• Nenhum resultado encontrado

San ção e Ordem Social

No documento A sanção jurídica da sociedade (páginas 76-79)

CAPÍTULO 2: NOÇÃO COMUM DE SANÇÃO

II.3. San ção e Ordem Social

Faz-se necessário, agora, indicar como a amplitude da noção comum de sanção guarda relação com a evolução da teoria da ação social. PARS ON S

não precisou realizar essa relação explicitamente, especialmente porque o grau de abstração de sua teoria é muito elevado – já distante da sanção como meio ou condição da ação. Como mencionado acima, a noção comum de sanção pressupõe uma noção de ordem social. A partir do estudo de PARSO NS é possível notar que a noção comum de sanção press upõe ainda

outra noção: a de racionalidade da ação. A noção comum de sanção abarca, então, as definições que envolvem ações racionais sendo uma delas orientada para manter ou promover a ordem social.

A noção comum de sanção, por mais ampla que seja, está ligada ao problema da ordem. A retribuição de um mal com um mal, a noção mais ampla apresentada acima, pressupõe a existência de uma ordem que baliza a noção de “mal”. Na outra polaridade, a atribuição de um bem para obter um

bem também subentende a valoração de determinadas ações como benéficas à ordem. Uma possível explicação para isso talvez esteja na etimologia da palavra sanção, que, acredita -se, tem origem na proteção do sagrado e, mais remotamente, nos muros que separavam os locais sagrados111. A sanção ora aparece como proteção à regra ora como modo de restaurar a ordem, como compensação112. Essas origens remotas não são tão relevantes no momento. Basta, por enquanto, relacionar as diversas noções de sanç ão com os estudos da ordem. Nest e ponto já é possível deixar que LU H MAN N retorne à

sala.

A questão da ordem social foi diretamente abordada por LU HMAN N.

No principal texto a esse respeito, “ Wie ist soziale Ordnung möglich?”, ele usa a pergunta título também como unidade para compreender o desenvolvimento da sociologia, PARS ON S inclusive. O texto é um modo de

LU H MAN N vincular-se aos pensadores que lhe antecederam , desvinculando-

se deles. Resumidamente, ele descreve como a pergunta guia “como a ordem social é possível?” esteve presente nas autodescrições da sociedade, sob diferentes formas: como é possível que os indivíduos se relacionem? Quais as relações possíveis entre indivíduo e sociedade? Como é possível a ação social? De AR IS TÓ TE LES a PAR S ONS, LU H MA NN conclui que as

respostas à pergunta mudaram conform e as mudanças na estrutura e na semântica da sociedade. Encerra o texto apresentando a pergunta guia como uma autoprovocação constante da sociologia que, no entanto, não pode ser simplesmente respondida com um “assim!”, mas deve ser desdobrada em diversos aspectos, todos presentes na teoria dos sistemas: o meio sentido, os sistemas sociais, a evolução desses sistemas113.

Como já exposto, a noção comum de sanção tem algumas características gerais. Foram identificadas as seguintes características: (i) uma relação subentendida (ii) entre ações individuais, na qual (iii) existe

111 C. Mor and. La Sanction in Archives de Philosophie du Droit: Vo ca bulaire

Fondamen tal du Droit , T ome 35, Sirey, 1990 .

112 J.M. Guyau. Critica...o p.cit. p 27 -8

uma assimetria que indica a sanção como favorável à ordem. A relação entre sanção e racionalidade deriva da interpretação de uma relação de causalidade: a sanção pode causar o comportamento do indivíduo – seja pela ameaça, seja pela promoção – porque se pressupõe algum tipo de racionalidade (como a utilidade) ou, quando muito, porque se presume uma abstração do instinto (como nas linhas behavioristas). Ela seria, no mínimo, uma condição a ser levada em consideração na seleção de meios para os fins desejados.

A relevância da sanção nas teorias clássicas parece acompanhar aquela atribuída racionalidade da ação. Mais ainda, acompanha as tentativas de atribuir à ação previsibilidade. Conforme a ciência social precisou ampliar a noção de racionalidade, a noção de s anção foi ampliada –e não alterada ou superada – alcançado a vagueza que tem hoje. Assim, a tradição positivista radical apresentou uma tendência a usar a noção comum de sanção como parte do cálculo de previsão da ação e, nos casos mais extremos, como causa da ordem social114. Do mesmo modo, os idealistas afastaram-na do centro da ação pelos mesmos motivos que afastaram a busca pela racionalidade intrínseca à ação. Os de um lado sofreram com resultados empíricos inesperados, não previsíveis pelo cálculo utili tarista – e reagiram chamando-os de irracionais –, os de outro, por precisar recorrer a categorias muito abstratas de ordem.

Outra explicação possível para a amplitude da noção comum de sanção é o aumento de relações estudadas pelas ciências sociais. O problema da ordem, é importante lembrar, é um problema já resolvido. Só é possível estudá-lo porque se vive em uma ordem. As ciências sociais, a sociologia especificamente, não alterou totalmente sua pergunta guia, mas mudou a percepção de o quanto cada fenô meno social era parte da ordem. HOBB ES trata do problema da segurança e LOC KE das vantagens comuns,

114 O caso extremo ser ia HO B B E S q ue, par a PAR S O N S, alo ngo u a ideia de

racio nalidade par a co mpr eender a to talid ade das ações. V. T . PAR S O N S. Estru tu ra...op.cit . p 13 4 -5. Par tindo -se de HO B B E S é po ssível relacio nar essa ideia d a

relação de causalid ade entre sanção e ord em co m a def inição d e poder político co mo derivado d a vio lência, d efinição essa q ue chegar á até WE B E R.

mas DUR KH EIM já tratará de uma variedade muito maior de temas, trabalho,

suicídio, religião, os títulos mais conhecidos. WEBER tentará desenvolver

uma sociologia ainda mais compreensiva. E eles são apenas exemplos. A ordem estava presente em todos esses casos. Esse aumento de temas – possivelmente efeito das pesquisas das linhas empíricas – também gerou, então, um aumento de situações em que se percebia a rel ação ação-ordem- reação contida na noção comum de sanção. A noção simplesmente foi levada a um grau alto de abstração e indefinição até restar apenas a relação. Impõe-se, agora, ver como essa relação não é plenamente compatível com as premissas da teoria dos sistemas.

No documento A sanção jurídica da sociedade (páginas 76-79)