• Nenhum resultado encontrado

I. Convenções no mercado acionário

3. A abordagem convencionalista

3.2 Saliências de Schelling

A chave para se chegar a um ponto comum é a propriedade das interações autorreferenciais de produzirem uma opinião de referência, mesmo quando as crenças subjetivas iniciais são muito dispersas. Essa foi a conclusão de um trabalho experimental de Mehta, Starmer e Sugden (1994), citado por Orléan (2006b), que concluiu que, quando são inseridos neste tipo de contexto, muitos agentes convergem para a mesma opinião, ainda que não haja comunicação explícita entre eles.

As pesquisas mostraram que os agentes não tentam determinar a opinião pessoal ou fundamental dos outros, que é opaca, mas buscam descobrir uma saliência. A situação autorreferencial que tem sido mais estudada é um jogo de coordenação pura, em que há uma série de equilíbrios possíveis, mas há uma recompensa caso os participantes consigam escolher o mesmo. Os jogadores precisam de uma referência coletiva. Ao estudar esse tipo de jogo, Thomas

Schelling percebeu que os indivíduos conseguem, em geral, coordenar-se quando são colocados nesse tipo de situação.

Schelling identificou que os jogadores conseguem a coordenação porque buscam um equilíbrio saliente, ou seja, uma regra de escolha que leva a um resultado desprovido de ambiguidade. Na maioria das situações, a opinião saliente é claramente diferente das posições pessoais (2006b).

Em um dos experimentos de Mehta, Starmer e Sugden, por exemplo, há dois grupos: no primeiro, as pessoas não têm incentivo financeiro para responder de forma idêntica a outro participante desconhecido enquanto, no segundo, elas têm. Uma das perguntas é escolher um ano, passado, presente ou futuro. No primeiro grupo, muitos escolheram o próprio ano de nascimento. No segundo, a necessidade de atingir a coordenação modificou significativamente as respostas. A maioria escolheu o ano de realização do experimento. Além disso, o número de respostas diferentes caiu de 43 para 15.

Responder com o ano em curso é uma saliência de Schelling, o que, para Orléan, é claramente uma crença social (2006a: 16). Ela seria o resultado de uma elaboração cognitiva, muito enigmática para o autor, em que se busca determinar o resultado plausível de escolha unânime quando cada indivíduo olha para o problema sob o mesmo ângulo. Como a crença de cada um é muito incerta, dependente das preferências individuais, ela não permitiria coordenação. Por isso os participantes abstraem essas crenças em busca da crença do grupo como entidade. Quando uma escolha é claramente majoritária, Orléan dá a ela o nome de estereótipo (2006a: 18- 19).

É muito claro que a regra de escolher o ano de aniversário seria incapaz de produzir unanimidade. Segundo Orléan, a diferença entre as escolhas dos grupos revela o que tem de particular a racionalidade autorreferencial: “Los indivíduos reflexionan, no a partir de sus creencias individuales, sino colocándose a um nivel más general de abstracción, de suerte que determinem um principio capaz de hacer emerger, a los ojos de todos, el mismo equilíbrio único” (Orléan, 1999: 126).

Diante da necessidade de se coordenar, os indivíduos recorrem ao contexto cultural, histórico e social, campo de análise que vai além do estudado pelos economistas tradicionais e envolve fatores sociológicos e psicológicos. Orléan aproxima-se de Shiller ao enfatizar que a representação do futuro não é natural, nem objetiva, mas construída socialmente, em um processo

em que há erro e aprendizado. Os precedentes históricos, os valores individuais e o grau de influência de cada participante no processo importam no momento da decisão. O autor chama de força simbólica a capacidade de uma representação tornar-se saliente dentro desse contexto (2006b). No artigo de 2005, ele elenca alguns dos elementos em jogo:

The way in which each agent creates his or her own model of market opinion during the entire interaction depends on the past price observations, and also on their initial thoughts about finance and about the psychology of the group participating in the interaction (Orléan, 2005: 12).

Sobre o papel do precedente histórico, Orléan afirma que referências a episódios bem conhecidos exercem um papel fundamental sobre a representação que os participantes fazem do fenômeno atual. Ele cita os estudos de Shiller a respeito da queda aguda da bolsa de Nova York em 19 de outubro de 1987. Por meio dos questionários, o autor identificou que a crise de 1929 exerceu um papel importante, servindo como referência para tentar decifrar os eventos, o comportamento dos outros e para reagir, contribuindo para o clima de pânico: 35% dos investidores individuais e 53% dos institucionais responderam sim à questão “você se lembra de ter pensado ou falado sobre os eventos de 29 no curso dos poucos dias que precederam 19 de outubro de 1987?”. Nesse caso, para Orléan, a crise de 29 seria uma saliência relevante (Orléan, 2006a: 21-22).

O fato de todos os investidores determinarem seus comportamentos em função do que pensam ser a opinião majoritária leva ao fenômeno da profecia autorrealizável. Ainda que todos considerem que uma ação da Petrobras vale 100, se a previsão para o final do dia é que custe 50, qualquer um comprará por menos de 50 e venderá por mais do que isso. Pelas próprias ações desses agentes, ao fim do dia, o preço efetivamente estará em 50. Ao determinar suas decisões pela opinião majoritária, cada investidor, agindo racionalmente, valida o preço inferior ao que considera correto e, assim, a convenção. Seria irracional quem, mantendo a estratégia fundamentalista, não vendesse por menos de 100, já que poderia ficar muito tempo com o valor do portfólio baixo, ainda que a ação chegasse a valer 100 no longo prazo. Orléan enfatiza que, ainda que pareçam ilusórias, as variações de preço oferecem a possibilidade de lucro real e, por isso, são tão importantes para a estratégia de investimento.

Assim, a opinião de mercado passa a ser ao mesmo tempo objeto, que cada um quer antecipar, e produto, que emerge das opiniões individuais. A crença é realizada não por ser

intrinsecamente verdadeira, mas porque todos creem que é. De acordo com Orléan, Keynes foi o primeiro economista a entender que as finanças funcionam de acordo com esse princípio. A autorrealização fica clara, por exemplo, em períodos de alta dos preços. A própria alta modifica as previsões dos investidores em um sentido altista, o que intensifica a tendência. A nova alta faz parecer justa a estimativa inicial, estimulando os investidores a reforçarem ainda mais o sentido dos preços (1999). Segundo o autor, a autorrealização pode acontecer sem que os participantes estejam cientes de seu funcionamento, considerando o resultado como a própria confirmação de suas crenças (2005: 14).

Em vários textos, Orléan enfatiza que não há nada de irracional em participar dessa dinâmica, sem recorrer aos fundamentos. Pelo contrário: “On the one hand, they have witnessed the ability of markets to create surprises and to disprove fundamental predictions; on the other hand, however ‘fantastic’ the price may be, it is this price, and this price alone, that will make operators rich or poor” (Orléan, 2005: 13). Como há liquidez e, dessa forma, a possibilidade de recomprar ou revender uma ação a qualquer momento, o que importa aos investidores é o lucro imediato, que é dado pela evolução da crença de mercado.

Os preços podem descolar-se muito da esfera produtiva, portanto, sem que seja necessário presumir investidores que agem de forma irracional e avaliações incorretas. Por isso, o autor afirma que a liquidez impõe sua lógica, transformando os comportamentos. Resultado: “La actitud especulativa aparece allí como la actitud racional por excelência” (Orléan, 1999: 98). Aqui, ele faz referência ao já citado trecho de Keynes sobre ser mais sábio fracassar com as convenções do que triunfar contra elas.