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SÉCULO 18 Naquele tempo

3 LITERATURA E CULTURA DE MASSA

3.2 Crescendo durante a guerra numa província ultramarina

3.2.2 Segunda Guerra Mundial

A presença da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) é rememorada através da relação com os super-heróis de HQ e dos filmes hollywoodianos 120. Silviano Santiago detecta a relativa distância do desenrolar no campo de batalha na Europa e a periférica presença brasileira no contexto (Poema do lá):

Dizem: guerra lá na Europa, como quem diz: chove lá fora 121.

Mas o conhecimento do ato bélico não passa, como não poderia passar, ao largo da sociedade brasileira. As ondas do rádio presentificavam a guerra distante através da BBC de Londres, em programa emitido em português, que tivera início a partir de março de 1938 122. (A voz dos aliados):

Depois do jantar, às sete,

o pai

sentado na cadeira de balanço escuta a Hora do Brasil. Depois da Hora do Brasil,

120 Guido Bilharinho resenha 54 filmes, de vários países, relacionados à Segunda Guerra Mundial. Cf.

BILHARINHO, Guido. A segunda guerra no cinema. Uberaba: Instituto Triangulino de Cultura, 2005. 300 p.

121 CDGPU, p. 26.

122 “Foi na época da guerra e no pós-guerra que as transmissões da BBC para o Brasil se estenderam

por mais tempo – três horas e 45 minutos de programação diária que ia ao ar à noite. Vale lembrar que à noite as condições para a propagação das ondas curtas são mais favoráveis, por não haver interferência dos raios solares, e que naquela época, como não havia televisão no Brasil, o horário nobre do rádio era à noite”. Cf. GUERRINI Jr., Irineu. As transmissões em português da BBC durante a Segunda Guerra Mundial. In: GOLIN, Cida; ABREU, João Batista de (Orgs.). Batalha sonora: o rádio e a Segunda Guerra Mundial. Porto Alegre: Edipucrs, 2006. 190 p. p. 26.

até altas horas, o filho mais velho sentado no banquinho,

para ficar mais perto do alto-falante, tenta pegar

o noticiário da BBC 123.

A guerra não era apreendida somente pelas ondas do rádio. Alguns soldados brasileiros tiveram uma participação discreta nos campos de batalha europeus. Silviano Santiago comenta que o pracinha brasileiro tinha acesso à mais alta tecnologia americana, mas era “usado” como instrumento para a morte, “enquanto isso, o país, enquanto tal, e os demais cidadãos ficavam fadados ao eterno atraso colonial, sem acesso ao que havia de `moderno´ industrialmente no país do Norte”

124. A entrada do Brasil, em 1944, na Segunda Grande Guerra é retratada por

Silviano Santiago pelo soldado expedicionário, mulato, que cita a “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias (Expedicionário):

Alto e magro, franzino, é o primeiro herói mulato da cidade.

Seu corpo repousa no Cemitério de Pistóia - disse o Prefeito.

Respondeu a voz além-túmulo: Por mais terra que eu percorra, Não permita, Deus, que eu morra 125.

Enquanto nas telas brasileiras, a guerra era glamourizada pelos filmes (June Allyson e Fred Astaire):

Os soldados estão sempre off-duty num ball-room de Manhattan

à espera de uma corista da Broadway

123 CDGPU, p. 84. 124 COSPO, p. 109. 125 CDGPU, p. 44.

(que pernas!)

que os mantenha amamentados (que seios)

longe do lar.

Não lembro se tocava a orquestra de Glenn Miller ou de Tommy Dorsey, se tomavam Martini ou Bourbon. Cerveja lembro que não era, pois não era bebida de mocinho. Só de inimigo alemão 126.

A realidade fixava uma imagem diferente da projetada nas telas. Em 1942, a base aérea americana em Natal-RN, conhecida como Parnamirim Field, estava pronta e os primeiros soldados e técnicos norte-americanos começavam a desembarcar no País 127. A “política da boa vizinhança” 128 expunha os militares

norte-americanos aos olhos dos sul-americanos, estilhaçando a imagem idealizada nos filmes (South of the border):

Contudo, quando começaram a chegar aqui os primeiros norte- americanos para orientar e instruir os pracinhas nos novos misteres da guerra, que os aguardava no além-mar, começamos a temer a sua sorte.

Diante desses gigantes bem dispostos, bem-humorados, bem uniformizados, que nos faziam lembrar aquelas cenas vigorosas no “Far West” americano, que o cinema se encarregou de divulgar por todo o mundo, pareceram-nos mais franzinos, acanhados, tímidos,

126 CDGPU, p. 46.

127 Os aviões partiriam do nordeste em direção ao norte da África para ajudar os ingleses que

estavam encurralados pelos soldados alemães do marechal Rommel, comandante do Afrika Korps. Conforme Antonio Pedro Tota: “Americanos convivendo com brasileiros nordestinos. Antes de acionar os motores dos aviões, para se comunicar com os mecânicos, os pilotos no interior da cabine mostravam a mão fechada, o polegar para cima. Era o `positivo´, o Thumbs up. Quando o primeiro tabaréu, observando os aviões e os pilotos americanos com seus gestos, mimetizou o `positivo´, com o dedão para cima, o Brasil já estava americanizado. Luís da Câmara Cascudo, que detectou o fenômeno em nossos gestos, não previu a extensão do thumbs up. Além de substituir o tradicional aperto do lóbulo da orelha com os dedos para indicar algo bom ou positivo, o thumbs up tornou-se sinônimo de concordância, de amizade, de beleza, de interrogação, de bom-dia, boa-tarde e boa- noite. Serve para quase tudo. Muito mais internacionalizado do que o “da pontinha” da orelha, usado até há algum tempo. De Parnamirim Field, nos anos 40, o gesto que simboliza a nossa americanização espalhou-se pelo Brasil (e pelo mundo). Cf. TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. São Paulo: Companhia das letras, 2000. 240 p. p.10.

128 A Política da Boa Vizinha (

good neighbor) incluía, além da política, a cultura na agenda internacional, na tentativa de um relacionamento mais estreito entre os EUA e a América Latina. Iniciada em 1928 pelo presidente americano Herbert Hoover, foi adotada pelo seu sucessor Theodore Roosevelt, em 1933.

desconfiados, incapazes de um confronto de valores. Manuel Tomás Castelo Branco 129.

A imagem dos super-heróis dos quadrinhos é retomada para a apresentação das forças reunidas ao redor da confecção da bomba atômica que iria explodir em Hiroshima e Nagasaki em 1945 (Não está no gibi):

No laboratório do Mocinho buscam

a fórmula da Bomba atômica para pôr fim à guerra.

No laboratório do Bandido trabalha o sinistro Dr. Silvana

dando armas poderosas ao Crime. O super-homem dá combate sem tréguas

ao cientista do Mal. quem vai se opor ao cientista do Bem? 130.

Jogo entre o bem e o mal, mocinho e bandido, retratados em filmes de far west. O maniqueísmo predominante nos filmes de cowboys é transferido para as histórias em quadrinhos, fazendo do leitor um torcedor que deve optar por um dos lados. A fórmula quando aplicada na cultura só pode produzir ou o recalque da produção local ou o seu endeusamento. A via possível para o entendimento e para o viver a tradição e a importação de cultura exterior é a via da conciliação, da mistura e depuração desses extratos artísticos-sociais.

Desse mosaico de linguagens contemporâneas surge o relato de um Brasil que começa a adquirir novos costumes através do cinema americano, da música popular brasileira, das literaturas regional e modernista.

129 CDGPU, p. 43. 130 CDGPU, p. 57.