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PIRAPORA DO BOM JESUS – ABORDAGEM HISTÓRICA DO SAMBA

2.3. O SAMBA DOS BRANCOS

Aproximadamente a partir da década de 1950, o samba de bumbo passou a ser realizado em dois pontos distintos da cidade. O chamado “samba dos brancos”, denominação dada por sambadores e por moradores locais que presenciaram o samba, era realizado em frente ao antigo bar “Curingão”, sob a chefia de Honorato Missé, sendo que o “samba do negros” continuava sendo realizado no mesmo salão citado anteriormente.

Honorato Missé, conhecido como “Norato” na cidade, tocador de caixa, congregava anualmente um grande número de sambadores locais nos dias da festa do Bom Jesus. Também realizava o samba de bumbo em festas que ocorriam em sítios da região, como é o caso da festa de São Roque do Barreiro, no sítio do Pununduva. De acordo com o relato dos entrevistados, o samba realizado em frente ao bar “Curingão” era aberto a todos os interessados em participar da dança, sendo estes moradores da cidade ou forasteiros, brancos ou negros. Não havia, assim, um grupo fixo, fechado de sambadores, embora muitos destes fossem presença confirmada todos os anos no “Curingão”. O festejo e a presença das pessoas neste era descompromissada. Dentre os sambadores que participavam do samba com Honorato Missé, e continuam em atividade até os dias atuais, estão Seu João do Pasto e Dona Maria Esther. Muitos negros freqüentadores do salão alugado pelos forasteiros também participavam, algumas vezes, do samba feito pelos brancos, como é o caso de Vó Olímpia, sambadora da cidade de Campinas. Márcio Dante, morador da cidade, descreve da seguinte forma suas lembranças a respeito do samba nesta época:

Tinha dois sambas, tinha o samba dos negros e tinha o samba do Honorato, mas eles tocavam juntos também. Que eu me lembro, eu não me lembro de samba separado, eu me lembro do samba do Honorato, aonde os negros pode ser que... antes disso, o samba é muito mais antigo que isso tinha, talvez tivesse o samba dos negros e o samba do Honorato. Na época que eu me lembro era o samba do Honorato, onde os negros participavam, esses que vinham na festa. E as negras que dançavam daquela maneira insinuante, porque era insinuante, não em roupas escandalosas, né? Mas uma maneira de dançar insinuante (...) a poesia deles era aquela, eles fazem uma rima aonde um puxa e os outros repetem, é uma história, né? Aquilo vai correndo à noite, muita pinga junto, lógico, né? Não a ponto de virar uma bebedeira... Mas apesar de tudo isso, daquele rolo de ver, tinha respeito, existia o respeito. Então os negros em Pirapora, o samba que eu me lembro era isso... (...)

Ao contrário do que ocorria com o samba praticado pelos negros no salão alugado, neste caso utilizava-se, na execução do samba, apenas um bumbo enquanto instrumento

central, sendo que os instrumentos secundários eram o reco-reco, o chocalho e a caixa. Honorato Missé era o chefe do samba na cidade de Pirapora neste período. Era responsável por congregar os sambadores no “Curingão”, em cuidar dos instrumentos utilizados no momento do festejo, os quais eram guardado em uma sala improvisada nos fundos do bar, e em dar início ao samba como um todo. De acordo com os relatos orais, Honorato aprendeu o samba com um antigo sambador da cidade chamado Nhô Abel. Este teria aprendido o samba com outro piraporano chamado João perna de pau, o qual aprendeu o samba com os negros freqüentadores da cidade.

Com a morte de Honorato Missé na década de 1960, a chefia do samba foi passada para Antônio Romeu Pereira da Mota, sobrinho de Honorato, conhecido em Pirapora como Romeuzinho, o qual ficou encarregado de, anualmente, congregar os sambadores locais no mesmo bar. De acordo com relato de Dona Ângela, viúva de Romeuzinho, neste período o samba de bumbo era festejado no “Curingão” desde o dia 1° de agosto até aproximadamente o dia seis. O dono do bar era Miguel Criteli, o qual passou à chefia do samba com a morte de Romeuzinho, em 1994. Neste momento, os dois atuais sambadores anteriormente citados continuaram participando dos sambas, os quais continuavam a acontecer na festa do Bom Jesus e também em outras comemorações, como em aniversários, conforme rememora Seu João (2007):

A Maria Esther ia com nós no Curingão, ela e o Romeuzinho ficou com os instrumento. O Honorato morreu, ficou o Romeuzinho e nós tocava lá na rua perto do mercado, antes de chegar na casa do samba... a rua que vai daqui pra lá... Eu e Romeuzinho, o Romeuzinho morreu, aí ficou com o Miguel.

Miguel chefiou o samba na cidade até alguns anos após a morte de Romeuzinho. Ficou com os instrumentos do sambista e doou um bumbo de Romeu para Dona Maria Esther, atitude que passou a ser concebida entre os sambadores como a passagem da chefia do samba para a sambadora, a qual passou a ser figura central do samba de bumbo na cidade a partir de 1994, com a formação do grupo “Samba de Roda” e sua conseguinte consolidação em 1997. Miguel faleceu em 2003, sendo que parou de participar do samba alguns anos antes de sua morte, não demonstrando interesse em entrar no então recém-formado grupo da cidade.

Foto 13 – Sambadores reunidos para foto em Pirapora na década de 1950. O primeiro à esquerda, empunhando a caixa, é Honorato Missé; o terceiro, ao fundo tocando reco-reco, é Seu João do Pasto; a quarta, ao centro, é dona

Maria Esther.64

Neste período, houve uma confluência entre a prática de dois grupos sociais em relação ao samba na cidade de Pirapora. O samba vivenciado pelos brancos teve continuidade na cidade, desde o início de sua prática, aproximadamente na década de 1950 e, de certa forma, considerando suas mudanças, até os dias atuais. Já o costume dos grupos negros se congregarem na cidade de Pirapora na festa do Bom Jesus, trazendo consigo manifestações culturais próprias como o samba de bumbo, foi se enfraquecendo a partir da década de 1970. Podem ser levantadas algumas especulações a respeito desta mudança, como a própria desagregação destes grupos em suas cidades de origem. Pode-se, nesse sentido, partir da hipótese de que o samba, além de operar como uma forma de devoção ao Bom Jesus, também contribuía para o fortalecimento de uma identidade cultural comum a estes negros que tinham como costume freqüentar anualmente a cidade nos dias de festa. Portanto, partindo da análise de Ianni (1988), é possível que estes grupos negros tenham encontrado novas formas de afirmação social, dentre estas manifestações culturais, capazes de ajustá-los à sociedade vigente.

64 Foto de folheto sobre o samba de Pirapora, recolhido no “Espaço Cultural Samba Paulista Vivo”, conhecido pelos

Abaixo seguem duas músicas antigamente tocadas por Honorato, relatadas por Seu João do Pasto (2007):

1

O mar encheu Sorte a marreca Que eu morro memo

Não faz mal que leve a breca. 2

Ê, ê olha lá

Bom Jesus de Pirapora Nóis vai ajudá

Que essa festa de Pirapora Nunca vai acabá

Que essa festa de Pirapora Nunca vai acabá

Ê, ê olha lá

Bom Jesus de Pirapora Ele vai nos ajudá.