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Sanabilidade da falta (ou do vício) de um ou mais requisitos de admissibilidade

No documento Rodrigo Voltarelli de Carvalho (páginas 144-148)

CAPÍTULO IV – SANABILIDADE DA AUSÊNCIA E VÍCIOS DE (QUASE) TODOS

4.1. Sanabilidade da falta (ou do vício) de um ou mais requisitos de admissibilidade

Em regra, como adiantado no tópico anterior, caso o relator designado para o julgamento do recurso interposto constate a existência de um ou mais vícios relativos aos requisitos de admissibilidade recursal, ou até mesmo sua inexistência, ele deve intimar aquele que praticou o ato processual contaminado a fim de que ele sane o vício identificado, no prazo improrrogável de cinco dias úteis.

No caso de interposição de um recurso que não era cabível para impugnar o pronunciamento judicial que lhe é objeto, o recorrente deve ser intimado a ajustar seu recurso para aquele adequado no caso concreto, no prazo de cinco dias.

Como o novo Código de Processo Civil não apresenta nenhuma exceção à regra do parágrafo único do artigo 932, deve-se assumir – até que haja a consolidação da jurisprudência diante da prática forense na vigência do novo Codex – que todo e qualquer recurso interposto pode ter seu cabimento ajustado.

Essa regra deve valer, inclusive, quando o recorrente interpuser determinado recurso com fundamento em uma das suas hipóteses de cabimento e o relator identificar que deveria ter interposto aquele mesmo recurso por outra – isso pode ocorrer nos recursos de fundamentação vinculada que apresentam pluralidade de hipóteses de cabimento, tais como os embargos de declaração, o agravo de instrumento e os recursos excepcionais.

Conforme adiantado quando da análise do cabimento enquanto requisitos de admissibilidade recursal intrínseco, essa possibilidade de correção do cabimento – que deve ser determinada pelo relator no caso de não cabimento do recurso interposto – tem o potencial para diminuir a quase zero as hipóteses nas quais se deve aplicar o princípio da fungibilidade recursal, pois inexistiria razão para o tribunal conhecer um recurso pelo outro, bastaria determinar que o recorrente adequasse o recurso interposto para aquele cabível.

Ainda com relação à possibilidade de se corrigir o cabimento do recurso, adequando-o a outro, existe a hipótese legal do artigo 1.032 do novo Código:

Art. 1.032. Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de 15 (quinze) dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional.

Parágrafo único. Cumprida a diligência de que trata o caput, o relator remeterá o recurso ao Supremo Tribunal Federal, que, em juízo de admissibilidade, poderá devolvê-lo ao Superior Tribunal de Justiça.

Nessa hipótese legal, o recorrente terá quinze dias úteis267 (ao invés de cinco) para: (i) adequar o cabimento do recurso interposto para recurso extraordinário; (ii) sanar a inexistência de demonstração de repercussão geral; e (iii) sanar vício nas razões recursais, que deverão ser acerca da matéria constitucional identificada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Não se trata, pois, de mero conhecimento do recurso especial como se extraordinário fosse, razão pela qual se entende indevido considerar o caput do artigo 1.032 como uma hipótese legal de aplicação do princípio da fungibilidade (ao contrário do que ocorre com a hipótese do artigo 1.033, como já analisado).

A norma do artigo 1.032 ainda revela uma outra característica relativa à sanação do conhecimento dos recursos: sempre que se identificar vício relativo a este requisito de admissibilidade recursal, identificar-se-á vícios com relação a outros requisitos de admissibilidade recursal, mormente relacionados à regularidade formal.

A mesma regra vale para as hipóteses de se verificar vício na legitimação para recorrer e no interesse em recorrer do recorrente.

Se o relator identificar algum vício, ou mesmo se tiver dúvidas com relação à legitimidade para recorrer e interesse do recorrente em interpor o recurso, deve intimar o recorrente para que emende o recurso (à semelhança do que ocorre no caso de emenda à petição inicial) a fim de que esclareça e demonstre, de forma cabal, a existência desses requisitos de admissibilidade recursal intrínsecos, sob pena de não conhecimento do recurso interposto.

De igual modo, uma vez identificado algum vício com relação aos elementos da regularidade formal do recurso, ou até mesmo, a inexistência de algum deles (como a falta de razões recursais, a falta de pedido recursal ou ainda, a falta de documentos obrigatórios no agravo de instrumento – art. 1.017, § 3º, CPC/2015 –, por exemplo), o recorrente também deve ser intimado a sanar o vício no prazo de cinco dias.

Obviamente, a inexistência de petição escrita não pode ser encarada como um vício do recurso: conforme analisado no capítulo anterior, sob a vigência do Código de 2015, todo e qualquer recurso previsto no artigo 994 deverá ser interposto através de petição escrita; se não

267 Identifica-se, nesse dispositivo, flagrante prestígio do legislador infraconstitucional à resolução de casos pelos

tribunais superiores que, em última instância, servirá para compor o “banco de dados jurisprudencial” utilizado para a verticalização das decisões sobre as matérias que forem apreciadas pelo STF e pelo STJ. Assim, se o STJ identificar uma questão constitucional que deva ser resolvida pelo STF, o legislador entende que essa é uma questão importante e que o recorrente deve ter mais que os cinco dias previstos no art. 932, § único, CPC/2015, para adequar seu recurso e viabilizar sua apreciação pelo STF.

houver esta, inexistirá recurso e, inexistindo recurso, nem sequer há que se falar em análise de requisitos de admissibilidade recursal, que dirá na possibilidade de existência de algum vício.

E não há diferença nenhuma de tratamento com relação a eventuais vícios identificados nos recursos destinados ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça.

Se for identificado algum vício ou até mesmo a falta de demonstração de algum dos requisitos de admissibilidade recursal que lhes são específicos, como o prequestionamento e a repercussão geral, por exemplo, o recorrente deverá ser intimado a saná-lo, sob pena de não conhecimento do recurso.

O mesmo vale dizer no caso de o Superior Tribunal Federal entender que o recorrente não realizou o cotejo analítico a contento entre o acórdão paradigma e o acórdão impugnado, necessário para o conhecimento do recurso especial pela alínea “c” do artigo 105, III, da Constituição Federal268.

Finalmente, com relação aos requisitos de admissibilidade recursal que podem ser sanados pelo recorrente à luz do disposto no supracitado parágrafo único do artigo 932, merece especial destaque o tratamento dado pelo novo Código ao recolhimento das custas de preparo e de porte de remessa e de retorno dos autos.

Confira-se, pela relevância, os parágrafos do artigo 1.007 do Código de 2015 relacionados à forma de preenchimento desse requisito de admissibilidade recursal em caso de vício:

Art. 1.007. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção.

[...]

268 Com isso, estanca-se a proliferação de decisões de inadmissibilidade de recurso especial, pois o recorrente

teria realizado, na óptica do STJ, mera transcrição dos acórdãos. Confira-se exemplo de decisão recente nesse sentido, que deverá se tornar rara a partir da vigência do CPC/2015:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE AFRONTA AO ART. 535 DO CPC. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. DECISÃO MANTIDA. 1. Inexiste afronta ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido analisou todas as questões pertinentes para a solução da lide, pronunciando-se, de forma clara e suficiente, sobre a controvérsia estabelecida nos autos. 2. No caso concreto, o Tribunal de origem reconheceu estar presente o perigo de dano de difícil reparação, motivo pelo qual atribuiu efeito suspensivo ao recurso de apelação. Dissentir de tal entendimento demandaria o reexame da prova dos autos, o que encontra óbice na Súmula n. 7/STJ. 3. Não se conhece do dissídio jurisprudencial suscitado no recurso especial quando descumpridas as exigências dos artigos 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ. Ressalte-se que a mera transcrição das ementas dos acórdãos apontados como paradigmas não serve para configurar a divergência. 4. Agravo regimental improvido.” (AgRg no AREsp nº 766.095/SP, Min. Rel. Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, STJ. DJe em 27.11.2015)”.

§ 2º A insuficiência no valor do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, implicará deserção se o recorrente, intimado na pessoa de seu advogado, não vier a supri-lo no prazo de 5 (cinco) dias.

[...]

§ 4º O recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção.

§ 5º É vedada a complementação se houver insuficiência parcial do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, no recolhimento realizado na forma do § 4º.

§ 6º Provando o recorrente justo impedimento, o relator relevará a pena de deserção, por decisão irrecorrível, fixando-lhe prazo de 5 (cinco) dias para efetuar o preparo.

§ 7º O equívoco no preenchimento da guia de custas não implicará a aplicação da pena de deserção, cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de 5 (cinco) dias.

A aplicação da pena de deserção ao recorrente que falha no recolhimento das custas de preparo e de porte de remessa e de retorno não é automática e nem poderia ser pelo tudo o quanto exposto adrede.

Dessa forma, o legislador infraconstitucional federal, por opção de política judiciária, estabeleceu regras específicas para o recorrente sanar eventuais vícios com relação a esse requisito de admissibilidade recursal.

Confira-se os vícios identificados ex lege e a forma de corrigi-los:

a) recolhimento insuficiente (pagamento a menor) das custas de preparo e de porte de remessa e de retorno dos autos: o recorrente será intimado a complementar as custas devidas no prazo de cinco dias úteis;

b) não comprovação de nenhum recolhimento de custas no ato de interposição do recurso: intimação do recorrente para realizar o pagamento em dobro das custas devidas;

c) não comprovação de nenhum recolhimento de custas no ato de interposição do recurso, mas com prova, pelo recorrente, de justo impedimento: o recorrente deve ser intimado a realizar o pagamento das custas no prazo de cinco dias úteis; e,

d) equívoco no preenchimento das guias de custas: o recorrente será intimado a, no prazo de cinco dias úteis, sanar o vício (se o recorrente não puder fazer prova de que ele realizou o recolhimento das custas devidas, a despeito da incorreção das guias, ele deve, já nesse prazo, realizar o recolhimento em dobro dos valores devidos; se só se puder fazer prova do recolhimento parcial, o recorrente deverá, além de comprovar esse recolhimento, realizar a complementação do pagamento).

O não atendimento à determinação do órgão julgador para que o recorrente sane vício com relação ao recolhimento das custas de preparo e de porte de remessa e de retorno acarreta a aplicação da pena de deserção e o não conhecimento do recurso por esse motivo.

Destaca-se, ainda, que as hipóteses previstas nos parágrafos do artigo 1.007 não são cumulativas (como se depreende de seu parágrafo quinto): caso o recorrente seja intimado a sanar algum vício com relação a esse requisito de admissibilidade recursal, ele tem que fazê- lo a contento nessa primeira e única oportunidade de correção, sob pena de deserção.

Vale dizer, exemplificativamente, que é defeso ao recorrente, intimado a pagar em dobro as custas devidas ao Estado, recolher esse valor a menor, pois ele não será intimado a complementar esse valor: haverá aplicação imediata da pena de deserção e seu recurso será inadmitido.

Destaca-se, por derradeiro, pela exegese do parágrafo primeiro do artigo 938 do novo Código de Processo Civil, que os vícios sanáveis podem ter sua correção determinada mesmo se identificados no momento do julgamento em sessão do tribunal.

Ademais, se for possível, o relator deve determinar que o vício seja sanado imediatamente, prosseguindo no julgamento do mérito do recurso (art. 938, § 2º, CPC/2015).

No documento Rodrigo Voltarelli de Carvalho (páginas 144-148)