminho;

Aos meus mestres, que me ajudaram construir como sujeito e pesquisadora; Aos Movimentos Sociais que disponibilizaram sua produção/material.

Ao Prefeito Nelsinho, que em sua administração popular nos disse: Quero educação do campo vamos construir;

Aos camponeses/camponesa; sujeitos da pesquisa com os quais aprendi muitos dos seus saberes e humanização;

Ao meu companheiro Jucimar pela compreensão de minha ausência nas horas e mais horas de estudo;

Á minha filha, Patrícia que percebeu o quanto precisa estudar e dedicar-se à aprendizagem;

Ao meu filho, Junior, que me surpreendeu na responsabilidade de ser “pai”, pois nesta caminhada do mestrado, ganhei um presente de Deus, Mylena, que deu outro sentido à minha vida;

As minhas irmãs Leonilda e Mirtes, que me disseram que nos, saberes campesinos, tinha uma grande riqueza de pesquisa e me auxiliaram nas transcrições das gravações;

Aos educadores/educadoras das Escolas do Campo que contribuíram na efetivação da pesquisa que acreditam em outra possibilidade de Educação do Campo, assim se colocaram a construí-la;

Á equipe pedagógica da SME de SMOESTE com o lema “um sonho sonhado só é só um sonho, um sonho sonhado junto é concretude”. Neste trabalho em equipe fui me lapidando e construindo vivências de Educação Popular;

À Naira e Mateus, que mostraram, através da prática cotidiana, que é possível outra escola no campo;

À professora Adriana com quem onde compartilhei muitos saberes sobre Educação do Campo.

Às minhas colegas e companheiras Catiane e Isaura, pelas escritas e reescritas, eventos em que juntas compartilhamos e os muitos saberes prendidos;

(5)

A todas as pessoas que de uma forma ou de outra contribuíram para a materialidade deste trabalho, a construção coletiva e uma Educação do Campo.

(6)

RESUMO

O trabalho tem como o tema a Educação do Campo, suas relações e o cruzamento de saberes, experiências e culturas em movimento no currículo de escolas do campo. A problemática da pesquisa está relacionada à Educação do Campo, a partir da exclusão à qual a população camponesa é, historicamente, submetida pela educação escolar veiculada no campo. O objetivo central do estudo foi identificar como se apresentam os saberes populares provenientes das práticas cotidianas de camponeses e camponesas, no currículo de duas escolas do campo em São Miguel do Oeste/SC; entender o contexto e as questões relativas às comunidades camponesas, locais onde ocorreu a investigação; e compreender como são contemplados, nos currículos escolares pesquisados, os saberes populares que retratam a especificidade do campo e da cultura, proveniente das práticas cotidianas de camponeses e camponesas. Assim, foi estabelecida e consolidado uma relação com a Educação Popular. Trata-se de uma pesquisa participante com vistas à compreensão crítica da realidade, a inserção na vida da comunidade pesquisada. Para a realização da pesquisa, foram utilizadas de diferentes técnicas e instrumentos: observação, diário de campo, questionários, entrevistas, oficinas de diálogos, roda de conversas com a escuta de vozes dos envolvidos no processo, depoimentos, relatos orais, fotografias, análise bibliográfica e documental. Esta pesquisa teve utilizada como referencias teóricos Thompson (2010), Hall (2003), Canclini (1983), Boaventura Santos ( 2009), Torres (2008), Giroux (1986), Freire (1987), Brandão (2006), Leite (1999), Fernandes, Cerioli e Caldart (2009), Arroyo ( 2009), Moreira e Silva (2002), Candau (2008) entre outros. O texto da dissertação traz uma interlocução com os diferentes autores com diferentes teorias e concepções que se ocupam do estudo da problemática da Educação do Campo, que vão desde os processos culturais, políticos e econômicos.

(7)

ABSTRACT

The work is the subject of Field Education, and the crossing relations of knowledge, experiences and cultures moving into the curriculum of schools in the field. The research problem is related to the Rural Education, from exclusion to which the peasant population is historically referred by the school education conveyed in the field. The main objective of this study was to identify how they present themselves from the popular knowledge of the everyday practices of peasants, in the curriculum of two schools in the field in São Miguel do Oeste/SC; understand the context and issues related to the farming community, where research occurred, and understand how they are covered in school curricula surveyed, popular knowledge that reflect the specificity of the field and culture, from the daily practices of peasants. Thus was established and consolidated a relationship with Popular Education. It is a participatory research with a view to a critical understanding of reality, the inclusion in the community surveyed. For the research, we used different techniques and tools: observation, field diary, questionnaires, interviews, workshops, dialogues, conversations with the wheel listen to the voices of those involved in the process, depositions, oral histories, photographs, literature review and documentary. This research was used as theoretical references Thompson (2010), Hall (2003), Canclini (1983), Boaventura Santos (2009), Torres (2008), Giroux (1986), Freire (1987), Brandão (2006), Leite (1999), Fernandes, Cerioli e Caldart (2009), Arroyo (2009), Moreira e Silva (2002), Candau (2008) between other. The text of the dissertation brings a dialogue with the different authors with different theories and concepts dealing with the study of the issue of Rural Education, ranging from cultural processes, political and economic.

(8)

LISTA DE SIGLAS

ACT – Admitido em Caráter Temporário CNE – Conselho Nacional de Educação CEB – Câmara de Educação Básica CUT – Central Única dos Trabalhadores

CNASI- Confederação Nacional das Associações do Serviço do INCRA CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura CNEC – Conferência Nacional por Uma Educação do Campo

EdoC – Educação do Campo

FETAG – Federação dos Trabalhadores na Agricultura INEP – Instituto Nacional de Estudo e Pesquisa

IPEA – Instituto de pesquisa Econômica Aplicada

INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LDB – Lei de Diretrizes e Bases de Educação MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MMC – Movimento das Mulheres Camponesas

MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores MEC – Ministério da Educação e Cultura

MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens

MMTR/NE - Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste ONG – Organização Não Governamental

OME – Órgão Municipal de Ensino

PRONERA – Programa Nacional na Reforma Agrária

PERASMO – Programa de Educação Rural de São Miguel do Oeste PPP- Projeto Político-Pedagógico

SECADI – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

(9)

9

LISTA DE IMAGENS

Figura 1: Símbolo da Proposta Pedagógica de Educação Popular ...55

Figura 2: Escola Municipalizada Linha Veado Linha Sete de Setembro ... 81

Figura 3: Escola Municipal Oito de Março, Linha Oito de Março – Assentamento Anta...82

Figura 4: Escola Municipal Marcelino Fortunato Echer, Linha Vinte e Seis de Outubro...82

Figura 5: Escola Isolada Municipal Hélio Anjos Ortiz, Linha Vista Alta ...83

Figura 6: Escola Isolada Escola Isolada Tiradentes, Linha São João...84

Figura 7: Escola Isolada Escola Isolada Estadual São Pedro, Linha São Pedro ... 84

Figura 8: Escola Municipalizada Bela Vista das Flores, Linha Bela Vista das Flores ... 85

Figura 9: Escola Isolada Municipal Castro Alves, Linha Três Curvas ... 86

Figura 10: Escola Municipalizada Gramadinho, Linha Gramadinho ... 87

Figura 11: Escola Isolada Municipal Luiz Delfino, Linha Três Barras ... 87

Figura 12: Escola do Campo: EMEIEF WALDEMAR ANTONIO VON DENTZ... 89

Figura 13: Escola do Campo: EMEIEF PADRE JOSÉ DE ANCHIETA ... 90

(10)

10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO... 11 1 2 2.1 2.2 2.3 3 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 4 4.1 4.2 5

CAMINHO DE PESQUISA: PESQUISAR SOBRE EDUCAÇÃO DO CAMPO É ANDAR POR CAMINHOS ONDE FLUI O SABER NEM SEMPRE RECONHECIDO... A TRANSIÇÃO SOCIAL DE EDUCAÇÃO RURAL PARA EDUCAÇÃO DO CAMPO NA CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS...

EDUCAÇÃO DO CAMPO: CONTRAPONTO À EDUCAÇÃO RURAL... EDUCAÇÃO DO CAMPO: O CAMINHO DE LUTA NA CONCRETUDE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS... EFETIVAÇÃO DE POLITICAS PUBLICAS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO DE SMOESTE/SC...

DIÁLOGO ENTRE EDUCAÇÃO POPULAR E EDUCAÇÃO DO CAMPO...

A MATERIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO POPULAR NO ESPAÇO FORMAL: ESCOLA DO CAMPO... SABERES POPULARES DE CAMPONESES E CAMPONESAS: DIÁLOGOS COM A ESCOLA DO CAMPO... EXPERIÊNCIAS QUE CONSTITUEM A IDENTIDADE CAMPONESA E A RELIGIOSIDADE... SABERES POPULARES DO CAMPONÊS/CAMPONESA NO ESPAÇO ESCOLAR... AS ESCOLAS NO CAMPO: SUAS REPRESENTAÇÕES E SIGNIFICAÇÕES...

EDUCAÇÃO DO CAMPO: ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DE UM CURRÍCULO EMANCIPATÓRIO...

A EDUCAÇÃO DO CAMPO DE SÃO MIGUEL DO OESTE EXPRESSA NO CURRÍCULO EMANCIPATÓRIO... OS CAMINHOS DE UMA PRÁXIS COLETIVA...

CONSIDERAÇÕES FINAIS... REFERENCIAS... ANEXO... 16 24 25 32 41 50 54 62 75 81 83 94 94 103 110 116 123

(11)

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento desta pesquisa, cujo título é “Educação do Campo no município de São Miguel do Oeste/SC: cruzamento de saberes, experiências e culturas” é fruto de estudos de pós-graduação stricto sensu -Mestrado em Educação nas Ciências na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Ao analisar o currículo da escola do campo, no cruzamento de saberes, experiências e culturas, tenho, como objetivo, identificar os saberes populares provenientes das práticas cotidianas de camponeses e camponesas no currículo escolar em duas escolas do campo, do referido município.

A grande preocupação está em saber até que ponto são contemplados no currículo da escola do campo local, os saberes populares que dizem da especificidade do campo, os saberes populares e a cultura proveniente das práticas cotidianas de camponeses e camponesas. Ainda existem elementos culturais que precisam ser re-significados na educação do campo, mas no entendimento dos camponeses e camponesas, quais são eles? Como e de que forma eles estão presentes no currículo da escola de seus filhos e filhas? E como fazer isso dentro da escola a partir do que dizem as famílias camponesas. Quais as relações com a identidade camponesa?

O interesse na temática está ligado ao contexto educacional das escolas do campo do município de São Miguel do Oeste, no estado de Santa Catarina, e tem-me desafiado, cada vez mais, diante dos questionamentos postos pela realidade sociocultural contemporânea, inclusive pelo fato de ser professora nesse município. O estudo está contextualizado a partir da história de exclusão do camponês/camponesa ao acesso à educação de qualidade e da luta dos sujeitos coletivos que protagonizaram ações em prol do direito à Educação do Campo. O presente trabalho está relacionado ao percurso profissional como pesquisadora e educadora e às minhas primeiras experiências profissionais vivenciadas na Escola Isolada Municipal Plácido de Castro, localizada na Linha Limeira, município de Paraíso. Nesta escola surgiu o sonho de ser e constituir-me educadora, sendo, eu, filha de campones de Lourena Carniel Romani (in memória), militante do então Movimento das Mulheres Agricultoras1.

Minha mãe foi exemplo de militância política, atuando na luta pelas causas sociais, contra as injustiças presentes no contexto de vivência dos camponeses e camponesas. Participou e foi liderança na luta pela organização das primeiras ocupações de terras no

1

(12)

município de São Miguel do Oeste, Inclusive procurando influenciar os familiares diante da necessidade da luta organizada. Também, sempre enfatizava que as manifestações e ocupações de terras não eram vandalismo, como afirmavam alguns, mas, contrário, tratava-se de uma causa justa de reivindicar e lutar em favor de quem não tinha terra e precisava produzir para garantir o sustento. Na figura da mãe, camponesa, militante, experimentei a prova concreta de que vale a pena reivindicar o que é de direito e lutar contra as injustiças sociais presentes na sociedade. Desta lição de vida não há registros escritos, mas está na memória em algumas atitudes afetivas, como o exemplo de amor e dedicação em defesa da família e, principalmente, da vida. Foi essa experiência vivida/sentida e refletida que me constituiu na mulher/professora/mãe e pesquisadora que hoje sou.

Como aluna, filha de camponês, desde muito cedo experimentei a discriminação por ser do campo, em especial após a conclusão das séries iniciais na Escola Isolada Municipal Tiradentes. Quando passei a frequentar uma escola na cidade de São Miguel do Oeste, tinha apenas uma colega que dividia o tempo de recreio comigo, a Adélia (filha do porteiro da escola). Os outros colegas não conversavam e não interagiam comigo, pois eu era uma desconhecida na sala de aula, e, ainda, muitas vezes, zombavam do jeito que me vestia. As marcas camponesas estavam no modo de ser, de andar, de falar, de olhar, e eu sentia humilhação.

Frequentar a escola e estudar era a única possibilidade para buscar alternativas de sobrevivência, através de uma profissão... Foi assim que me fizeram pensar..., que estudando teria um futuro melhor, saindo da roça e, dessa forma, me constituí educadora. Atualmente, consigo refletir sobre meu passado e sobre as experiências da roça, do contexto das escolas do campo e dos preconceitos, o que me levou a buscar e compreender melhor a Educação do Campo neste momento, neste processo de investigação. Com base em Caldart (2009) concordo que o povo tem o direito de ser educado no lugar onde vive, tem direito a uma educação pensada do lugar e com a sua participação, vinculada à sua cultura e necessidades humanas e sociais.

A luta por uma Educação do Campo e no campo também é objeto de estudo dos pensadores Miguel Gonzalez Arroyo (2009), Antonio Munarin (2008), Bernardo Mançano (2009), Roseli Salete Caldart (2004) e Monica Castagna Molina (1999). Segundo esses estudiosos e tantos outros, é necessário um estudo local e, também, tecer relações com o cenário nacional para construirmos outras possibilidades de projetos e ações educacionais, acima de tudo, respeitando os sujeitos do campo, com suas experiências e saberes e, por esse motivo, a Educação do Campo se propõe a ser diferente do que fora a Educação Rural. Neste aspecto, destaco imprescindível

(13)

Um outro olhar sobre a prática dos camponeses que ao longo do tempo resistiram às imposições do mercado, demonstraram o compromisso com a vida com preservação da biodiversidade, das tradições culturais nas suas propriedades onde retiram o sustento de sua família (CAMPOS, 2007, p. 38).

Desde essa perspectiva, o estudo pretende apontar se nas escolas pesquisadas estão presentes os saberes populares do cotidiano das populações do campo, no município de São Miguel do Oeste, Santa Catarina. É necessário, portanto, entender o contexto e as questões relativas das comunidades camponesas, local onde se dá a investigação.

A Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Padre José de Anchieta localiza-se na Linha Dois Irmãos, no município de São Miguel do Oeste. Foi criada através da Lei nº. 913, de 02 de setembro de 1974, mas somente funcionou a partir de 20 de maio de 1975, denominando-se Escola Isolada Municipal Padre José de Anchieta. Atualmente, a escola está nucleada e atende os educandos das comunidades da Linha Sete de Setembro, Vista Alta e aos assentamentos do INCRA – Antas na Linha Oito de Março, e Jacutinga, na Linha Vinte e Seis de Outubro. A escola Padre José de Anchieta, atualmente, conta com 103 educandos de Educação Infantil e Ensino Fundamental de 1º ao 9º ano e com 12 educadores (as).

Essa escola foi local de organização dos assentamentos, inclusive para constituir a Associação 25 de Maio2, criada através da organização dos movimentos sociais, principalmente do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). A escola é uma das conquistas das comunidades, representando a história de luta e de organização dos camponeses.

Também, faz parte da pesquisa a Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Waldemar Antônio Von Dentz, que está localizada na comunidade de Linha Canela Gaúcha, município de São Miguel do Oeste. Conforme consta nos registros consultados, essa escola iniciou as atividades pedagógicas no ano de 1946, primeiramente como Escola Isolada Olavo Bilac. Em 17/09/1997, passou a ser denominada Escola Municipal Waldemar Antônio Von Dentz. Também, de escola multisseriada, passou a funcionar como nucleada, recebendo educandos da comunidade da Linha Canela Gaúcha e das comunidades de Linha São Pedro, Linha Lageado Direito, Linha Gramado, Linha Gramadinho, Linha São

2

Associação dos Agricultores 25 de Maio do Assentamento da Reforma Agrária, fundada em agosto de 1988, tem 56 sócios; 13 funcionários e 240 famílias. Essa Associação surgiu em agosto de 1988, com 31 sócios começou com o processo de ênfase do leite tipo C sendo uma experiência muito importante que envolve um assentamento.

(14)

João, Linha Três Barras, Linha Bela Vista das Flores e Linha Três Curvas. Em 2002 a Escola Básica Municipal Waldemar Antônio Von Dentz recebeu matrículas de educandos de 1ª à 8ª série. Atualmente, possui 87 educandos de Educação Infantil e Ensino Fundamental de 1º ao 9º ano e 12 educadores/as.

Nas duas escolas investigadas funcionava o Projeto de Educação Rural/PERASMO3, extinto em 18 de maio de 1998. O referido projeto tinha por objetivo dar continuidade ao Ensino Fundamental; integrar as crianças e os jovens do campo ao conhecimento universal; valorizar o contexto sociocultural dos educandos do meio rural; instrumentalizar e capacitar o homem do campo a fim de minimizar o êxodo rural. Historicamente, houve pouco interesse com a Educação Rural. A necessidade de uma educação voltada para a melhoria da qualidade de vida é uma reivindicação pertencente aos camponeses, que se organizaram, através dos movimentos sociais, com a finalidade de exigir escolas do/no campo.

Para melhor compreensão, o presente estudo está subdividido em quatro capítulos. No primeiro, trago a caminhada da pesquisa participante o, o percurso metodológico da pesquisa como também os procedimentos utilizados.

No segundo capitulo contextualizo a pesquisa a partir das reflexões referentes às questões da Educação Rural e do surgimento de uma nova concepção de Educação do Campo. Descrevo sua trajetória que vai da história, baseada numa concepção modernizadora da Educação Rural, para uma de concepção Educação do Campo, isto é, uma educação capaz de realizar um projeto camponês de culturas, ligado ao projeto camponês de desenvolvimento do campo, surgido das mobilizações populares e de suas mobilizações pela educação; apresentando a trajetória social e política efetivada pelas organizações e Movimentos Sociais do caminho na conquista institucional do paradigma da Educação do Campo.

No terceiro capítulo, apresento o diálogo entre a Educação do Campo e a Educação Popular, sendo que a Educação do Campo deve fundar-se nos princípios da Educação

3

O projeto caracterizava-se como uma escola alternativa, desenvolvendo suas atividades didático-pedagógicas

voltadas ao meio rural, ao nível de primeiro grau, da 5ª à 8ª série. Eram três dias por semana em período integral. Tratavam da educação formal, técnica e científica dos filhos dos agricultores desse município, dando continuidade ao ensino fundamental nas comunidades do interior, fazendo com que os jovens permanecessem por um período maior de tempo junto a suas propriedades rurais. O PERASMO funcionava em Núcleos de Ensino diferentes, distribuídos estrategicamente a fim de concentrar o maior número possível de localidades, beneficiando ao todo 56 comunidades rurais. A Linha Dois Irmãos e a Linha Canela Gaúcha configuravam-se como um destes núcleos. Cada núcleo de ensino era estruturado com salas de aula onde eram desenvolvidas as aulas teóricas, cozinha para preparo dos alimentos para professores e alunos, refeitório onde se realizavam o almoço e as reuniões gerais, banheiros, etc. Os alimentos para consumo de alunos e professores eram trazidos pelos próprios alunos, em sua maioria eram produtos oriundos de suas propriedades, como mandioca, arroz, banha, dentre outros, ficando a cargo da merendeira apenas o preparo. (Relatório das Atividades do Perasmo, 1988, documento disponível na Secretaria Municipal de educação).

(15)

Popular. Também, apresento a trajetória da construção da Educação Popular no espaço formal da escola.

Na sequência, apresento, o cenário da pesquisa participante, ou seja, dá-se evidência ao currículo das escolas pesquisadas, relacionando-o com os saberes dos camponeses mediante um recorte dos saberes do cotidiano, experiência e cultura. Resgato a história dos camponeses que buscaram na região Oeste de SC “terras novas”, para dar prosseguimento ao modelo de sua reprodução enquanto camponeses. Essa é uma fase de grandes mudanças, com derrubadas das matas nativas e utilização intensiva dos recursos naturais até seu completo esgotamento e de forma altamente predatória. Modernização intensiva da agricultura com a chamada Revolução Verde, modelo de produção integrada às agroindústria de aves e suínos, ocasionando o êxodo rural e, consequentemente, o fechamento das escolas do campo.

O quarto capítulo contempla algumas reflexões sobre a construção de um currículo com uma perspectiva emancipatória no cotidiano educacional, pois os elementos da pesquisa são significativos e fundamentais. Por fim, apresento as considerações e a fundamentação teórica utilizada.

(16)

1 CAMINHO DE PESQUISA: PESQUISAR SOBRE EDUCAÇÃO DO

CAMPO É ANDAR POR CAMINHOS ONDE FLUI O SABER NEM

SEMPRE RECONHECIDO

Por meio desta pesquisa, tenho a intenção de conhecer como são contemplados, nos currículos escolares pesquisados, os saberes populares que retratam a especificidade do campo e da cultura, proveniente das práticas cotidianas de camponeses e camponesas, considerando a cultura camponesa como constitutiva da experiência e de sua identidade. Minha hipótese considera que ainda existe o saber popular camponês no espaço rural de São Miguel do Oeste e sua riqueza é importante e necessária para a construção de saberes escolares.

São Miguel do Oeste - SC, a partir de uma administração popular, assumiu a Educação Popular como uma opção para conduzir a educação no município, partindo do entendimento de que a Educação Popular forma sujeitos com conhecimento e consciência cidadã: Trata-se de uma estratégia para o redirecionamento da vida social que parte do fazer coletivo visando à formação e construção de um novo homem e de uma nova mulher, com capacidade de construir as próprias opiniões e fundamentá-las.

Como integrante da equipe pedagógica da Secretaria Municipal de Educação, nos desafiamos em construir uma proposta pedagógica com as Escolas do Campo, num processo coletivo envolvendo gestores, educadores e educadoras, educandos e educandas, profissionais da escola, família e, enfim, toda a comunidade escolar. Assim, assumi esta pesquisa como sendo participante devido ao meu próprio envolvimento como educadora popular, comprometida com a construção do conhecimento com relação às escolas pesquisadas.

Em nenhum momento, porém a intenção de apenas buscar dados com a população do campo envolvida, mas também a de estar junto para refletir, conhecer, problematizar e ouvir os sujeitos, iniciando, dessa forma, o caminho para outras pesquisas, aprofundamentos e contrapontos. De acordo com Gajardo, a pesquisa participante procura:

Métodos e técnicas que permitem conhecer, transformar, e questionar, agir sobre o objeto ou realidade estudada. Métodos e técnicas que possibilitem a participação dos setores populares na tarefa de descobrir e transformar a sua própria realidade (1986, p. 17).

(17)

A pesquisa participante oferece mecanismos que dão a possibilidade aos envolvidos de falarem de si, das experiências, dos saberes e conhecimentos. É o direito à voz dos sujeitos, como descreve Streck (2006, p. 273), pois “o método vai reconfigurando-se constantemente no diálogo”.

As trocas de saberes estiveram presentes no desenvolvimento da pesquisa em todos os momentos, a fim de estabelecer contatos com diferentes situações e, também, observar atentamente os espaços para realizar a pesquisa. Nesses contatos pude conhecer a vivência dos camponeses, a coletividade, as festividades, o lazer, a vizinhança. Entre essas situações pude perceber o exercício dos camponeses e camponesas em fazer circular o conhecimento, como bem sua forma de educar e de aprender.

A opção de fazer a pesquisa escutando as vozes dos sujeitos envolvidos surgiu a partir da minha experiência em alfabetização de jovens e adultos, sujeitos da pesquisa e, junto a este fator, soma-se a reconstrução das experiências/saberes dos camponeses/camponesas. O grupo era formado por vinte e cinco, em sua maioria camponeses e camponesas sem acesso à escola quando crianças. As anotações e registros das falas significativas foram interessantes e instigaram a pesquisa, pois expressavam suas leituras de mundo.

Conforme Jara (2006), as experiências são sempre experiências vitais, carregadas de uma enorme riqueza. E mais, cada experiência constitui um processo inédito, irrepetível e, por isso, em cada qual, uma riqueza e uma particularidade. Para tanto necessita-se compreender essas experiências, extrair seus ensinamentos e, também, comunicá-los. De acordo com Jara (2006, p. 230), “das experiências nos constituímos como sujeitos e, obtemos lições da própria experiência”. Nesse aspecto, a sistematização dessas experiências precisa servir para enriquecer a reflexão teórica a partir dos conhecimentos que surgem das práticas cotidianas.

O conceito de experiência nos remete ao pensador Thompson (1981, p. 189) quando afirma que as pessoas não experimentam sua própria experiência, mas as têm apenas como ideias, no âmbito do pensamento, de seus procedimentos, ou (...) no instinto proletário etc.; para ele, as experiências da classe operária não surgiram tal como o sol numa hora determinada, estava presente no próprio Fazer-se4 (2004, p. 9). Assim, também a classe camponesa se fez, constituiu-se no dia a dia com características do trabalho em família, da resistência e na coletividade. Segundo Thompson (2004), a experiência da classe trabalhadora é o fundamento da identidade, da política da própria história, do processo pelo qual

4

Thompson, em vez de formação usa fazer-se. Costumes em comum, estudos sobre a cultura tradicional popular (2010, p.9).

(18)

trabalhadores e trabalhadoras do campo fizeram-se ou ainda fazem-se. É esse sujeito social do campo, com uma identidade e uma consciência camponesas, que os insere nos embates políticos do nosso tempo.

Sabe-se que os camponeses não surgiram como sujeitos prontos, ou como uma categoria sócio-política dada, mediante os Movimentos Sociais. Sua origem é anterior ao Movimento e sua constituição é um processo que continua se desenvolvendo ainda hoje.

No decorrer da pesquisa, optei por caminhos que possibilitassem observar o processo escolar e, ao mesmo tempo, escutar narrativas e conversas, experiências, enfim, o espaço de vida dos camponeses e camponesas. O intuito foi, também, visualizar no currículo das duas escolas do campo, se os saberes dos camponeses e camponesas eram contemplados e, ainda, analisar as falas dos sujeitos da pesquisa para verificar se reconhecem saberes no currículo escolar de seus filhos e filhas. Para atingir os objetivos, recorreu-se a leituras de autores que abordaram sobre a trajetória da Educação do Campo e às falas dos próprios sujeitos envolvidos diretamente neste estudo.

Fazem parte da pesquisa as famílias camponesas, educadores e educadoras, educandos e educandas da Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Padre José de Anchieta e Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Waldemar Antonio Von Dentz. A pesquisa foi realizada com 50 famílias camponesas, pertencentes às duas escolas do campo. Da pesquisa, participaram aproximadamente a metade das famílias que tinham filhos nas escolas, como também lideranças das comunidades e 17 educadores/as das duas escolas do campo e 10 educandos/as.

O ponto de origem da pesquisa participante precisa estar situado em uma perspectiva da realidade social, tomado como uma totalidade em sua estrutura dinâmica, e deve partir da realidade concreta da vida cotidiana dos próprios participantes individuais e coletivos do processo, em suas diferentes dimensões e interações.

A pesquisa participante possibilita a construção de novas alternativas de elaboração do conhecimento e inserção com o grupo social pesquisado. Tem a compreensão crítica da realidade, reflexão e engajamento na ação, pois trata-se de uma investigação social. Conforme assinala Caldart, os sujeitos da pesquisa, por esta razão, apresentam-se como:

[...] aquelas pessoas que sentem na própria pele os efeitos desta realidade perversa, mas que não se conformam com ela. São os sujeitos da resistência no e do campo; sujeitos que lutam para continuar sendo agricultores apesar de um modelo de agricultura cada vez mais excludente; sujeitos da luta pela terra e pela Reforma Agrária; sujeitos da luta por melhores condições de trabalho no campo; sujeitos da resistência na terra [...], sujeitos pelo direito de continuar na terra [...], ser respeitados pela sua identidade e direitos sociais e sujeitos de tantas outras resistências culturais, políticas, pedagógicas (2004, p. 152).

(19)

O caminho da pesquisa contempla esses sujeitos sociais do campo e com eles procuro construir saberes, afinando ideias e aprendendo o significado da simplicidade/humildade. Também, procuro avaliar quantos saberes/significados tem em cada fala/gesto/simbologia dos camponeses, pois são estes sujeitos sociais que, particularmente dão significado ao caminho desta pesquisa. A escolha do termo “camponês” se refere aos sujeitos do campo “camponês” e “camponesa” devido à necessidade de recuperar esta palavra que, de certa maneira, amedronta as elites brasileiras, pelo fato de estar vinculada ao contexto das Ligas Camponesas.

A opção, na pesquisa, centra-se, portanto, na categoria social do campesinato, pois é um grupo social que, além das relações sociais em que está envolvido, luta constantemente para manter seu território. A cada ocupação de terra, ampliam-se as possibilidades de luta contra o modo capitalista de produção, ainda que essa seja uma luta dentro do sistema e permeada por contradições. Os/as camponeses (as), como categoria, podem se fortalecer cada vez mais se conseguirem enfrentar e superar as ideologias e as estratégias do agronegócio. De acordo com Mançano e Molina (2008), se conseguirem construir seus próprios espaços políticos de enfrentamento com o agronegócio, conseguirá manter sua identidade socioterritorial.

Para Mançano (2008, p.12), o campesinato é visto como uma importante forma de organização social para o desenvolvimento humano em diferentes escalas geográficas. Isso porque a produção familiar provoca impactos socioterritoriais para o desenvolvimento regional e para a melhoria da qualidade de vida.

De acordo com Mançano e Molina (2008), a persistência do campesinato5, bem como a sua existência, atualidade e perspectivas, não permitem o esvaziamento de sua história. O camponês fica com o passado, e o agricultor familiar, com o futuro. Observa-se, no conceito, que o camponês é o atrasado, e agricultor familiar moderno. Até porque poderá ocorrer a ascensão do agricultor familiar a partir do “agronegocinho” e ter futuramente um agronegócio, e isso é de suma importância para o capitalismo. A agricultura familiar é o termo usado em programas do governo federal, por exemplo, a fim de enfraquecer o camponês, pois assim perde a sua história de resistência, fruto de sua persistência, e passa a ser visto como um sujeito conformado com o processo de diferenciação no capitalismo.

5

Não é possível falar em campesinato desconsiderando-se as várias maneiras de como os diferenciados modos de produção e reprodução do/no campo se configuram. Ressalto, no entanto, que, quando é falado em campo, neste trabalho, o mesmo é relacionado aos camponeses e camponesas,excluindo-se as grandes extensões de terra, os latifúndios, em geral vinculados ao agronegócio, mas que também fazem parte do contexto rural. (CARVALHO, 2005).

(20)

Portanto, o camponês é compreendido por sua base familiar. Pelo trabalho em família na sua própria terra ou terra alheia, por meio do trabalho associativo, na organização cooperativa, no mutirão, no trabalho coletivo, comunitário ou individual. A base familiar é uma das principais referências para delimitar o conceito de campesinato. Em toda a sua existência essa base familiar foi mantida e é sua característica.

Neste estudo, abordo a compreensão de camponês como aquele que abrange outra concepção de agricultura, diferente e alternativa à agricultura tradicional, à agricultura latifundiária e patronal dominante no país. A forte e efetiva demanda pela terra se traduz na emergência de um setor de assentamentos de Reforma Agrária. Uma das principais consequências dos dois movimentos é a revalorização do meio rural como lugar de trabalho e de vida expresso na retomada da reivindicação por permanência, ou retorno à terra.

No entendimento de Wanderley (2000, p. 29), essa “ruralidade” do camponês, que povoa o campo e anima sua vida social, se opõe, ao mesmo tempo, à relação absenteísta, despovoada e predatória do espaço rural, praticada pela agricultura latifundiária, à visão “urbano-centrada” dominante na sociedade e à percepção do meio rural sem camponeses.

Ao ler Boaventura (2000, p. 56), confirmo minha proposição de que “o caminho do

pesquisador não é um caminho pronto”. Portanto, tive necessidade de investigar, dialogar, participar, ou seja, envolver-me com ações e vivências da comunidade, das famílias camponesas e do cotidiano escolar. Assim, durante a socialização dos saberes presenciei a participação dos participantes da pesquisa nos inúmeros encontros, como as oficinas de diálogos, dia da família na escola, festa da comunidade, de reuniões do orçamento participativo, reuniões da Associação de Pais e Professores. As leituras feitas me permitem dizer que o caminho da pesquisa é construído na busca de compreensão daquilo que parece simples para o camponês, o que não tem registro bibliográfico, mas encontra-se nas rodas de conversa, na escuta destes sujeitos por meio de oficinas envolvendo os sujeitos de pesquisa.

A Educação Popular complementa a investigação participante com possibilidade de transformação social. Na concepção do autor, a pesquisa participante é como uma alternativa solidária de criação de conhecimento social. É outro jeito de pesquisar, em que os sujeitos sociais além de falar de seu cotidiano, experiências de vida, também refletem, dialogam, têm direito a voz, expressam seus sonhos, desejos, jeitos de ver e sentir o mundo. São sujeitos protagonistas da pesquisa. Nessa seara, a pesquisa participante é capaz de “dar a voz” e, deixar que, de fato, “falem” as mulheres e os homens que, em repetidas investigações anteriores, acabavam reduzidos à norma dos números e ao anonimato do silêncio das tabelas.

(21)

Proponho desenvolver uma pesquisa que privilegia a participação na produção do conhecimento, a reflexão, e não se destine apenas extrair dados/informações dos sujeitos pesquisados. Trata-se de outro modo de pesquisar e fazer educação, proposta de mestranda.

Nas interações com o grupo de camponeses e camponesas há relatos sobre como era a escola rural e como lutaram e sonharam com outra concepção de escola, pois, durante as oficinas, propiciaram-se momentos de reflexão sobre a educação que receberam quando criança e a educação que desejam para seus filhos. Os registros apontam que as famílias estão dispostas a construir, juntas, uma escola diferente, pois sentem na pele que precisam de outra educação, que possa fazer com que seus/as filhos/as fiquem no campo, que adquiram amor pela terra, que cultivem os valores, que criem raízes. Foi possível registrar falas significativas dos pais: Na metrópole tem se a visão distorcida do que é campo. Campo, porém não é só lugar para passear é lugar para morar. Morar no campo é produzir o que vai consumir. Quem disse que nossos filhos não podem ir embora estudar e voltar formados para o interior?

Através dos depoimentos, pude observar que os pais acreditam no campo como espaço de vida e cultura, mas que seus filhos estão indo embora. Acreditam que a escola/ família pode fazer algo, apostam na proposta inovadora das escolas do campo.

Assim, é possível concordar com o que assinala Streck (2006, p. 270), de que a pesquisa é um ato de conhecer o que acontece com sujeitos, um movimento que reflete e gera a vida. Então, segui o percurso metodológico da pesquisa participante utilizando-me de vários instrumentos e técnicas para que os sujeitos pesquisados, famílias camponesas, assentados, pais, educandos e educadores ligados às escolas participassem, através de entrevistas e oficinas de diálogos, a fim de obter informações e melhor compreender a realidade onde estão inseridos. Para isso, foram adotadas as seguintes estratégias de pesquisa: análise bibliográfica e documental, oficinas de diálogos, roda de conversas, depoimentos, relatos orais, observação participante, questionários, entrevistas e fotografias.

Uma das preocupações, após optar pela pesquisa participante, foi elencar métodos e técnicas, a fim de produzir uma pesquisa reflexiva, inserida na práxis social, conforme demarcam os autores utilizados em minha dissertação. Dessa forma, os seguintes instrumentos de pesquisa norteiam o presente estudo:

Análise bibliográfica e documental - num primeiro momento, fiz um levantamento

bibliográfico, com leituras sobre Educação do Campo, sua historicidade, princípios e políticas públicas. Também, foram trabalhadas concepções de cultura, currículo experiências e saberes.

Rodas de conversa - através de duas oficinas de diálogos no período de

(22)

colher informações acerca do que pensam sobre o currículo escolar da escola de seus filhos e filhas e como sentem seus saberes e experiências no interior da escola.

Escuta das vozes – como as vozes dos camponeses e camponesas são carregadas de

significados e a partir de suas trajetórias, contribuem para a reconstituição do processo histórico trazendo suas perspectivas bem como a interpretação e reinterpretação de suas histórias vividas. São sujeitos históricos vivos, trazendo a vida cotidiana, as representações e o resgate da subjetividade, a partir da própria narrativa.

Depoimentos e relatos orais – através da realização de visitas às famílias camponesas

nas comunidades rurais e assentamentos, com aplicação de questionário semiestruturado e a partir das falas anotadas em diário de campo. Os saberes dos camponeses foram articulados com os saberes acadêmicos e, também, foi estabelecido um diálogo entre os autores desta pesquisa, instigando um novo pensar sobre as escolas do campo, mais especificamente as escolas pesquisadas.

Questionários abertos – a fim de obter dados, também foram distribuídos para os

educadores das escolas do campo questionários abertos e semiestruturados, nos quais propus discutir questões como saber se “o currículo da escola do campo contempla as especificidades do campo? Que saberes consideram importantes no currículo da Educação do Campo? As oficinas e dias de campo: como você vê a experiência de aproximação do conhecimento científico e do saber camponês?”

Fotografia – entendida como um gênero que possibilita perceber a representação

social das escolas do campo e nas atividades da escola, no meu caso de investigação. A fotografia é mais que a representação do real, é um instrumento de transposição, de análise, de interpretação e até de transformação do real. Por isso fotografia, nesta pesquisa, não está sendo analisada apenas como instrumento de reprodução de um fato, lugar e personagem, mas como de imagens pelas quais podemos traduzir valores, comportamentos, aspectos sociais e identidades.

Observação participante – esse recurso foi utilizado em diversas situações, pois

apresenta em sua essência a proposta do envolvimento na comunidade e no contexto pesquisado. Durante esse período da pesquisa, houve um envolvimento, no cotidiano da comunidade escolar, principalmente conversando com educadores, com os educandos, com as famílias camponesas e com representantes das comunidades e assentamentos. O ato de observar acompanhou todas as etapas e estratégias da pesquisa efetivadas nas visitas às famílias camponesas, nas oficinas, nas rodas de conversas, no cotidiano da escola. Dessa forma a observação participante pode ser entendida como um instrumento de protagonismo para a realização da pesquisa.

(23)

A observação participante foi desenvolvida também através de atividades públicas, como festividades na comunidade, procissões, jogos, reuniões de associações e atividades religiosas. Esses espaços constituíram-se em momentos privilegiados para o trabalho de pesquisa de forma espontânea, realizando-se apenas perguntas essenciais, de maneira mais informal que em uma situação de entrevista. Mediante essa técnica, registrei as situações de campo, anotações de situações e os acontecimentos de maior relevância para a pesquisa, através do diário de campo, e, também, através de fotografias e filmagens. Esses registros tinham a finalidade de contextualizar e compreender a familia camponesa, do grupo social e da coletividade. O que pretendo realmente é a efetivação de uma prática de investigação inclua os grupos pesquisados e que, também, contribuam para a reflexão sobre a necessidade de outra educação para seus/suas filhos/as. Também, visava compreender através da pesquisa, como ocorria o cruzamento de saberes dos camponeses com o currículo da escola do campo.

Após concluir a, a intenção é retornar à comunidade escolar, para socialização do texto dissertativo. Assim no II Seminário de Pesquisa em Educação do Campo: desafios teóricos e práticos6, de acordo com Conceição Paludo foram feitas referências à Pesquisa Participante, como parte de a necessidade do pesquisador retornar ao espaço do sujeito e, ainda, de socializar as informações recolhidas e analisadas durante a pesquisa, como a constatação de que a Educação do Campo.

Traz o extraordinário, o eventual, o esporádico em festas, reuniões, mutirões, mobilizações coletivas. Esse trânsito entre o cotidiano e o eventual possibilita compreender os vários significados da realidade e a presença da ordem simbólica, partilhada coletivamente (Caderno Pedagógico, Secretaria da Educação de Porto Alegre, RS, 1999, p. 58).

A observação participante contribuiu, assim, para entender quais saberes fazem parte do cotidiano do camponês e de sua identidade. A pesquisa participante é a pesquisa concebida como um processo permanente da vida prática cotidiana das classes populares e, também, com o necessário rigor científico.

6

Seminário realizado na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), de 16 a 18 de novembro de 2011, em Florianópolis/SC.

(24)

2. O DESLOCAMENTO DA CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO RURAL

PARA A EDUCAÇÃO DO CAMPO

Neste capítulo, contextualizo a Educação do Campo, bem como algumas implicações de sua existência como políticas pública, embora bastante recente e fruto de mobilização dos Movimentos Sociais do campo. Junto a isso, vai ser tratado da Educação Rural, embora não se aprofunde detalhes, mas não há como não considerá-la, pois esse “modelo” de educação esteve e está fortemente vinculado a um projeto de campo, sem sombra de dúvida, ligado ao desenvolvimentismo posto em vigor a partir da década de 1930 (PALUDO, 2001).

A Educação Rural converge para o contexto no qual ela se manifesta, considerando a realidade camponesa a partir de uma estrutura sóciocultural e econômica. Nesta seção, procuro trazer para o debate como a Educação Rural se concretizou a partir das experiências vivenciadas pelos sujeitos sociais do campo pesquisados.

Outro aspecto que destaco é a vinculação da Educação do Campo aos Movimentos Populares do Campo, de onde surgiram as demandas, em contraposição à Educação Rural. Acima de tudo, posso afirmar que foram os empobrecidos do campo, em desobediência coletiva, que se deram conta da educação diferenciada de que necessitavam, educação que os ajudasse a organizar suas vidas, e, por isso se colocaram a construí-la. Para esse debate, baseio-me em autores como Caldart e Molina (2009), Mançano e Cerioli (2004), entre outros.

A luta dos Movimentos Sociais do campo tornou concreta na legislação brasileira, a Educação do Campo como política de educação específica. Como documentos onde constam e apontam para tal, posso citar: a Constituição Federal (1988), LDB (1996), Diretrizes Operacionais de Educação do Campo (2002), Decreto Nº 7.352/2010, Plano Nacional de Educação 2011–2020, PRONACAMPO (2012) e a contribuição das Conferências de Educação do Campo. Como exemplo estudado e problematizado, trago as experiências de EdoC do município de São Miguel do Oeste e como elas se tornam concretude, mostrando as contradições e ações que viabilizaram a efetivação de políticas pública.

(25)

2.1 EDUCAÇÃO DO CAMPO: CONTRAPONTO À EDUCAÇÃO RURAL

O conceito de Educação do Campo é novo, surge do contexto das lutas dos movimentos populares, e de forma especial, por força do MST e suas demandas de escolas em acampamentos e assentamentos da Reforma Agrária. Assim, a EdoC é resultante das lutas sociais pela terra, pelo trabalho, pela dignidade e pela educação. Diante desse contexto, o município de São Miguel do Oeste também foi envolvido pelas lutas dos Movimentos Sociais do Campo, com as primeiras ocupações de Terra por volta do ano de 1985.

A Educação do Campo nasceu como mobilização / pressão de movimentos sociais por uma política educacional para comunidades camponesas: nasceu da combinação das lutas dos sem-terra pela implantação de escolas públicas nas áreas de reformas agrárias como lutas de resistências de inúmeras organizações e comunidades camponesas para não perder suas escolas, suas experiências de educação, suas comunidades, seus territórios, sua identidade (CALDART, 2008, p. 71).

A Educação do Campo, então, tem como definição buscar e construir um novo projeto de educação e sociedade para e com os sujeitos do campo. De acordo com os mesmos autores, a EdoC coloca-se contra o agronegócio e contra a expulsão de famílias camponesas das comunidades, tendo como objetivo a educação de qualidade. Nasce como crítica da Educação Rural tida até então e, sendo cópia de modelos de educação urbana e em contraponto a ela, reivindica aos sujeitos do campo o lugar de protagonistas da escola e também de suas vidas.

A Educação do Campo pode ser descrita também como uma luta constante por direitos dos camponeses e camponesas. Assim, o surgimento desse segmento específico da educação destinada aos camponeses/as está vinculado a uma educação diferenciada, que vai aos poucos tomando corpo e se distanciando do que fora a Educação Rural ou a educação no campo de forma massificada.

O deslocamento que houve da Educação Rural para a Educação do Campo, portanto é de ordem política e não apenas pedagógica:

(26)

Decidimos utilizar a expressão campo e não a usual meio rural, com o objetivo de incluir no processo da Conferência Nacional: Por Uma Educação do Campo, em Luizania, 1998. Uma reflexão sobre o sentido atual do trabalho do camponês e das lutas sociais e culturais dos grupos que hoje tentam garantir a sobrevivência deste trabalho. Mas quando discutimos Educação do Campo estamos tratando da educação que se volta ao conjunto dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo, sejam os camponeses, incluindo os quilombolas, sejam as nações indígenas, sejam os diversos tipos de assalariados vinculados à vida e ao trabalho do meio rural (MANÇANO, CERIOLI e CALDART, 2009, p. 24).

Essa questão da mudança da terminologia de Educação Rural para Educação do Campo não é somente uma mudança de nomenclatura, mas, acima de tudo, de se contrapor a uma educação historicamente excludente, desvinculada das especificidades do campo. Segundo Vendramini:

A Educação do Campo partiu, na sua origem, de experiências educacionais de Movimentos Sociais, vinculadas, portanto a um projeto político, não limitado a questões educacionais. Entretanto ela tomou uma dimensão bem maior, inclusive de política pública perdendo de alguma forma a marca original. A meu ver, predomina nos debates uma visão romântica do campo, que se diferencia da cidade, uma visão da cultura camponesa e das identidades culturais dos camponeses abstratas e desvinculadas da realidade do campo. A expressão educação do campo precisa de maior rigor na conceituação teórica, para não cair numa educação ou ciência do campo diferenciada da educação ou ciência da cidade (VENDRAMINI, entrevista concedida em 23/08/2008 Claudemiro Godoy do Nascimento).

No sentido de complementação, Souza (2010) define a Educação do Campo como um novo paradigma de educação e uma nova proposição para compreender os sujeitos que vivem e trabalham no campo, em especial as suas particularidades, como modo de vida e cultura. Essa autora compreende a Educação do Campo como materialidade, a partir dos Movimentos Sociais do campo. Também, apresenta um novo paradigma de educação onde os protagonistas são os sujeitos sociais do campo que surgiram da exclusão/descaso. Sabe-se que esses sujeitos se encontravam excluídos do processo mais elementar de cidadania: a educação. Segundo um integrante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra:

(27)

A Educação do Campo vem na contramão do que historicamente foi pensado para os trabalhadores/as do campo como educação. A Educação do Campo é um processo de superação da Educação Rural, lento e conflituoso, pois vem atrelada a um projeto de desenvolvimento para o campo brasileiro que parte de princípios diferentes do que o modelo capitalista propõe para o campo. Princípio esses baseados na luta social, na coletividade e uma educação para além da escola. por mais que debatemos num conceito novo, a Educação do Campo nasce arraigado e protagonizado pelos povos do campo por entender que estes carecem de uma educação deles e não para eles. É necessário dizer que como é um processo de transição há ainda muito resquício do que chamamos de ruralismo pedagógico, que só o tempo irá superar (MARTINI, 2008).

Conforme assinala Martini, do Setor de Educação do MST, a Educação do Campo é protagonizada pelos sujeitos sociais do campo, com processos pedagógicos em movimento, construindo práticas educativas. Ao consultar documentos do MEC, verifiquei outra concepção de Educação do Campo, a qual:

Tem um significado que incorpora os espaços de floresta, da pecuária, das minas e da agricultura, mas os ultrapassa ao acolher em si os espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas. O campo, neste sentido, mais do que um perímetro não-urbano, é um campo de possibilidades que dinamizam a ligação dos seres humanos com a própria produção das condições da existência social e com as realizações da sociedade humana (CNE, 2011, p. 01).

Nesse sentido, o poder público teria como função social universalizar o acesso à educação, direcionar o ensino para a formação da cidadania, para a inserção dos sujeitos do campo no mundo do trabalho, com desenvolvimento social, economia solidária e uma sociedade ecologicamente sustentável.

Além do que afirmam os teóricos e teóricas da EdoC, minha pesquisa mostra esta compreensão de um educador de uma das escolas do campo pesquisadas: Educação do Campo é uma garantia de ampliações de possibilidades de homens e mulheres criarem e recriarem as condições de existência no campo. Nesse aspecto, a fala do educador vem ao encontro do que afirma Mançano (2004, p. 70) quando aponta o entendimento de campo como “lugar de vida, onde as pessoas moram, trabalham, estudam com dignidade de quem tem o seu lugar, a sua identidade cultural. O campo não é só lugar da produção agropecuária e agroindustrial, do latifundiário e da grilagem de terra. O campo é espaço e território dos camponeses”.

Os educadores das escolas do campo, por exemplo definiram “campo” como um Lugar para viver com dignidade; É um espaço de vida, luta e oportunidades; Espaço onde vive um percentual considerável da população brasileira, cuja história, anseios e

(28)

possibilidades devem estar em sintonia com o projeto de desenvolvimento humano; Um lugar repleto de diversidade, vivências e experiências, agregada de elementos saudáveis; Lugar de vivencia,onde as culturas precisam achar meios e espaços para viver com dignidade e não apenas sobreviver nesse mundo industrializado; É lugar de gente. Lugar que produz e reproduz os múltiplos saberes;

Os educadores das escolas do campo têm a compreensão de campo como espaço de vida, cultura, saberes e luta dos sujeitos do campo. Seguindo nessa perspectiva, é importante fazer a construção de outro currículo para a escola do campo, para que a EdoC seja de fato o contraponto à Educação Rural.

Em se tratando de Educação Rural, por meio da pesquisa é possível explicitar como fora a concepção de educação disseminada por longo tempo, segundo a fala dos camponeses e camponesas: “Na roça não precisa de homens que pensam, mais de bois que trabalham.”;”Filho de pobre não sai doutor”; para que ser freira para estudar,se pode rezar em casa”;´” Só estuda quem é luxento e não tem vontade de trabalhar”;”Estudar para que se não vai ter escritório para todo mundo trabalhar sentado”; “Como os mais velhos não estudaram, nem os mais novos”; “ Para mexer com a enxada não precisa de muitas letras”; “Gente da roça não carece de estudo”; ”Para sobreviver com uns trocados não precisa de estudo”;

De outra maneira, atualmente essas mesmas pessoas, pais dos/as educandos/as pesquisados/as percebem que lhes falta estudo faz em suas vidas “ Eu ía para o mercado, o preço eu sabia, mas não sabia a marca da farinha, do açúcar”; “Eu tenho carro, mas tem que tá sempre dependendo de um filho, do vizinho pra dirigir”; “Para estudar não se fecha as portas pra ninguém; O estudo ajuda a mente da pessoa”; “Hoje sei escrever o meu nome, não precisa mais sujar o dedão, pois era tão humilhado”; “Tirei do meu documento o analfabeto e coloquei lá o meu nome porque agora eu sei assinar”; “Eu consigo ir para a cidade de carro porque agora eu tenho a carteira de motorista antes tinha que ficar fugindo como um bandido para não ganhar multa”; “Consigo tomar os meus remédio certinho, agora não tomo mais trocado”; “ Agora vou na igreja e consigo ler na bíblia, antes eu só levava embaixo do braço e na igreja eu fingia que lia”; “Eu posso ajudar no culto na comunidade meu sonho era ser ministra mas eu não tenho estudo”; “Consigo ir na loja comprar no crediário, antes sempre tinha que levar o marido junto hoje eu posso ir sozinha”; “ Eu vou na reunião da escola da minha filha caçula e consigo assinar o livro de ata, dos meus filhos mais velho tinha que dar para os outros assinar para mim”;

Foi possível constatar, durante em suas justificativas, que a educação faz uma falta tremenda na vida dos camponeses/camponesas, foram excluídos do acesso ao sistema

(29)

educacional. O processo educacional das escolas rurais que os camponeses vivenciaram foi surpreendente ao ouvir mais depoimentos na escola EMEIEF Waldemar Antonio Von Dentz:

“Tinham que ficar quietinhos”; “Régua nos dedos, vara de vime, ficavam sem recreio, de castigo, era só professor, não tinha professora mulher”; “Quando não fazia a lição apanhava”; “ Tinha tempo para copiar do quadro, se demorasse era apagado”;

Outros relatos observou também na escola E M E I E F Padre José de Anchieta: “Era um professor para as quatro turmas juntas”; “Não tinha merenda, levava de casa pão de milho frito na banha, batata, dividia a merenda com os colegas”.; “Dias de chuva, durante o recreio tinha que ficar na sala, levava castigo se gritava”; “Qualquer coisa que fizesse que o professor não gostava era castigado na hora”;“Coisa mais triste era nota vermelha no boletim, era humilhante”;

Durante as rodas de conversa com os/as camponeses/as, observei que ambas as escolas, apresentavam a mesma maneira de educação, ou seja, o professor era autoritário com relação aos alunos. A Educação Rural, portanto, transferia conhecimento, norma e doutrinamento, do urbanizado utilizado nas indústrias, que gerava a partir de então nos jovens comportamentos “adequados” para o Sistema Capitalista. Isso transparece quando os/as camponeses/as relataram comportamentos que deveriam apresentar na escola e em sala de aula, como: extrema pontualidade diante dos horários de chegada à escola; obediência total e suprema em relação ao professor, inclusive sem ousadia em dirigir questionamentos de qualquer natureza, sendo tido esse comportamento como ofensa e desrespeito à autoridade; presença de rituais, concebidos, pelo professor, como fortes elementos “construtores de bons comportamentos e hábitos necessários para a vida”, em seus alunos, dos quais posso citar, a reza no início e no final de cada dia de aula, o horário certo para fazer a chamada, o silêncio absoluto durante as aulas.

Além do mais, exigia-se das crianças um comportamento de adulto no que se refere ao silêncio, à organização das classes, inclusive com as carteiras na sala sempre em ordem, enfileiradas. Na sala, tudo devia estar no seu devido lugar e limpo. Tal cobrança, porém, pode ter efeito negativo na vida de estudante desses camponeses, como podemos acompanhar o relato: “Se eu tivesse tido a oportunidade de ter sentado perto de um colega, talvez eu tinha aprendido a ler, eu não conseguia entender o que a professora falava lá na frente, nós tinha que ficar sentados atrás do outro em fila”.(C1)

O professor reproduzia uma relação de desrespeito ao ser humano desconsiderando inclusive o gênero, com atitudes de punição ao comportamento inadequado, quando os meninos deveriam sentarem-se com as meninas no mesmo banco (duplo), criando situações de constrangimento e acentuado comportamento de insegurança e timidez dos alunos frente

(30)

aos seus colegas. A figura do professor (masculino) representava autoridade (medo) e respeito. Outra postura de punição era a presença do castigo físico, “Se alguém gritasse todos eram castigados”; “Se não aprendia, a professora batia”.; “Tinha uma vara de marmelo, era pior que bater nos animais”;“Até quando caia a borracha no chão era castigo na hora”; (C7,C8,C9,C10). Além da vara, eram colocados de joelhos em grãos milho, nas tampinhas de garrafa viradas para cima, em pé contra a parede com os braços erguidos, entre outros.

A aprendizagem perpassava por atividades pedagógicas da seguinte natureza: super valorização dos ditados, decoreba dos conteúdos e tabuada, inclusive com planejamento semanal sistemático para a cobrança dessas aprendizagens decoradas. Isso marcou tão profundamente que nas falas está explícito: “a gente até sabia a matéria mas, na hora de falar lá na frente, em pé, de tanto medo a gente esquecia tudo”.

O processo de aprendizagem e a avaliação da escola rural obedeciam a sistemáticas autoritárias, degradantes, desenhadas por um sistema extremamente opressor no qual a punição se valia para aprovar ou não o ser humano, sem levar em consideração os processos e os sujeitos enquanto singulares.

A disciplina converteu as escolas rurais em algo muito parecido aos quartéis. No depoimento da mãe de um educando: “A primeira coisa que os alunos aprendiam era a disciplina”.

Thompson refere-se ao regime autoritário da escola quando diz:

O superintendente fará soar de novo a campainha, e então a um movimento de sua mão, toda a escola levantar-se-á a um tempo só de seus assentos, a um segundo movimento os escolares se voltam: a um terceiro, se deslocam lenta e silenciosamente ao lugar designado, para repetir suas lições, e então pronuncia a palavra “começai” (1967, p. 85 apud Enguita, 1989, p. 117).

Conforme ao autor, o conhecimento ficava em segundo plano e relevante era a ordem, a pontualidade, a compostura, e a obediência.

Esses são relatos de experiências vivenciadas por camponeses/as que estudaram e fizeram parte da Educação Rural nas décadas de 50/60/70, na escolinha de madeira, multisseriada, com 30 ou 35 alunos.

Para contrapor a visão do campo como atrasado e arcaico os Movimentos Sociais, por meio da EdoC, tem a perspectiva de um projeto de desenvolvimento do campo, passando por uma educação que garanta o direito ao conhecimento, à ciência e à tecnologia socialmente produzida, que trabalha com a diversidade, e com a construção de sua autoimagem. “Não

(31)

basta ter escolas no campo, deve-se construir escolas do campo com um projeto político-pedagógico vinculado às causas, aos desafios, aos sonhos, à história e à cultura do povo trabalhador do campo” (MANÇANO, 2009, p. 142).

A revisão acerca do deslocamento da concepção política da expressão Educação Rural para Educação do Campo traz elementos para aprofundar o debate da escola do campo de São Miguel do Oeste, que vem trabalhando por uma política pública municipal de educação que valorize os educandos como sujeitos constituídos com identidade camponesa, a fim de serem sujeitos de direitos, capazes de construir a própria história e definir a educação que desejam e necessitam. A escola do campo constrói sua identidade, fortalecendo novas formas de desenvolvimento no campo, baseadas na justiça social, na cooperação, no respeito ao meio ambiente e na valorização da cultura camponesa.

A disposição para o estudo e a investigação faz avançar em favor da construção de um currículo que busca fazer do cotidiano escolar um espaço legítimo para processos de ensino/aprendizagem com caráter inovador, democrático, coletivo, solidário, contextualizado, ativo e coerente. As populações do campo desejam e reivindicam vivências de Educação Popular, nas quais os sujeitos sociais possam construir, através das organizações e Movimentos Sociais do campo, a conquista de políticas públicas dignas. Uma Educação do Campo comprometida poderá fortalecer suas lutas e suas identidades. É a Educação do Campo contribuindo com a inclusão social.

Dentre os desafios da construção da Educação do Campo estão as resistências dentro das Secretarias de Educação e nas escolas, pois é mais fácil fechar escola do campo e colocar transporte que leve para a cidade, do que compreender as especificidades que o campo tem, a sua dinâmica e organicidade, do que construir propostas político-pedagógicas de Educação do Campo.

A pesquisa também mostrou que os filhos dos camponeses, os maiores, já saíram de casa, estando apenas com os filhos menores, que esperam uma Educação do Campo comece a mostrar possibilidades de viver no campo. Porque um a um todos foram indo embora. Eis um depoimento dramático de uma mãe: “Estou fazendo de tudo para que a minha filha, “a nenê” da casa, fique comigo, que esta escola do campo me ajude”.

Referências

Documentos relacionados

Para tal, iremos: a Mapear e descrever as identidades de gênero que emergem entre os estudantes da graduação de Letras Língua Portuguesa, campus I; b Selecionar, entre esses

La asociación público-privada regida por la Ley n ° 11.079 / 2004 es una modalidad contractual revestida de reglas propias y que puede adoptar dos ropajes de

O tema proposto neste estudo “O exercício da advocacia e o crime de lavagem de dinheiro: responsabilização dos advogados pelo recebimento de honorários advocatícios maculados

The challenges of aging societies and the need to create strong and effective bonds of solidarity between generations lead us to develop an intergenerational

O relatório encontra-se dividido em 4 secções: a introdução, onde são explicitados os objetivos gerais; o corpo de trabalho, que consiste numa descrição sumária das

Os principais resultados obtidos pelo modelo numérico foram que a implementação da metodologia baseada no risco (Cenário C) resultou numa descida média por disjuntor, de 38% no

•   O  material  a  seguir  consiste  de  adaptações  e  extensões  dos  originais  gentilmente  cedidos  pelo 

Este trabalho consistiu na colheita de amostras de água superficial do rio Douro, com o objetivo de identificar a presença de espécies do género Staphylococcus, com perfis