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Rodrigo Voltarelli de Carvalho

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Rodrigo Voltarelli de Carvalho

Requisitos de admissibilidade recursal no novo Código de Processo Civil

Mestrado em Direito

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP

Rodrigo Voltarelli de Carvalho

Requisitos de admissibilidade recursal no novo Código de Processo Civil

Mestrado em Direito

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito Processual Civil, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Arlete Inês Aurelli.

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Banca Examinadora

_________________________________

_________________________________

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À minha família, em especial aos meus pais, maior fonte inspiradora e incentivadora da minha vida.

À minha orientadora, pelos ensinamentos, orientação e paciência.

(5)

RESUMO

Para que qualquer pessoa (física ou jurídica) possa exercer seu direito de ação, direito este garantido pela Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, é necessário que essa pessoa preencha uma série de requisitos (condições da ação e pressupostos processuais de existência e validade). Caso não o faça, o conflito dessa pessoa nem sequer será examinado pelo Poder Judiciário. O mesmo raciocínio lógico é aplicável àquela parte da relação jurídica processual que pretende recorrer de determinada decisão: faz-se mister que a parte que se sinta prejudicada por determinada decisão judicial preencha outra série de requisitos para que o seu recurso seja admitido, processado e julgado pelo Tribunal ao qual for direcionado. O presente estudo trata exata e especificamente desses requisitos necessários para o conhecimento, processamento e julgamento dos recursos, notoriamente conhecidos como requisitos de admissibilidade recursal. Centralmente, as questões debatidas por este trabalho são aquelas relativas (i) à análise dos requisitos de admissibilidade recursal expressamente previstos no novo Código de Processo Civil, (ii) à forma adequada de preencher esses requisitos de admissibilidade, e (iii) às consequências que serão suportadas pela parte recorrente em razão de eventual falta de um ou mais dos requisitos de admissibilidade no recurso interposto. Faz-se necessário, pois, a ambientalização do Novo Código de Processo Civil no cenário atual do Direito Processual no Brasil – mormente à luz dos princípios e argumentos motivadores para seu debate, edição e sanção – e a identificação dos requisitos de admissibilidade recursal. Depois de identificados, buscar-se-á resposta à pergunta acerca dos efeitos da eventual ausência de um dos requisitos de admissibilidade recursal identificados, sistematizando-os sob esse aspecto. Em adiantada conclusão, observar-se-á que o legislador ordinário infraconstitucional alçou a tempestividade ao topo da hierarquia dos requisitos de admissibilidade – vez que insanável – e optou por tratar o vício em quase todos os outros requisitos de admissibilidade como sanáveis.

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ABSTRACT

To any person (natural or legal) exercise their right of action, which is guaranteed by the 1998’s Constitution of the Federative Republic of Brazil, it is essential that the person fulfill several requirements (conditions of action and procedural assumptions of existence and validity). Failing to do so, that person’s conflict will not even be examined by the Judiciary. The same logical reasoning applies to the one who aims to appeal a certain decision: the one who feels aggrieved by any given decision has to fulfill another series of requirements to have its appeal accepted, processed and judge by the Court. This paper studies those requirements that one of the litigants needs to fulfill in order to have its appeal accepted, processed and judge, notoriously known as appeal’s admissibility requirements. Centrally, the issues discussed in this paper are those concerning (i) the analysis of the appeal’s admissibility requirements expressly set forth in the New Brazilian Civil Procedure Code, (ii) the proper way to fulfill these admissibility requirements, and (iii) the consequences of not fulfilling them when filing an appeal. Therefore, it is necessary the greening of the New Brazilian Civil Procedure Code in the present scenario of Procedure Law in Brazil and identification of those admissibility requirements. Once identified, it will be answered the question about the effects of absence of one of those admissibility requirements, systematizing them in this regard. In early conclusion, it will be noted that the timely filing of an appeal is at the top of the hierarchy of admissibility requirements – since it is incurable and since the absence of almost any other of these requirements can be amended.

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LISTA DE QUADROS

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

CAPÍTULO I – DIREITO DE RECURSO ... 15

1.1. Direito de ação e direito de recurso ... 16

1.2. Duplo grau de jurisdição ... 22

1.3. Recurso ... 27

1.4. Princípios processuais dos recursos relacionados ao juízo de admissibilidade ... 29

1.5. Recursos em espécie no novo Código de Processo Civil – Lei no 13.105/2015 ... 34

CAPÍTULO II – JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL ... 38

2.1. Juízo de admissibilidade recursal no novo Código de Processo Civil ... 41

2.2. Projeto de Lei nº 2.384/15... 45

CAPÍTULO III – REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL NO NOVO CPC ... 46

3.1. Nomenclatura adotada: requisitos de admissibilidade recursal ... 47

3.2. Classificação dos requisitos de admissibilidade recursal no novo CPC ... 49

3.3. Requisitos intrínsecos ... 52

3.3.1. Cabimento do recurso ... 52

3.3.1.1. Pronunciamentos judiciais recorríveis ... 53

3.3.1.2. Crítica ao artigo 1.001 do novo CPC ... 59

3.3.1.3. Recursos cabíveis para impugnar cada pronunciamento judicial ... 61

3.3.1.4. Considerações acerca do princípio da fungibilidade recursal sob a óptica do novo CPC ... 77

3.3.2. Legitimação para recorrer ... 78

3.3.2.1. Legitimação para recorrer da parte ... 80

3.3.2.2. Legitimação para recorrer de terceiro ... 81

3.3.2.3. Legitimação para recorrer do Ministério Público ... 83

3.3.2.4. Legitimação para recorrer do amicus curiae ... 85

3.3.2.5. Legitimação para recorrer do advogado ... 87

3.3.3. Interesse em recorrer ... 89

3.3.3.1. Utilidade do recurso ... 90

3.3.3.2. Necessidade do recurso ... 93

3.3.4. Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer ... 95

(9)

3.3.4.2. Renúncia ao direito de recorrer ... 99

3.3.4.3. Aceitação do pronunciamento judicial ... 101

3.3.4.4. Ausência de comprovação na origem de interposição de agravo de instrumento, desde que arguido e provado pelo agravado ... 103

3.3.4.5. Ausência de depósito prévio de multa cominada por abuso do direito de recurso ... 106

3.3.4.6. Oposição de dois embargos de declaração sequenciais julgados como manifestamente protelatórios ... 107

3.3.4.7. Considerações acerca das chamadas “súmulas impeditivas de recurso” do Código de 1973 e da sistemática do Código de 2015... 108

3.4. Requisitos extrínsecos... 110

3.4.1. Tempestividade ... 111

3.4.2. Recolhimento das custas de preparo e de porte de remessa e de retorno ... 116

3.4.3. Regularidade formal ... 119

3.4.3.1. Petição escrita subscrita por procurador constituído nos autos ... 121

3.4.3.2. Identificação do processo e das partes ... 122

3.4.3.3. Exposição de fato e de direito ... 122

3.4.3.4. Razões recursais... 123

3.4.3.5. Pedido de reforma, invalidação ou aclaramento do pronunciamento judicial impugnado ... 124

3.5. Requisitos de admissibilidade específicos dos recursos nos tribunais superiores 125 3.5.1. Prequestionamento ... 126

3.5.2. Repercussão geral ... 130

3.5.2.1 A origem da repercussão geral ... 132

3.5.2.2. Aspectos fundamentais da repercussão geral ... 133

3.6. Recurso adesivo ... 137

3.7. Remessa necessária ... 138

CAPÍTULO IV – SANABILIDADE DA AUSÊNCIA E VÍCIOS DE (QUASE) TODOS OS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL NO NOVO CPC ... 141

4.1. Sanabilidade da falta (ou do vício) de um ou mais requisitos de admissibilidade recursal ... 144

(10)
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INTRODUÇÃO

Estudiosos e operadores do Direito – assim como toda a sociedade brasileira, porque não? – estão ansiosos em relação ao novo Código de Processo Civil, cujo texto já foi sancionado pela Presidente Dilma Rousseff.

O novo Código de Processo Civil, insculpido na Lei Federal nº 13.105, de 16 de março de 2015, está em vacatio legis – que nada mais é do que o intervalo de tempo entre a data de publicação da lei e a data de sua entrada em vigor –, de modo que passará a ter vigência, ou seja, passará a existir no ordenamento jurídico pátrio, e deverá ser observada em 18 de março de 2016, um ano após sua publicação no Diário Oficial (que ocorreu em 17 de março de 2015), conforme o artigo 1.045 do novo Código.

Passadas todas as discussões teóricas a respeito das possíveis redações do novo Código enquanto seu texto tramitava nas casas do Poder Legislativo, tem-se, neste momento – às vésperas de sua entrada em vigor – segurança com relação à legislação processual civil que deverá ser observada na práxis do Direito.

Conforme cediço, ubi homo ibi societas; ubi societas, ibi jus (onde há o homem, há sociedade e onde há sociedade, há Direito).

Isso porque, não há dúvidas de que a ordem jurídica tem como objetivo pacificar e harmonizar as relações entre os sujeitos de determinado Estado, com o fim de maximizar os valores humanos e minimizar os conflitos, sacrifício e desgaste entre as pessoas.

Nessa esteira, o Direito Processual, como ramo do Direito, é justamente o conjunto de normas jurídicas (norma é todo elemento que objetiva direcionar a conduta dos indivíduos, sendo norma jurídica esse elemento – regra ou princípio – que objetiva direcionar a conduta dos indivíduos e que pode ser exigido através do uso da força, com o exercício do poder coercitivo) que sistematiza os instrumentos pelos quais os indivíduos devem buscar a harmonização dos conflitos emergentes de suas relações sociais intersubjetivas perante o Estado.

As regras e princípios de Direito Processual Civil, pois e por sua vez, atuam como elemento de ligação entre os sujeitos jurisdicionados e o Estado-juiz (Estado no exercício da função jurisdicional) para a solução de conflitos de natureza civil lato sensu.

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ampla e irrestritamente aplicáveis à solução de conflitos de natureza civil, comercial, tributária, administrativa, previdenciária, infância e juventude e de direitos coletivos lato sensu.

Pode-se definir o Direito Processual Civil, com segurança, como o conjunto de normas (regras e princípios) que regula e regulamenta os instrumentos, a organização e o funcionamento da jurisdição civil, com foco no exercício do direito de ação, da ampla defesa e do contraditório perante o Poder Judiciário, e que também disciplina as hipóteses de jurisdição voluntária e os métodos de resolução de conflitos extrajudiciais.

No sistema brasileiro de Civil Law (direito codificado), as principais fontes do Direito Processual Civil são a Constituição Federal e o Código de Processo Civil.

Nessa esteira, pode-se afirmar que o novo Código de Processo Civil, como fonte do Direito Processual Civil, inaugurará, a partir de sua vigência, um novo sistema normativo de Direito Processual Civil, o que, por si só, justifica a elaboração do presente trabalho (e de qualquer outro que tenha como objetivo analisar o novo arcabouço normativo que será implementado).

Nesse trabalho, além da exposição de alguns aspectos gerais da Teoria Geral do Processo Civil e da teoria que envolve os recursos propriamente ditos, para fins de ambientalização, buscar-se-á identificar, especificamente, cada requisito de admissibilidade recursal insculpido no novo Codex e a forma de cumpri-los, assegurando, também, justificativa para a elaboração do presente estudo sob o ponto de vista prático.

Para tanto, no primeiro capítulo, analisar-se-á o direito de recurso em si e seus aspectos mais relevantes, tais como definições importantes, os princípios que o englobam no ordenamento jurídico brasileiro e os recursos em espécie no novo Código de Processo Civil.

Ato contínuo, será necessária análise do juízo de admissibilidade em si e a verificação de importantes alterações ocorridas no novo Código de Processo Civil, que acabam por reafirmar a importância desse trabalho.

Já no terceiro capítulo, serão analisados os requisitos de admissibilidade no novo Código de Processo Civil, forma de cumprimento e comparação com o regime atual.

Donde se indaga: será que há alteração relevante nesse sentido?

(13)

recorrente no caso de não preenchimento dos requisitos de admissibilidade recursal ou no caso de serem identificados defeitos em seu cumprimento.

Mas, afinal, quais são os requisitos de admissibilidade recursal trazidos pelo Novo Código de Processo Civil? Há inovação com relação àqueles previstos no Código de Processo Civil de 1973? Como demonstrar seu cumprimento? Quais são os efeitos suportados pela parte recorrente se não os demonstrar?

As respostas a essas perguntas, e a outras mais que advierem do estudo aqui proposto, viabilizarão a sistematização hierárquica dos requisitos de admissibilidade recursal, sistematização esta ausente inclusive nos dias de hoje.

Explica-se: a consulta de manuais de Direito Processual Civil e obras correlatas gera a percepção de que não haveria necessidade de hierarquizar os requisitos de admissibilidade recursal, uma vez que a falta de demonstração de qualquer um deles no recurso interposto acarretaria o seu não conhecimento pelo Tribunal responsável pelo julgamento.

A dificuldade em sistematizar os requisitos de admissibilidade recursal é justamente essa, a aparente horizontalidade dos requisitos de admissibilidade recursal entre si, no que diz respeito à sua importância no recurso e à consequência para a parte recorrente que não o cumpre conforme estabelecido em lei.

A partir dessas premissas, percebe-se que o advento do novo Código de Processo Civil exige que temas antes estabilizados pela doutrina e pela jurisprudência sejam revisitados, como os requisitos de admissibilidade recursal, matéria de máxima importância dentro do Direito Processual Civil.

Por isso, elege-se esse tema como objeto do presente estudo.

Para tanto, opta-se, neste trabalho, por um enfoque sob a óptica do Direito positivo, limitando-se a investigação e os estudos dos requisitos de admissibilidade recursal – tal como proposto – tão somente ao texto da Lei nº 13.105/15 (novo Código de Processo Civil), à eventual comparação com texto da Lei nº 5.869/73 (Código de Processo Civil de 1973) e às normas da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 aplicáveis ao tema, normas estas que formam o sistema do Direito Processual Civil no país (em conjunto, obviamente, com outras leis extravagantes que eventualmente tratem sobre matéria de Direito Processual e que não serão abordadas neste trabalho).

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CAPÍTULO I – DIREITO DE RECURSO

Sumário:

1.1. Direito de ação e direito de recurso. 1.2. Duplo grau de jurisdição. 1.3. Recurso. 1.4. Princípios processuais dos recursos relacionados ao juízo de admissibilidade. 1.5. Recursos em espécie no novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/2015.

O direito de recurso é um direito subjetivo e fundamental, não autônomo, uma vez que umbilicalmente dependente do prévio exercício do direito de ação.

De acordo com o novo Código de Processo Civil, o direito de recurso pode ser exercido sempre que houver um pronunciamento judicial com conteúdo decisório que prejudique uma das partes envolvidas no processo, um terceiro, Ministério Público ou amicus curiae.

Destaca-se, desde logo, que nesta dissertação, utilizar-se-á a nomenclatura “pronunciamento judicial” para os atos processuais praticados pelos representantes do Poder Judiciário, em detrimento da nomenclatura legal “pronunciamentos do juiz”, estabelecida na Seção IV do Capítulo I, do Título I do Livro IV do novo Código de Processo Civil.

Isso porque esse termo é equivocado ou, no mínimo, insuficiente: o termo “juiz”, ali empregado, deve ser expandido a fim de englobar os pronunciamentos proferidos por todos os órgãos julgadores, sejam eles monocráticos ou colegiados.

Se, de um lado, é verdade que sentença só pode ser proferida por juiz, e acórdão, por órgão colegiado de tribunal, de outro lado, não é verdade que decisões interlocutórias e despachos só podem ser proferidos por juízo singular, uma vez que também são proferidos por desembargadores e ministros dos tribunais superiores.

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interlocutórias e despachos (artigo 203, parágrafos primeiro, segundo e terceiro1) e os

acórdãos (artigo 2042).

Esse direito de recurso é exercido através da interposição de um dos recursos previstos em lei para impugnar o pronunciamento específico, momento no qual o recorrente deverá preencher todos os requisitos de admissibilidade, sob pena de não conhecimento do recurso e consequente trânsito em julgado da decisão impugnada.

Uma vez recebido o recurso, inicia-se novo grau de jurisdição sobre aquela questão3 já decidida.

1.1. Direito de ação e direito de recurso

A jurisdição4 decorreu da evolução da própria sociedade bem como da necessidade de pacificação dos conflitos intersubjetivos sem que o vencedor fosse o mais forte, mas sim aquele que realmente tivesse direito à pretensão ou à resistência à pretensão do outro indivíduo envolvido no conflito de interesses5.

A jurisdição se desenvolveu como função estatal e tem como uma de suas características mais marcantes a inércia: o Estado, através do Poder Judiciário (e, por sua vez, através dos magistrados), só tomará conhecimento e movimentar-se-á para dar solução jurídica adequada a um conflito de interesses se qualquer das partes envolvidas nesse conflito levá-lo ao seu conhecimento.

1Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§ 1º Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução.

§ 2º Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1º. § 3º São despachos todos os demais pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte.

§ 4º Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessário.

2Art. 204. Acórdão é o julgamento colegiado proferido pelos tribunais.

3 Entende-se por “questão” no processo todas as matérias que exigem pronunciamento judicial e que podem

causar prejuízo.

4 Em 1965, Giuseppe Chiovenda já definia “a jurisdição como a função do Estado que tem por escopo a atuação

da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva”. (CHIOVENDA, 1965b, p. 91-92).

5 A origem da jurisdição é o momento no qual o Estado absorve para si, de forma exclusiva, os poderes de

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É exatamente dessa característica, da inércia, que o ser humano toma consciência de um direito fundamental que detém, naturalmente: o direito de ação.

As relações jurídicas existentes na sociedade são reguladas pelo direito substantivo, emanado, num primeiro momento, do Direito Natural.

Obviamente, seja pelo descumprimento de uma norma, seja pelo abuso de direito ou mesmo pela existência de direitos conflitantes, a sociedade também é composta por diversos conflitos de interesses, sendo que aquele que se entende por titular de um direito ameaçado ou efetivamente violado, pode exigir o seu cumprimento.

Historicamente, o ser humano busca, num primeiro e primitivo momento, impor seu alegado direito com base na força – o mais forte impõe sua vontade ao mais fraco – e, num segundo momento, com a evolução da organização social, busca alternativas para a composição racional da celeuma que se apresenta, sendo que, inexistindo a possibilidade de composição entre os próprios envolvidos, havia a necessidade de um terceiro, imparcial, decidir em favor de um, de outro, ou de nenhum deles.

É desse segundo cenário, no qual as partes necessitam que um terceiro decida a celeuma existente entre eles – surgimento e consolidação da jurisdição, conforme analisado no tópico anterior deste capítulo –, que se extrai o direito de ação, atualmente difundido de modo amplo na Teoria Geral do Processo.

Muitas são as teorias que tentam explicar a natureza jurídica da ação.

Embora se possa buscar sistematizar as ações em período anterior, toma-se como ponto de partida o Direito Romano, especificamente aquilo que se pode chamar, ainda que precariamente, de Direito Processual Romano – até aquele momento (e até hoje, na verdade), "processo" era sinônimo de imposição de força.

Pode-se dividir a história romana em três fases bem definidas6, quais sejam:

(a) Monarquia: desenvolvem-se nessa fase as noções de jurisdição, o Poder de Império como meio de coerção e um processo formalista, as legis actiones, caracterizadas pela tipicidade (cinco ações possíveis), pela oralidade e por ser composta de duas fases, uma de "conhecimento e produção de provas", diante de um pretor, e outra de "julgamento", realizado por um leigo (o qual decidia se o autor

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"ganhava ou perdia"), sendo que a execução da sentença também era perante o pretor, "funcionário" do Rei;

(b) República: evolução do Direito Privado, desenvolvimento do Direito como ferramenta para o exercício do Poder, surgimento do "recurso de apelação" para realização e unificação da vontade soberana em todo o território romano e o processo formular, em duas fases e com a ampliação da produção de provas;

(c) Império: o processo, como forma de controle e emanação do poder imperial, passou a ser exclusivamente perante pretores e de extrema oficialidade.

Quando, historicamente posterior ao Império Romano, propôs-se a definição do conceito e natureza jurídica da ação, preexistente, entendeu-se, inicialmente, a ação como o direito de pedir em juízo aquilo que seria devido ao autor.

"Assim, pela escola denominada clássica ou imanentista (ou, ainda, civilista, quando se trata de ação cível), a ação seria uma qualidade de todo direito ou o próprio direito reagindo a uma violação"7 – essas teorias, por óbvio, falham em explicar o pedido julgado improcedente e a ação declaratória negativa.

Na segunda metade do século XIX, passa-se a verificar a autonomia da ação em relação ao direito material, visão esta decorrente de diversos estudos, nos quais o processo é compreendido como uma relação jurídica, de onde se aufere que o direito de ação é exercível não só contra o devedor, mas também contra o Estado.

Estabelecida a ação como direito autônomo, verifica-se a existência de diversas teorias objetivando estabelecer a sua natureza jurídica8, das quais algumas merecem destaque para fins de evolução histórica.

Pela teoria concretista, entende-se que a ação tem caráter público, dirigida contra o Estado, e representa o direito à obtenção de uma sentença favorável, o que, por motivos óbvios, não se sustenta.

7 CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2008, p. 272.

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A teoria do Direito Potestativo de Chiovenda9 sugere que a ação é dirigida à parte

adversária e que isso não lhe confere caráter público. No entanto, o direito à ação traria, em contrapartida, a obrigação de o Estado emitir um pronunciamento favorável.

Já a teoria da ação como direito abstrato entende que tal direito é geral e abstrato, ou seja, exercitável ainda que não seja o autor o titular do direito material invocado. Exigir-se-ia apenas a referência a um direito que merecesse ser juridicamente protegido.

Ainda na atualidade, diversas definições são dadas para ação e sua natureza jurídica. Enrico Tullio Liebman, com enorme influência na doutrina atual, define ação "como direito subjetivo instrumental – e, mais do que um direito, um poder ao qual não corresponde a obrigação do Estado, igualmente interessado na distribuição da justiça; poder esse correlato com a sujeição e instrumentalmente conexo a uma pretensão material"10.

Sob uma óptica mais procedimental, Arruda Alvim define ação como "direito [subjetivo] constante da lei processual civil [também a qualifica como instituto processual mais a frente], cujo nascimento depende de manifestação da nossa vontade. Tem por escopo a obtenção da prestação jurisdicional do Estado, visando, diante da hipótese fático-jurídica nela formulada, à aplicação da lei (material)"11.

O próprio Arruda Alvim ainda esclarece que

ação, na escorreita conceituação de Humberto Theodoro Jr., é ‘um direito abstrato (direito à composição do litígio), que atua independentemente da existência ou inexistência do direito substancial que se pretende fazer reconhecido ou executado. É, assim e apenas, o direito à prestação jurisdicional, direito instrumental, com que se busca a tutela jurídica. O direito de ação vem garantido, no plano constitucional, pelo art. 5º, XXXV; o efetivo exercício do direito de ação processual civil, contudo, fica condicionado ao preenchimento de determinados requisitos (condições da ação, por exemplo) impostos pela lei infraconstitucional’.”

Para a finalidade do presente estudo, propõe-se um conceito de direito de ação extraído da definição proposta por Cintra, Grinover e Dinamarco12: ação é um direito subjetivo, autônomo, garantido constitucionalmente, pelo qual o jurisdicionado pode exigir do

9 CHIOVENDA, 1965a, p. 25-31.

10 CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2008, p. 275.

11 ARRUDA ALVIM, J., 2010, p. 405.

12Ação, portanto, é direito ao exercício da atividade jurisdicional (ou o poder de exigir esse exercício). [...]

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Estado a prestação de um dever-poder para que haja a imposição de uma solução de um litígio não resolvido apenas pelos jurisdicionados.

Desse direito de ação se extrai o direito de recurso, que, ao que tudo indica, é tão natural (o inconformismo do ser humano decorre da sua própria natureza) e fundamental (necessário para a manutenção da ordem social) quanto o primeiro, embora só possa ser exercido após o exercício do direito de ação. Em outras palavras, o direito de recorrer, que pode ou não ser exercido por alguém que se sinta prejudicado por determinado pronunciamento judicial, emana do direito de ação e depende dele – não é autônomo.

Faz-se mister, finalmente, definir a natureza de um direito fundamental, verificando-se o que define algo como um direito de alguém (direito subjetivo) e de caráter fundamental, como acredita-se sejam os direitos de ação e de recurso.

Doutrinariamente, "direito subjetivo" revela um direito positivado concedido ao ser humano que, por detê-lo, pode, ou não, exigir sua observância por parte dos demais personagens da sociedade, observância imposta esta que corresponderá a uma obrigação de fazer, abster-se ou de tolerar.

Pontes de Miranda define o que seria o direito subjetivo:

O direito subjetivo não é a faculdade, ainda que seja ela uma só; o direito subjetivo é que contém a faculdade. Porque o direito subjetivo é o poder jurídico de ter a faculdade. A faculdade é fática, é meio fático para a satisfação de interesses humanos; o direito subjetivo é jurídico, é meio jurídico para a satisfação desses interesses. Na ilha deserta, sem ordenamento jurídico, o náufrago dá a outro náufrago o fruto que colher; não doa. Doação é categoria jurídica. Se esse náufrago diz a outro que encontrou caverna, em que poderiam, sem perigo, dormir, não fez nenhuma declaração de vontade que o obrigue a irem os dois dormir na caverna. Há, aí, faculdade, e não há direito subjetivo. Não há direito subjetivo sem regra jurídica (direito objetivo), que incida sobre suporte fático tido por ela mesma como suficiente. Portanto, é erro dizer-se que os direitos subjetivos existiram antes do direito objetivo; e ainda o é afirmar-se que foram simultâneos. A regra jurídica é prius, ainda quando tenha nascido no momento de se formar o primeiro direito subjetivo”.13

Definição essa, irretocável e complementada pelas lições de Tércio Sampaio Ferraz Júnior:

[...], percebemos que a expressão direito subjetivo, em síntese, considerada à luz de sua função jurídica, aponta para a posição de um sujeito numa situação comunicativa, que se vê dotado de faculdades jurídicas (modos de interagir) que o titular pode fazer valer mediante procedimentos garantidos por normas. É possível, pois, ainda que sem rigor lógico absoluto, identificar no uso do conceito alguns

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elementos básicos que constituem, por assim dizer, a sua estrutura. Em primeiro lugar aparece o sujeito do direito. Pode tratar-se de uma pessoa, de um grupo de pessoas ou apenas de uma entidade caracterizada por um conjunto de bens. O sujeito é o titular do direito. Em segundo lugar podemos falar do conteúdo do direito. Generalizando, trata-se da faculdade específica de constranger o outro, no caso dos direitos pessoais, ou de dispor (gozar e usar a coisa) sem turbação de terceiros, no caso dos direitos reais. Distinguimos, em terceiro lugar, o objeto do direito. Em princípio trata-se do bem protegido [...]. Por fim, mencionemos a proteção do direito, isto é, a possibilidade de fazer valer o direito por meio da ação processual correspondente. É com base nestes elementos, ora presentes, ora ausentes, e com manifestações distintas, que se classificam os direitos subjetivos”.14

Esclarecido o conceito de direito subjetivo, socorre-se a José Afonso da Silva para a identificação das características, ou melhor, qualificação, de um direito (subjetivo) como fundamental.

Ao adotar a nomenclatura "direitos fundamentais do homem" como a mais adequada, o jurista estabelece que

no qualitativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados.”15

Com fundamento nesses necessários conceitos, pode-se concluir que tanto o direito de ação como o direito de recurso são direitos fundamentais do homem, sendo o primeiro, autônomo, e o segundo, obviamente, decorrente e dependente do primeiro.

É natural, diga-se, que o ser humano tenha o direito de apresentar sua pretensão ao terceiro imparcial responsável pela resolução de conflitos, conforme legitimado pela própria sociedade, assim como é natural a indignação do ser humano com uma decisão que não lhe é favorável e também a vontade de ouvir uma segunda opinião sobre o mesmo assunto.

Nesse sentido, destaca-se as considerações preliminares elaboradas por Araken de Assis antes de tentar definir “recurso”:

O inconformismo arrebata homens e mulheres nas situações incômodas e desfavoráveis. Poucos aquiescem passivamente à adversidade. Envolvendo a rotina da condição humana conflitos intersubjetivos, resolvidos por intermédio da intervenção do Estado, a vida em sociedade se transforma em grandiosa fonte de incômodos. E a própria pendência do mecanismo instituído para equacionar os conflitos provoca dissabores de outra natureza. A causa mais expressiva do descontentamento, cumulada à sensação asfixiante de desperdício de tempo valioso,

14 FERRAZ JÚNIOR, 2007, p. 153/154.

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avulta nos pronunciamentos contrários ao interesse das partes e de terceiros emitidos neste âmbito. O homem e a mulher na sociedade pós-moderna [...] reagem muito mal a qualquer demora e a soluções que não lhes atendam plena e integralmente os interesses”.16

1.2. Duplo grau de jurisdição

É impossível se estudar qualquer aspecto relacionado aos recursos, seja sob uma óptica generalista, seja sob uma óptica mais específica, sem se analisar, ainda que não exaustivamente, o princípio do duplo grau de jurisdição de forma destacada dos demais.

O jurisdicionado litigante em um processo só terá acesso ao duplo grau de jurisdição – ou seja, a um segundo julgamento sobre uma questão já decidida por um órgão do Poder Judiciário hierarquicamente superior – se ele interpuser recurso que preencha todos os requisitos de admissibilidade recursal.

Pode-se dizer que o duplo grau de jurisdição existe em razão da existência dos recursos e que estes, por sua vez, existem em razão do duplo grau de jurisdição.

Se, de um lado, é natural do ser humano o inconformismo com uma decisão que não lhe seja favorável, também é natural que esse mesmo ser humano queira que aquela decisão que não lhe foi favorável seja analisada por um órgão hierarquicamente superior, ainda que isso não represente garantia de uma decisão qualitativamente melhor.

Como já estabeleceu Moacyr Amaral Santos, o duplo grau de jurisdição (e os próprios recursos em si) “satisfaz a uma exigência humana”, pois “ninguém se conforma com uma única decisão, que lhe seja desfavorável”17.

Moacyr Amaral Santos também define o princípio do duplo grau com exímia precisão:

O princípio do duplo grau de jurisdição, consagrado pela Revolução Francesa, consiste em admitir-se, como regra, o conhecimento e decisão das causas por dois órgãos jurisdicionais sucessivamente, o segundo de grau hierárquico superior ao primeiro. Nesse princípio se acha um dos alicerces dos recursos e de sua teoria.”18

Araken de Assis denomina-o como “princípio do duplo grau na unidade do processo” e o explica:

16 ASSIS, 2015, p. 43.

(23)

Ao vencido na primeira apresentação da solução do conflito, raramente convencido desse resultado, a lei confere o direito de provocar outra avaliação do seu alegado direito, de ordinário perante órgão judiciário diverso e de superior hierarquia. Às vezes, a reapreciação ocorre perante o mesmo órgão judiciário, alterada ou não a composição originária. A remessa da causa para outra avaliação, em órgão diferente, sugeriu a formulação básica e a ulterior explicitação do princípio do duplo grau de jurisdição. Fiel à natureza do recurso, aqui adotada, o duplo grau se efetiva no mesmo processo. Por essa razão, receberá a designação de princípio do duplo grau na unidade do processo”.19

Araken de Assis, no entanto, chama a atenção para o cuidado que se deve ter no emprego da expressão “duplo grau”, mormente pela unidade da jurisdição, indicando seu real significado:

Todo cuidado é pouco na questão terminológica inserida na clássica expressão ‘duplo grau’. Entre nós, a jurisdição revela-se imune a graus. O direito brasileiro adotou o princípio da unidade jurisdicional. A separação baseia-se na hierarquia, e não na qualidade intrínseca do corpo julgador. Nesse sentido, a consagrada nomenclatura – duplo grau –, induzindo a ideia de pluralidade de jurisdições, revela-se imprópria. À semelhança do que sucede em outras situações, não convém substitui-la por outra mais adequada ao regime tratado, pois o apuro terminológico em nada auxilia a clareza em áreas impregnadas pela tradição”.20

O princípio do duplo grau de jurisdição, portanto, traduz justamente a vontade da parte derrotada em ter um segundo julgamento, no qual serão analisados novamente suas razões e pedidos.

Tem-se, desta forma, que a interposição de recurso com o objetivo de reformar ou anular um pronunciamento judicial deve ser apreciado por um órgão julgador hierarquicamente superior, justamente para que se possa impor o novo pronunciamento como pronunciamento válido, em substituição ao primeiro, ainda que o novo pronunciamento seja no mesmo sentido daquele recorrido.

A justificativa para a necessidade do duplo grau de jurisdição é de grande simplicidade, uma vez que “reside na circunstância de o pronunciamento do primeiro grau se sujeitar a erros e imperfeições”21.

Afinal,

é um dado da experiência comum que uma segunda reflexão acerca de qualquer problema frequentemente conduz à mais exata conclusão, já pela luz que projeta sobre ângulos até então ignorados, já pela oportunidade que abre para a

19 ASSIS, 2015, p. 82-83.

(24)

reavaliação de argumentos a que no primeiro momento talvez não se tenha atribuído o justo peso.”22

O segundo julgamento de uma questão já decidida – provocado pela interposição de um recurso que preencha todos os seus requisitos de admissibilidade – viabiliza, ou melhor, possibilita a correção de errores in procedendo e errores in judicando cometidos pelo juízo a quo.

Destaca-se, no entanto, que a presunção de que o segundo julgamento, por um órgão do Poder Judiciário hierarquicamente superior, é qualitativamente superior ao primeiro não é uma presunção absoluta. A verdade é que nem sempre o pronunciamento judicial proferido por um colegiado será qualitativamente melhor que o pronunciamento judicial impugnado, embora essa seja uma expectativa legítima dos jurisdicionados envolvidos em um processo.

Araken de Assis destaca essa questão:

É flagrante a falácia do argumento: em primeiro lugar, o atributo da experiência e o da sabedoria acumulada por força de numerosos julgamentos não se estende a todos os magistrados integrantes do segundo grau, e, simultaneamente, não socorre a todos os do primeiro grau; ademais, verdadeira que seja a generalização, a favor da qual inexiste evidência concreta, então as causas deveriam começar diretamente no segundo grau, abolindo a inútil primeira etapa. Em outras palavras, a vantagem residiria na composição do órgão, e não no hipotético duplo exame acometido a dois órgãos diferentes”.23

Feitas essas considerações, passa-se a um dos aspectos mais polêmicos da doutrina autorizada acerca do princípio do duplo grau de jurisdição, a saber: se esse princípio tem ou não natureza constitucional.

Essa dúvida existe justamente pelo fato de não haver previsão expressa do princípio do duplo grau de jurisdição na Constituição Federal do Brasil de 1988.

Na verdade, apenas a Constituição Política do Império do Brazil, de 1824, outorgada pelo então Imperador Dom Pedro I, tinha previsão expressa acerca da garantia ao duplo grau de jurisdição, em seu artigo 158:

Art. 158. Para julgar as Causas em segunda, e ultima instancia haverá nas Provincias do Imperio as Relações, que forem necessarias para commodidade dos Povos.

22 BARBOSA MOREIRA, 2003, p. 237.

(25)

Desde a outorga da Constituição de 1891, portanto, o princípio do duplo grau de jurisdição não aparece previsto expressamente nas Constituições brasileiras, de modo que, desde então, discute-se se tal princípio tem ou não natureza constitucional.

Nelson Nery Junior destaca que

as constituições que se lhe seguiram limitaram-se a apenas mencionar a existência de tribunais, conferindo-lhes competência recursal. Implicitamente, portanto, havia previsão para a existência de recurso. Mas, frise-se, não garantia absoluta ao duplo grau de jurisdição”.24

Muito embora não exista previsão expressa ao princípio do duplo grau de jurisdição na Constituição Federal do Brasil de 1988, é inegável que referido princípio tem raízes constitucionais.

O inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal garante que a todos os “litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

In casu, a expressão “recursos” deve ser entendida como o direito de recurso aqui estudado, tendo em vista que o legislador constitucional originário optou, propositalmente, em separar as expressões “meios” e “recursos”.

A expressão “meios” deve ser entendida como o direito de ação, previsto no inciso XXXV do supracitado artigo constitucional. Por sua vez, a expressão “recursos” deve ser compreendida como o direito de recurso do qual a parte interessada e legitimada a recorrer pode se valer, utilizando um dos recursos expressamente previstos na legislação infraconstitucional, observando-se, assim, o princípio do duplo grau de jurisdição.

No mesmo sentido, Luiz Guilherme Marinoni também entende que o princípio do duplo grau de jurisdição estaria vinculado àquele dispositivo constitucional, por meio do qual uma parte do litígio pode se utilizar de um dos recursos inerentes ao exercício do contraditório25.

Nelson Luiz Pinto também destaca o caráter constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição a partir do inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal. Para referido jurista, a expressão “recursos” permite a conclusão de que todo pronunciamento judicial pode ser

(26)

impugnado, seja por um recurso stricto sensu, seja por uma ação de impugnação autônoma, atendendo ao princípio do duplo grau de jurisdição26.

Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Rodrigues Wambier asseveram que, independentemente de não estar expressamente previsto na Constituição Federal de 1988, o princípio do duplo grau de jurisdição encontra guarida constitucional. Isso porque, de acordo com os autores, não só estão previstos tribunais com competência recursal na própria Constituição, como também há o fato de o princípio do duplo grau de jurisdição estar intimamente ligado ao conceito de Estado de Direito27.

Calmon de Passos, por sua vez, extrai o caráter constitucional do duplo grau de jurisdição da garantia constitucional do devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal de 198828):

Devido processo constitucional jurisdicional, cumpre esclarecer, para evitar sofismas e distorções maliciosas, não é sinônimo de formalismo, nem culto da forma pela forma, do rito pelo rito, sim um complexo de garantias mínimas contra o subjetivismo e o arbítrio dos que têm poder de decidir. Exige-se, sem que seja admissível qualquer exceção, a prévia instituição e definição de competência daquele a quem se atribua o poder de decidir o caso concreto (juiz natural), a bilateralidade da audiência (ninguém pode sofrer restrição em seu patrimônio ou em sua liberdade sem previamente ser ouvido e ter o direito de ouvir suas razões), a publicidade (eliminação de todo procedimento secreto e da inacessibilidade ao público interessado de todos os atos praticados no processo), a fundamentação das decisões (para se permitir a avaliação objetiva e crítica da atuação do decisor) e o controle dessa decisão (possibilitando-se, sempre, a correção da ilegalidade praticada pelo decisor e sua responsabilização pelos erros inescusáveis que cometer)”.29

Dessa forma, não há outra conclusão possível senão a de que o princípio do duplo grau de jurisdição tem natureza constitucional, ainda que não esteja previsto expressamente na Carta Magna brasileira.

Essa ausência de previsão expressa não lhe retira a natureza constitucional:

A diferença é sutil, reconheçamos, mas de grande importância prática. Com isto queremos dizer que, não havendo garantia constitucional do duplo grau, mas mera previsão, o legislador infraconstitucional pode limitar o direito de recurso, dizendo, por exemplo, não caber apelação nas execuções fiscais de valor igual ou inferior a 50 OTNs (art. 34, da Lei 6.860/80) e nas causas, de qualquer natureza, nas mesmas

26 PINTO, 2000, p. 85-87.

27 WAMBIER, L.; WAMBIER, T., 2002, p. 140.

28

Art. 5º [...]

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

(27)

condições, que forem julgadas pela Justiça Federal (art. 4º, da Lei 6.825/80), ou, ainda, não caber recurso dos despachos (art. 504, CPC).”30

Apesar de se concordar com a possibilidade de limitação do direito de recurso, como acertadamente discorreu Nelson Nery Junior, não se concorda com a alegação de que haveria uma limitação ao direito de recurso no artigo 504 do Código de Processo Civil, reproduzido ipsis litteris no artigo 1.001 do novo Código de Processo Civil de 2015, no qual está estabelecido que “dos despachos não cabe recurso”31.

O princípio do duplo grau de jurisdição deve ser aplicado plenamente sempre que alguém sofrer prejuízo em razão de um pronunciamento judicial, independentemente do nome que este receba.

1.3. Recurso

A palavra “recurso” (recurso, em língua espanhola; ricorso, em língua italiana; recours, em língua francesa), um substantivo, deriva do verbo “recorrer”, que, por sua vez, tem origem do termo em língua latina recurrere, que significa “tornar a correr, a percorrer.”32

Fragmentando o substantivo sob análise, percebe-se que se trata nada mais da palavra “curso”, outro substantivo, mas com o prefixo (afixo que vem antes ou no começo) “re”. Enquanto o substantivo “curso” significa “caminho”33, o prefixo “re” revela sentido de

“voltar”, “tornar”, “fazer novamente”, permitindo-se, portanto, inferir que “recurso” significa “fazer novamente o caminho” – justamente a finalidade do princípio do duplo grau de jurisdição, visto acima.

Aplicando esses conceitos de língua portuguesa ao universo jurídico, revela-se a verdadeira face da palavra “recurso”, traduzindo que

quem recorre pretende, justamente, uma restitutio in integrum, ou mesmo parcial que seja, algo assim como um ritorno da capo na partitura onde se espelha sua posição processual. Ou seja, o caráter de infringência ao julgado, típico dos

30 NERY JUNIOR, N., 2004a, p. 211-212.

31 Essa questão referente ao artigo 1.001 do novo Código de Processo Civil será analisada com propriedade

quando da análise do “cabimento do recurso”, um dos requisitos de admissibilidade recursal.

(28)

recursos propriamente ditos (e que servem ao argumento que nega o caráter de recurso aos embargos declaratórios, por isso que estes não infringem, mas antes servem à integração do decisório), revela o objetivo de atacar a decisão guerreada (por nulidade ou por error in judicando, in procedendo), propiciando a recondução da situação processual ao seu estágio anterior, vale dizer: como ela estava antes do julgado que veio contrariar o interesse da parte, a qual, assim tornara sucumbente, fica autorizada a manejar o recurso.”34

Não se limitando à mera vontade de restabelecer o status quo ante, Nelson Luiz Pinto corretamente assinala que, por “recurso”, deve-se entender

meio através do qual pode a parte impugnar, dentro do processo, um pronunciamento judicial que lhe tenha causado prejuízo, objetivando a modificação, anulação, esclarecimento ou integração desse pronunciamento, que, para ser recorrível, há de ter, em princípio, conteúdo decisório.”35

O recurso, em sentido amplo, é justo acalento à natureza dos seres humanos, qual seja, a do não conformismo com uma decisão proferida em contrariedade com à sua vontade, sem que ela seja revisada por órgão diferente do primeiro.

Nesse sentido, Gilson Delgado Miranda estabeleceu da seguinte forma, que merece destaque:

O juiz deve atuar com imparcialidade na relação jurídica processual, razão pela qual não seria de todo desarrazoada a idéia de se conferir a suas decisões o caráter de imutabilidade. Entretanto, considerando a vulnerabilidade dos juízes ao cometimento de erros e injustiças variados, é próprio da natureza humana, assim, exigir a possibilidade de se reexaminar o ato decisório. Isso, vale dizer, torna imperiosa a inserção, nas normas processuais, de mecanismos tendentes a enquadrar o modo à interposição de recurso pela parte inconformada. Em outras palavras: ‘O recurso conforta o espírito do homem e possibilita, ao mesmo tempo, o aprimoramento da atividade do Judiciário’ (Gilson Delgado Miranda e Patricia Miranda Pizzol, Processo civil: recursos, p. 17). No mesmo sentido: Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil).

Desta feita, o recurso deve ser entendido, tecnicamente, em sentido amplo, na lição de José Carlos Barbosa Moreira, ‘como o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão judicial que se impugna’ (Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, p. 231)”.36

Garante-se, desta forma, além do conforto ao sucumbente, um aperfeiçoamento da atividade jurisdicional prestada pelo Estado, protegendo os jurisdicionados da falibilidade dos juízes, como humanos que também o são.

34 MANCUSO, 2007, p. 19-20.

35 PINTO, 1992, p. 18.

(29)

Sem embargo, Nelson Nery Junior define o conceito de “recurso”37 já estando este

atrelado ao texto legal38.

Acerca do motivo de existência dos recursos, permite-se, aqui,

trazer à discussão interessante abordagem feita por Mantovanni Colares Cavalcanti. Este autor se pergunta: porque existem os recursos? E justifica esta existência em três ordens de razões: 1) pode-se ver nos recursos uma forma de controlar a magistratura do primeiro grau. Observa, ainda, o autor, que no sistema recursal brasileiro há uma série de hipóteses de autocontrole da magistratura de 1º grau, exercida, por exemplo, no juízo de retratação do agravo de instrumento ou retido; 2) os recursos têm a função de moderar paixões, depurando a causa. No segundo grau, há o que o autor chama de depuração quanto ao juízo sobre os fatos, e meditação quanto à matéria de direito. É um segundo momento de reflexão a respeito da matéria decidida; 3) a terceira razão que explica e justifica a existência dos recursos é sua função pedagógica.”39

Analisado o princípio do duplo grau de jurisdição no tópico anterior e, neste momento, esclarecidos os aspectos etimológicos e jurídicos da expressão “recurso”, cabe analisar, ainda que sem a pretensão de esgotar a matéria, os princípios recursais, bem como apontar os recursos em espécie previstos no novo Código de Processo Civil, para, então, passar-se à análise de seus requisitos de admissibilidade, mas não sem realizar primeiramente uma breve explanação do juízo de admissibilidade propriamente dito.

1.4. Princípios processuais dos recursos relacionados ao juízo de admissibilidade

Não diferentemente de todo o ordenamento jurídico brasileiro, os recursos também se pautam por uma série de princípios, sejam eles de direito em geral, de direito processual civil em si, ou, ainda, nos princípios recursais especificamente considerados.

Analisa-se, neste tópico, sucintamente, os princípios recursais que guardam relação direta com o juízo de admissibilidade recursal.

37 Nelson Nery Junior estabelece, de maneira concisa e eficaz, que recurso “

é o remédio processual que a lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público ou de um terceiro, a fim de que a decisão judicial possa ser submetida a novo julgamento, por órgão de jurisdição hierarquicamente superior, em regra, àquele que a proferiu”. (NERY JUNIOR, N., 2004b, p. 204).

38 Ao estabelecer o conceito transcrito na nota de rodapé anterior, o incomparável jurista faz indiscutível menção

ao artigo 499, caput, do Código de Processo Civil de 1973, tendo em vista que já estabelece os legitimados para interpor recurso.

(30)

Primeiramente, recorda-se que o princípio do duplo grau de jurisdição foi analisado em tópico próprio deste capítulo, tendo em vista sua importância destacada para a teoria geral dos recursos. Relembre-se, o princípio do duplo grau de jurisdição

consiste, em linhas gerais, na possibilidade de provocar o reexame da matéria apreciada e decidida, isto é, de pleitear, mediante a interposição de um recurso (o adequado, segundo as normas constantes da legislação infraconstitucional), novo julgamento, por órgão hierarquicamente superior.”40

Em seguida, pelo princípio da taxatividade, tem-se que todos os recursos estão, rigorosamente, previstos em normas cogente positivadas, seja na Constituição Federal (recursos extraordinário e especial), seja no Código de Processo Civil, seja em leis especiais ou, ainda, em Regimentos Internos dos tribunais (nestes, no caso do agravo interno).

Afinal,

nenhum ordenamento jurídico pode deixar à autonomia dos litigantes a instituição dos meios hábeis para impugnar as resoluções judiciais. Razões do mais elevado interesse público exigem que os litígios sejam extintos no menor tempo possível. Esse objetivo jamais se mostraria realizável na hipótese de o vencido, por iniciativa própria, criar mecanismo para impugnar o pronunciamento do órgão judiciário. Em tal contingência, o processo se prolongaria indefinidamente ou, no mínimo, seu término dependeria da aquiescência do vencido ao provimento. À vontade convergente das partes tampouco se concede a possibilidade de instituir via de impugnação.”41

O artigo 49642 do diploma processual pátrio em vigor e o artigo 994 do novo Código de Processo Civil (este último será especificamente analisado no próximo tópico deste capítulo), em rol taxativo – numerus clausus –, elencam os recursos cabíveis, ressaltando-se que, imprescindivelmente, faz-se mister que as formalidades para a interposição dos recursos também estejam expressamente previstas em lei (requisitos de admissibilidade recursal, objeto dessa dissertação).

40 MIRANDA; PIZZOL, 2006, p. 22-23.

41 ASSIS, 2015, p. 91-92.

42Art. 496. São cabíveis os seguintes recursos:

I - apelação; II - agravo;

III - embargos infringentes; IV - embargos de declaração; V - recurso ordinário; VI - recurso especial; VII - recurso extraordinário;

(31)

Em decorrência lógica do princípio da taxatividade, encontra-se o princípio da singularidade ou unicidade dos recursos ou da unirrecorribilidade dos pronunciamentos judiciais: de acordo com este princípio, há apenas um recurso adequado para impugnar cada pronunciamento judicial específico.

Para fins de análise da unirrecorribilidade dos pronunciamentos judiciais, destaca-se o fato de que um pronunciamento que, do ponto de vista formal, é único, materialmente pode se dividir em diversos capítulos autônomos, cada um impugnável por um recurso próprio43.

Já houve discussão acerca de serem os embargos declaratórios uma exceção a este princípio, discutindo-se inclusive se tal recurso teria mesmo natureza recursal; entretanto, atualmente, tanto jurisprudência44 quanto doutrina são pacíficas em afirmar que não há ofensa

a tal princípio, tendo em vista os objetivos distintos dos embargos de declaração e do outro recurso cabível – não impugnam a decisão atacada no mesmo aspecto e os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição do outro recurso cabível.

Pelo princípio da taxatividade, tanto recurso como suas formalidades para interposição devem estar previstos em lei. Entretanto, em caso de dúvida fundada e objetiva e não de erro grosseiro, o princípio da fungibilidade recursal permite que se proponha um e não o outro recurso – atente-se, mais uma vez, que o recurso interposto ao invés do outro só será admitido se não houver erro grosseiro, devendo, portanto, haver dúvida real e objetiva sobre qual recurso deve ser apresentado, inclusive, ao que parece, com divergência doutrinária e jurisprudencial (não basta, portanto, dúvida do recorrente, caso haja decisões pacíficas em favor de um dos recursos).

Nos dizeres do Superior Tribunal de Justiça,

a adoção do princípio da fungibilidade exige que sejam presentes: a) dúvida objetiva sobre qual o recurso a ser interposto; b) inexistência de erro grosseiro, que se dá quando se interpõe recurso errado quando o correto encontra-se expressamente indicado na lei e sobre o qual não se opõe nenhuma dúvida; c) que o recurso erroneamente interposto tenha sido agitado no prazo do que se pretende transformá-lo.”45

A exigência de que o recurso interposto no lugar do outro tenha sido interposto no prazo do último é absurda, pois, se há reconhecidamente dúvida objetiva e inexistência de erro grosseiro, é óbvio que o recorrente deveria obedecer ao prazo do recurso que interpôs;

43 Nesse sentido, cf. ASSIS, 2015, p. 99. 44 Nesse sentido,

exempli gratia, EDcl no AgRg no REsp nº 763.481, Ministro Relator Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma do STJ, D.J. 26/06/2006, p. 194.

(32)

pela lógica do Superior Tribunal de Justiça, em caso de dúvida objetiva em relação a qual recurso interpor, deve-se optar pelo de menor prazo.

Destaca-se que o novo Código de Processo Civil, embora não consagre o princípio da fungibilidade recursal de forma expressa (do mesmo modo como o faz o Código de Processo Civil em vigor), apresenta duas hipóteses legais de fungibilidade:

a) hipótese do parágrafo 3º do artigo 1.024, que possibilita o recebimento de embargos de declaração como agravo interno: “o órgão julgador conhecerá dos embargos de declaração como agravo interno se entender ser este o recurso cabível, desde que determine previamente a intimação do recorrente para, no prazo de 5 (cinco) dias, complementar as razões recursais, de modo a ajustá-las às exigências do art. 1.021, § 1º”; e,

b) hipótese do artigo 1.033, pelo qual o Supremo Tribunal Federal pode converter o recurso extraordinário em recurso especial: “se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial”46.

Por sua vez, o princípio da proibição de reformatio in pejus impede o tribunal ad quem de, uma vez devolvida a ele toda a matéria já debatida, julgar além ou aquém da matéria impugnada, não podendo prejudicar o recorrente, ou mesmo o recorrido.

Não há dúvidas, no entanto, na possibilidade de o tribunal ad quem reconhecer matéria de ordem pública, mesmo que esse reconhecimento prejudique o recorrente.

Fredie Didier Junior e Leonardo José Carneiro da Cunha destacam que

a proibição da reformatio in pejus não afasta de modo algum a possibilidade de o tribunal revisar aquilo que ex vi legis se sujeita ao duplo grau de jurisdição, como

46 A hipótese do artigo 1.032 se trata de verdadeira correção do recurso interposto e não de mera fungibilidade

(33)

por exemplo as questões de ordem pública que, se acolhidas em detrimento do interesse do recorrente, poderão, de certo modo, levar a uma reforma para pior.”47

Por fim, destaca-se o princípio da dialeticidade:

De acordo com este princípio, exige-se que todo recurso seja formulado por meio de petição na qual a parte, não apenas manifeste sua inconformidade com ato judicial impugnado, mas, também e necessariamente, indique os motivos de fato e de direito pelos quais requer o novo julgamento da questão nele cogitada. Na verdade, trata-se de princípio ínsito a todo processo, que é essencialmente dialético.”48

Esse princípio, de acordo com Araken de Assis, trata-se de “ônus de o recorrente motivar o recurso no ato de interposição”49.

Há manifestação do princípio da dialeticidade sempre que o legislador indica, como requisito recursal, a necessidade de o recorrente apresentar “as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade”, como acontece, exemplificativamente, nos incisos III dos artigos 1.01050 e 1.01651 do novo Código de Processo Civil.

Esses são os princípios processuais recursais que mereciam destaque nesta dissertação. Não se ignora, no entanto, a existência de outros princípios recursais, tais como os princípios da voluntariedade52 (pelo qual a interposição do recurso depende da vontade da

parte prejudicada, que pode renunciar ao direito de recurso ou mesmo desistir dele após sua interposição), da complementaridade53 (que permite ao recorrente a complementação do recurso interposto quando a parte ex adversa opõe embargos de declaração contra aquela mesma decisão54) e o da consumação55 (que impõe a preclusão consumativa para que a parte recorra de determinado pronunciamento judicial se já o tiver feito).

47 DIDIER JUNIOR; CUNHA, 2009, p. 79.

48 DIDIER JUNIOR; CUNHA, 2009, p. 62.

49 ASSIS, 2015, p. 109.

50Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá:

[...]

III – as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade.

51Art. 1.016. O agravo de instrumento será dirigido diretamente ao tribunal competente, por meio de petição

com os seguintes requisitos: [...]

III – as razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão e o próprio pedido.

52 ASSIS, 2015, p. 111-113.

53 Ibidem, p. 114-115.

54 Princípio este sem razão atualmente, tendo em vista a orientação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de

que o recurso interposto na pendência de julgamento de embargos de declaração é intempestivo, vez que extemporâneo (cf. AgR no Ag no 789.041/SP, Min. Rel. Maria Thereza de Assis Moura, 5ª Turma, STJ. DJU em

(34)

1.5. Recursos em espécie no novo Código de Processo Civil – Lei no 13.105/2015

O objetivo desta dissertação, como já adiantado, é analisar os requisitos de admissibilidade recursal trazidos pelo novo Código de Processo Civil, que entrará em vigor no primeiro semestre de 2016; trata-se, portanto, de estudo da maior relevância para os operadores e estudiosos do direito, tendo em vista que é só com o correto preenchimento dos requisitos de admissibilidade que a parte interessada terá acesso ao duplo grau de jurisdição através do exercício do seu direito de recurso.

Dessa forma, no Capítulo 3 desta dissertação, analisar-se-á os requisitos de admissibilidade recursal de acordo com a nova sistemática normativa trazida pelo novo Código de Processo Civil.

Por ora, analisa-se os recursos em espécie no novo Código de Processo Civil.

Conforme visto no tópico anterior, o princípio da taxatividade recursal exige que os recursos cabíveis estejam expressamente previstos em lei.

Nesta esteira, confira-se o artigo 994, que inaugura o Título II do Livro III da Parte Especial do diploma legislativo processual em vacatio legis, comparado ao artigo 496 do Código de Processo Civil em vigência:

Quadro 1 - Comparativo entre CPCs (Recursos).

Novo CPC, de 2015 CPC atual, de 1973

Art. 994. São cabíveis os seguintes recursos: I - apelação;

II - agravo de instrumento; III - agravo interno;

IV - embargos de declaração; V - recurso ordinário; VI - recurso especial; VII - recurso extraordinário;

VIII - agravo em recurso especial ou extraordinário;

IX - embargos de divergência.

Art. 496. São cabíveis os seguintes recursos: I - apelação;

II - agravo;

III - embargos infringentes; IV - embargos de declaração; V - recurso ordinário; VI - recurso especial; VII - recurso extraordinário;

VIII - embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário.

Fonte: Autoria própria.

Referências

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