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5 FACES DA MEDIAÇÃO NO AEE AO ALUNO COM DEFICIÊNCIA

5.3. Saindo cada um do seu quadrado para o Círculo Reflexivo

Vimos, na consecução da pesquisa, que o AEE a “Sol”, por meio de sua dinâmica, ia desvelando suas fragilidades na concepção de ser humano histórico e com isso sua objetivação no COLUN/UFMA sinalizava para condições excludentes de operacionalização. Isto pode ser destacado na fala de uma professora, após projeção de áudio visual com cenas do filme “Amistad” e poema de Castro Alves106

:

- A gente é gente, mas nem todo mundo é gente... então, a palavra que vem à minha cabeça, meu sentimento...quando a gente vê esse filme, a letra da música...e aí a gente acaba sendo envolvido por tudo isso...é a capacidade que o homem tem de massacrar o outro...e pensando a minha prática como professora...eu também sou capaz de massacrar o meu aluno...e aí eu acabo massacrando ele também. [...] a gente não se culpa, mas ao mesmo tempo a gente é cobrado por isso [...], a gente quer avançar e aí [...] eu tive a oportunidade de ter duas alunas com deficiência visual, e às vezes eu ficava muito chateada quando ia dar aula...porque eu não tinha condições, eu não tinha preparo...eu entrei na turma...eu nem sabia que elas duas eram deficientes visuais [...] e assim...a gente percebe o como que a nossa prática é às vezes massacrante para o nosso aluno (PROFESSORA P1 DO COLUN/UFMA, grifos nossos).

A projeção de fragmento do filme “Amistad” foi uma estratégia de mediação utilizada para levar o grupo a um entendimento, segundo o qual a constituição humana sofre fortes marcas das experiências históricas construídas individual ou coletivamente num processo de internalização cultural.

Tal entendimento, que reforça a necessidade de historicização dos sujeitos do ponto de vista do AEE, deixa claro o caráter fragmentado desse trabalho de apoio à inclusão, quando se verificou que enquanto uns tentavam agregar forças entre os profissionais da escola para prover as condições de inclusão curricular do aluno outros tentavam se desresponsabilizar nesse processo afirmando que o aluno não acompanhava a turma, não fazia as atividades, que não podia ser aprovado “sem saber de nada”. Havia, ainda, outra parcela, que, quem sabe, pressupondo a existência de uma neutralidade, silenciavam e assim também reforçavam os discursos, sonoros ou silenciosos, que tentavam justificar a exclusão.

106 O recurso áudio visual contempla cenas do filme “Amistad” e a interpretação do poema “Navio Negreiro”, de Castro Alves, pelos cantores Caetano Veloso, Carlinhos Brown e a cantora Gal Costa.

Os recursos e instrumentos em função da metodologia pensada foram escolhidos e utilizados com uma dupla proposta na pesquisa. Uma: a de confirmar nosso entendimento, segundo o qual o AEE, em função da humanização de “Sol” trazia implícito, a necessidade de uso da mediação como recurso pedagógico intencional. A outra proposta, a de utilizar os mesmos recursos e instrumentos da investigação como desencadeadores do processo formativode maneira que permitisse a elaboração de uma proposta de AEE mediada, e efetivamente, articulada ao contexto da escolarização de “Sol” no COLUN/UFMA. Portanto, conforme destacamos no Capítulo 1 deste estudo, em relação à segunda proposta, tínhamos a clara intenção de,

[...] buscar que esse “Círculo reflexivo”, que gira em torno de aprofundar conhecimentos sobre a mediação, ele possa se constituir como um espaço de formação, efetivamente, sem fugir, do ponto de vista metodológico, [...] de atividade prática [...] sem fugir do seu caráter de mediação. Ou seja, estudar teoricamente o conceito de mediação e ao mesmo tempo vivenciar, experimentar no fazer das relações aqui formativas, e levar isso para o espaço docente (PESQUISADORA).

Portanto, a mediação, conceito aprofundado na perspectiva colaborativa da pesquisa, serviu como lente de análise para avaliar qualitativamente o AEE ofertado a “Sol”.

Numa manhã da Semana Pedagógica, realizada no período de 02 a 09 de fevereiro de 2015, o primeiro “Círculo Reflexivo” ocorreu no horário compreendido entre 9h e 12 h, e o tema desenvolvido foi “Escola Inclusiva”. Por sua vez, alguns subtemas107 que seriam trabalhados posteriormente, nos “Círculos Reflexivos”, foram sinalizados:

- O AEE: apoio à (in/ex)clusão do alunado da Educação Especial?; - Escola inclusiva... deficiência intelectual;

- Da perspectiva histórico cultural;

- Polissemia e polifonia do fenômeno: inclusão? E o currículo da escola?; - Educação e inclusão para quê e para quem?;

- A mediação e sua objetivação.

Este momento de nossa pesquisa contou com a participação, praticamente, da totalidade dos profissionais da educação na escola investigada (Anexo 08).

Ao discorrermos sobre a mediação como uma práxis necessária na condução do conhecimento via currículo escolar, indagamos sobre o como poderíamos

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Estes foram os títulos de subtemas que colocamos nos slides, contudo, no espaço dos “Círculos Reflexivos”, estes sofreram modificação, sem prejuízo do conhecimento que seria trabalhado.

colocá-la em exercício em nossa dinâmica de trabalho. Entendíamos ser aquele um dos raros momentos onde se reuniriam os profissionais da escola. Então, procuramos evidenciar as bases conceituais da mediação. Consideramos, para isto, que o aluno para aprender e a escola para ensinar deve priorizar a natureza histórica e cultural do outro social. O ser humano como “o outro social” por excelência assume o papel de principal mediador na construção do conhecimento existente. Na escola, portanto, o conhecimento sistematizado, via currículo, não deveria ser desenvolvido de outra forma que não fosse mediado colaborativamente. Consideramos que, desse pensamento deriva o sentido de unidade que requer a escolarização posta em prática.

As reflexões ao longo de todo o estudo, que se objetivou por meio deste trabalho, seguiu uma perspectiva de generalizar que, em não raros aspectos, as especificidades individuais para as aprendizagens não são uma peculiaridade somente de sujeitos com deficiência intelectual ou público alvo da Educação Especial, mas também daquele aluno que, muito embora de forma mais sutil, não atingiu os “índices” estabelecidos pelos padrões escolares, aceitáveis como “normais”.

Observamos ainda que em contextos pedagógicos, quer para o público alvo da Educação Especial quer para qualquer outro aluno fora desta modalidade de ensino, tem no âmbito da dinâmica escolar, como já referimos, uma base caracterizada pela hegemonia de concepções inatistas, ambientalistas que tendem a homogeneizar o processo de desenvolvimento de cada sujeito. Esse pensamento encontra respaldo em Sforni (2004, p.28, grifos nossos) quando afirma:

As justificativas para o insucesso do aluno são extremamente contraditórias e revelam a forte influência dessas duas teorizações108 no campo educacional. Em alguns momentos considera-se que o aluno não aprende porque não desenvolveu pré-requisitos para tal, é imaturo, não tem raciocínio lógico, atenção memória, vontade, enfim, não apresenta as capacidades que deveriam ser a priori à aprendizagem. Essas capacidades são consideradas um resultado natural do processo maturacional do aluno e, por razões de limitação do próprio inndivíduo, não tiveram, o desenvolvimento necessário. Aqui, o inatismo revela-se em toda a sua plenitude. Em outras situações, a não-aprendizagem é justificada pela falta de um ambiente social, especialmente o familiar, que ofereça condições para o desenvolvimento cognitivo do aluno. A escola, estranhamente, não é incluída como parte desse “ambiente social”. As explicações para as dificuldades do aluno são buscadas fora da sala de aula: [...]. O ambientalismo manifesta-se na força modeladora que se atribui ao contexto social.

108 A autora se refere às concepções de desenvolvimento inatistas e ambientalistas inspiradas nas filosofias racionalista e empirista, respectivamente, presente nos espaços educacionais.

As constatações encontram respaldo, inclusive, nas expressões e nos questionamentos do coletivo de profissionais ao manifestarem ideias de concepção de aprendizagem, desenvolvimento, avaliação e planejamento com características de distanciamento do ser aluno, como um ser historicamente situado e/ou ainda, com características biopsíquicas plásticas. Em oposição a este entendimento, subjacentes às análises de lentes histórico culturais, podem ser desenvolvidas posturas pedagógicas que denunciam o caráter homogêneo e mecanicista das práticas na escola pública. E no caso do AEE correlacionado ao ensino escolar do aluno com deficiência intelectual,

[...] uma tendência homogeneizadora - já secular - de pensar os sujeitos da aprendizagem nas suas formas e possibilidades de elaborar conhecimento. As diferenças dos (as) aluno (os) [...], quer sob a perspectiva cognitiva, quer sob outra qualquer, não são justificativas para exclusão de nenhum sujeito do ambiente de aprendizagem escolar. Pelo contrário, o que precisa ser banido da escola é o caráter sutil de mascarar, pela via dos processos constitutivos das relações na escola, inabilidades de mediação das aprendizagens referentes ao currículo, desviando essa condição de deficiência para os alunos (as) por ela designados (as): os que não aprendem (MELO, 2010, p.302).

Observada essa “desarticulação” entre o AEE e o contexto escolar no tocante ao “Caso Sol” foi desencadeado um processo formativo com os envolvidos na pesquisa, onde se buscou fundamentar teoricamente a importância do aprofundamento do conceito de mediação como princípio metodológico na organização do AEE no COLUN/UFMA. Nos encontros do “Círculo Reflexivo” esse entendimento foi sendo reforçado quando, por exemplo, perguntamos sobre a relação entre o AEE e a sala regular, no que diz respeito a “Sol”. Da professora atuante na Sala de Recursos Multifuncionais (SRM) obtivemos a seguinte resposta:

- [...] aqui nós temos quatro professores aqui da turma dele... são nove professores [...]acho que já é um passo para conseguir [...]fazer esse trabalho de relação [...] se a gente conseguir no final desse “Círculo” trazer, eu não digo cem por cento, mas noventa por cento dos professores acho que já é um avanço e uma aproximação também. E lembrando também que a sala de recursos, a gente tem que ficar muito atentos, que não é uma sala de reforço [...] (PROFESSORA ESTRELA).

Na medida em que aprofundávamos o conceito de mediação com os participantes do “Círculo Reflexivo” fomos constatando a importância deste conceito como práxis no espaço formativo da pesquisa. Isto pode ser percebido no momento em que solicitamos ao grupo, que estabelecessem a partir da realidade do COLUN, relações entre o AEE e o lugar assumido pelos profissionais da escola na perspectiva de

desenvolvimento escolar do aluno “Sol” e uma integrante expressou a seguinte compreensão:

[...] eu fiquei instigada com a tua fala, inicialmente, quando apresenta a concepção do AEE, demonstrando como ele de alguma forma... é contraditório, né? Então a própria Política vem essa concepção, contraditória, ao mesmo tempo em que trabalha uma concepção mais ampliada do que é esse Atendimento Educacional Especializado, de certa forma, reduz, né? Então assim, se a própria Política traz essa concepção, imagina nós aqui no nosso cotidiano, como às vezes, a tendência é de essa concepção, ela tenda a se restringir também. Principalmente quando nós estamos aí num processo de tentar construir um atendimento educacional especializado dentro do Colégio Universitário. Nós estamos caminhando nessa perspectiva de construir esse atendimento. Então, ora, a gente se vê, percebendo essas concepções bem mais restritas dizendo... ah, não é esse um atendimento que deve ser feito lá no NAPNEE [...] como se fosse exclusivo quando na verdade esse é um trabalho que deve ser conjunto...deve ser pensado por todos nós [...] por isso que às vezes a gente se vê pensando [...] como todo mundo deveria estar aqui...pensando junto com a gente [...] Então o primeiro desafio é compreender, na verdade, o que que é esse Atendimento Educacional Especializado. Esse é o primeiro passo para a gente pensar nessas relações possíveis. [...] eu acho que a pesquisa que você está desenvolvendo vai contribuir muito pra que isso aconteça da melhor forma dentro da escola. (VÊNUS).

Na escola onde realizamos nossa pesquisa fomos constatando o estado de anacronia entre a significante inclusão curricular e o significante Atendimento Educacional Especializado (AEE), o que reforçou a nossa posição de defender que o ponto de sincronia entre estes dois significantes é a mediação vigotskyana considerada aqui como princípio para o pensamento humano e estruturante metodológico, transversal, na organização do AEE no COLUN/UFMA.

Enquanto conceito a mediação histórico cultural expressa a forma mais elementar do pensamento e se apoia em categorias do materialismo histórico dialético109:

[...], as categorias como totalidade, práxis, contradição e mediação são tomadas do método dialético a fim de que a realidade seja considerada como totalidade concreta, ou seja, um todo estruturado em desenvolvimento. Captar a realidade em sua totalidade não significa, portanto, a apreensão de todos os fatos, mas um conjunto amplo de relações, particularidades e detalhes que são captados numa totalidade que é sempre uma totalidade de totalidades. A categoria mediação é fundamental por estabelecer as conexões entre os diferentes aspectos que caracterizam a realidade. A totalidade existe nas e através das mediações, pelas quais as partes específicas (totalidades parciais) estão relacionadas, numa série de determinações recíprocas que se modificam constantemente. A práxis representa a atividade livre, criativa, por meio da qual é possível transformar o mundo humano e a si mesmo. A contradição promove o movimento que permite a transformação dos fenômenos. O ser e o

pensar modificam-se na sua trajetória histórica movidos pela contradição, pois a presença de aspectos e tendências contrários contribui para que a realidade passe de um estado qualitativo a outro (MASSON, 2012, p.04-05).

Quando analisamos a realidade do AEE a “Sol”, no COLUN/UFMA, tomamos como ponto de partida para a organização de nosso trabalho investigativo que aquela realidade não estava isolada de contextos mais amplos que abrangem este apoio à inclusão escolar. Por isso entendemos que naquela escola o referido atendimento, em muitos aspectos, apresentava contradições similares às da realidade desse atendimento em nível nacional. O que se pode inferir com os resultados de pesquisas e também de nossas experiências no desenvolvimento de projetos em grupo de pesquisa na UFMA, no âmbito da docência, nesta IES, em bancas de monografias com a temática relacionada ao AEE em diversos municípios maranhenses, e ainda enquanto profissional integrante da equipe de formação continuada e da equipe técnico pedagógica da Educação Especial, na Secretaria Municipal de Educação de São Luís (SEMED).

Com respeito às referidas contradições, no âmbito do COLUN/UFMA, algumas foram desveladas com a pesquisa. Destas evidenciamos a tentativa, nem sempre intencional, de legitimar uma proposta de apoio à inclusão do aluno com deficiência intelectual sem estabelecer diálogo colaborativo com as atividades gerais da escola. E isto, sem confrontar e superar formas de conduzir o processo com seu ensino predominantemente homogêneo, com suas formas de avaliar segundo padrões quantitativos e seletivos, desvinculado das características cognitivas do aluno, e nesse sentido, comprometendo a intencionalidade necessária para uma práxis mediada. Diante da realidade posta, neste Colégio de Aplicação, apresentamos a mediação como estratégia, necessária no AEE, que se utilizada de forma colaborativa provocará progressivamente o rompimento de estruturas escolares excludentes, contraproducentes para o desenvolvimento de “Sol”, assim como para diversos outros educandos.