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Uma visão geral do sistema de metas de inflação

III. Uma abordagem alternativa para a taxa básica de juros brasileira

1. Uma visão geral do sistema de metas de inflação

As metas para taxas de juros surgiram como alternativa às metas para oferta de moeda. Para controlar os ciclos de negócios, a partir da década de 60, optava-se por tentar intervir diretamente no crescimento do agregado monetário. Depois de algumas experiências negativas, esse agregado passou a ser considerado pouco previsível. A saída foi mirar as taxas de juros, que passaram a ser o instrumento principal da maior parte dos bancos centrais para o controle monetário (Palley, 2006: 85).

O sistema de metas de inflação surgiu no começo da década de 90 como uma resposta à necessidade de definir uma taxa de juros apropriada. Maryse Farhi (2007: 3-4) resume sua base teórica:

“Os fundamentos teóricos do regime de metas de inflação se baseiam no paradigma novo-clássico de neutralidade da moeda, expectativas racionais, equilíbrio de mercado, preços flexíveis e oferta de trabalho determinada por salários reais. A adesão de economistas novo-keynesianos (...) a essa política monetária levou ao assim chamado ‘novo consenso’ que passa a aceitar um possível impacto da política monetária no curto prazo (curva de Phillips de curto prazo inclinada para baixo), mas mantém sua neutralidade no longo prazo (curva de Phillips de longo prazo vertical)”.

O regime de metas de inflação consistiria, assim, segundo Farhi, “na adoção de regras definidas para a condução da política monetária por um Banco Central com objetivos precisos de estabilidade de preços”. Esse comportamento seria necessário para evitar o viés inflacionário, inerente à prática governamental segundo os economistas do “novo consenso”. A ideia básica é que políticos de sociedades democráticas, guiados pelo desejo de reeleição, adotariam medidas como diminuição da taxa de juros, para reduzir o desemprego, que até poderiam ter resultados, mas apenas no curto prazo (2007: 4-5).

Arestis e Sawyer (2003: 2) listam as características básicas do sistema que surge a partir desses fundamentos teóricos: determinação pelo governo de uma meta numérica para a inflação;

uso da política monetária como instrumento chave para atingir essa meta, por meio de ajustes na taxa de juros, e operação da política monetária por um Banco Central independente, que se preocupa sobretudo com a inflação.1 Os efeitos de longo prazo da política monetária em outros objetivos políticos, como crescimento e emprego, são ignorados ou assumidos como inexistentes.

Os autores distinguem dois tipos de sistema de metas. Em um deles, todos os objetivos são subordinados à estabilidade de preços. No outro, chamado de mandato dual, adere-se igualmente aos objetivos de flutuações de preço e produto. Os autores do artigo fazem a ressalva: “However, price stability is the overriding goal in the view of the IT (Inflation Target) proponents” (Arestis & Sawyer, 2003: 11). Para os objetivos deste trabalho, não se pretende entrar na polêmica sobre se o mandato dual poderia ser efetivamente caracterizado como sistema de metas de inflação. Basta considerar que, em uma página de perguntas e respostas na internet, a autoridade monetária brasileira define da seguinte forma o sistema: “é um regime monetário no qual o Banco Central se compromete a atuar de forma a garantir que a inflação observada esteja em linha com uma meta pré-estabelecida, anunciada publicamente”.

A transparência no anúncio das metas é considerada uma ferramenta em prol da melhora na comunicação entre o público, os empresários e os políticos. Todos devem estar cientes do objetivo primário do governo, a estabilidade de preços. A meta explícita deve trazer credibilidade e, inclusive, depende dessa legitimidade, ou seja, do apoio e reconhecimento público, para funcionar com custos menores. Normalmente considera-se que a política deve ser operada por técnicos para evitar a inconsistência temporal, ou seja, que políticos usem os instrumentos monetários em favor de ganhos de curto prazo, como aumento do emprego, ao custo de efeitos negativos no longo prazo, como inflação (Arestis e Sawyer, 2003: 6 e 8).

De acordo com Carvalho et alli (2007: 144), os defensores das metas de inflação acreditam que a política monetária não pode estimular investimento ou reduzir emprego. Eles postulam que uma política que aumenta a liquidez da economia objetivando estimular crescimento causa efeitos inflacionários permanentes, enquanto os efeitos reais, quando existem, são passageiros. A política seria inócua e ainda poderia dificultar o crescimento duradouro, já que

1 Farhi (2007: 7) aponta um estudo de março de 2006 do Fundo Monetário Internacional (FMI) em que características como a

independência institucional, em que o banco central tem plena autonomia legal e está livre de pressões fiscais e políticas que criem conflito com a meta de inflação, consideradas tradicionalmente como pré-condições para a adoção do regime de metas, são vistas em trabalhos mais recentes como desejáveis, mas não essenciais para o sistema.

geraria um ambiente de inflação. Segundo Arestis e Sawyer (2003: 12), “it is generally assumed within the IT (Inflation Target) framework that lower inflation is always more desirable than higher inflation, and that lower inflation can be achieved without any loss of output”.

Assim como as explicações da mainstream economics para o mercado acionário giram em torno de um conceito de valor fundamental, as teorias que servem de base à política monetária no sistema de metas de inflação envolvem o conceito de taxa natural de juros, que deve guiar as variações na taxa básica de juros. A taxa natural é considerada um valor objetivo, correto, de equilíbrio macroeconômico, para o qual se deve convergir no longo prazo, o que é perfeitamente possível diante da suposta racionalidade dos agentes, como vimos em Brière.

A taxa natural de juros, desde Wicksell, é a que iguala poupança e investimento, equivale à produtividade marginal do capital e é compatível com a estabilidade dos preços. Nos modelos mais modernos, seria a taxa real de equilíbrio condizente com preços estáveis e hiato do produto nulo, ou seja, produto igual ao potencial. Por essa teoria, cada economia tem sua taxa de juros correta, natural. Cabe ao Banco Central apenas persegui-la, combatendo desequilíbrios temporários, o que é puramente técnico e não envolve decisões políticas. Taxas básicas altas, portanto, corresponderiam a taxas naturais altas. A partir dessa análise, um alto nível poderia ser mantido por muito tempo, já que a taxa natural varia de forma lenta, dependendo de mudanças estruturais.

Para perseguir a taxa natural de juros e, assim, permitir que o emprego esteja em seu nível natural de equilíbrio, nessa abordagem teórica, os bancos centrais devem seguir uma função de reação. A mais conhecida é a chamada regra de Taylor, que recebeu esse nome porque o autor teria demonstrado que a equação capturava de forma satisfatória o comportamento das taxas de juros dos Estados Unidos e da política monetária do Federal Reserve System (Fed), o banco central do país2. A equação pode ser escrita como:

it = i* + a(πt - π*) - b(ut - un)

2 Segundo Brière (2005: 57), Artus e Avouy-Dovi (1990) estimaram uma função de reação para o FED nos períodos de 1979-

1982 e 1982-1987. Eles descobriram que muitas outras variáveis (crescimento real, déficit público como parcela do PIB e velocidade da circulação da moeda, por exemplo) são significativas, de tal forma que o Fed usa mais do que uma simples Regra de Taylor para determinar as taxas. É mais provável que o banco central americano use um grande número de indicadores econômicos.

Na expressão, i* é a taxa de juros de equilíbrio, πt a inflação corrente, π* a meta de inflação, ut o desemprego corrente e un a taxa natural de desemprego. São levados em conta, portanto, o hiato do produto – diferença entre o produto efetivo e o potencial – e o desvio da taxa de inflação em relação a uma meta definida. Alguns autores sugerem aperfeiçoar a regra de Taylor acrescentando a inflação esperada, πe.

Veremos mais à frente que vários dos pressupostos teóricos do sistema de inflação, assim como algumas características do regime, apesar de amplamente aplicados, não são consensuais. Além disso, há diferenças entre países nas aplicações práticas. Antes disso, vamos tratar do sistema de metas brasileiro, também sem o objetivo de esgotar suas características, mas destacando aspectos que podem servir ao exame do argumento da convencionalidade.