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Se a primeira metade da década de 50 foi de considerável investimento público no campo da habitação, como se pode confirmar através da Base de Dados do Mapa da Habitação12 (disponível em http://

mappingpublichousing.pt/) e das investigações que neste âmbito se têm desenvolvido13 , as CE não

estavam, claramente, entre as prioridades das entidades governativas. A Secção de Construção de Casas Económicas (SCCE) da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGMEN), que desde 1938 geria o projeto e a construção das Casas Económicas, concentrou a sua ação neste período na conclusão de bairros iniciados no final da década anterior. Estes bairros foram, em diversos casos, resultado da

11. O legado de Arantes e Oliveira e o seu papel na transformação da produção de habitação com apoio público merece uma atenção que ainda não recebeu. O seu vasto espólio foi doado ao Ministério e está hoje disponível no Arquivo Histórico das Obras Públicas.

12. Rui Jorge Garcia Ramos, Eliseu Gonçalves, Sérgio Dias Silva, Maria Tavares et al. Mapping Public Housing Research Project Database. Consultado a 29 de maio de 2019 em <https://db.up.pt/fmi/webd/mapa_habitacao_db>.

13. Ver, por exemplo, Maria Tavares, «Habitações Económicas». Federação de Caixas de Previdência. Arquitectura e Modos de Actuação no Exercício do

Projecto (Tese de Doutoramento, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 2016) e as várias investigações desenvolvidas no âmbito

contratação externa de arquitetos estabelecidos, como é o caso de Januário Godinho (1910-1990) nos bairros de Coimbra - Calhabé (1946-51, 436 fogos) [MdH BD a239] e Cumeada (1947-52, 64 fogos) [MdH BD a246], João Guilherme Faria da Costa (1906-1971) para os do Restelo (1938-53, 452 fogos) [MdH a247] e Vale Escuro (1947-1951, 105 fogos) [MdH BD a248], Vasco Regaleira (1897-1968) para o Bairro de Portalegre (1947-1953, 30 fogos) [MdH BD a249], e Paulino Montez (1897-1988) para os Bairros da Encarnação e do Alvito (1937-44, 152 fogos) [MdH BD a235] (embora neste último caso o projeto tenha sido desenvolvido enquanto colaborador da Câmara Municipal de Lisboa), entre outros.

A participação de técnicos da SCCE e de colaboradores da DGEMN também ganha nova dimensão, presumindo-se a preponderância de Manuel Lima Fernandes de Sá (1903-1980) nos projetos do Bairro de Urgezes (1938-1941, 78 fogos) [MdH BD a228], em Guimarães, e Costa Cabral (1937-42, 240 fogos) [MdH BD a9] e Marechal Gomes da Costa (1947-49, 186 fogos) [MdH BD a3] no Porto, e devendo reconhecer-se ainda a intensa atividade de João Vaz Martins (1910-1988) que em Lisboa coordenou o Bairro de Olivais Norte (1945-1959, 172 fogos) [MdH BD a585] e a segunda fase do Bairro de Benfica 14 (1943-1958, 701

fogos) [MdH BD a250] e que ainda foi responsável pelos projetos do Bairro do Entroncamento (1951-55, 102 fogos) [MdH BD a245], Queluz (1955-58, 328 fogos) [MdH BD a254], e Vilarinha (1955-58, 202 fogos) [MdH a10] e António Aroso (1955-58, 226 fogos) [MdH BD a253], no Porto.

A variedade de autores tem reflexo, naturalmente, na imagem e abordagem dos projetos de Casas Económicas. No caso das tipologias, a atribuição de autorias torna-se um processo complexo, já que diversos bairros de autores diferentes recorrem a uma mesma tipologia, como é o caso da Encarnação, Caselas (plano de Couto Martins, Lisboa, 1940-48, 334 fogos) [MdH BD a237] e Madre de Deus (Lisboa, 1939-44, 478 fogos) [MdH BD a233]. Este tem plano de Luís Benavente (1902-1993) que terá sido o autor de um projeto-tipo de habitação adotado depois noutros bairros. É percetível, no entanto, uma evolução no sentido de uma complexificação tipológica que abandonou a polivalência (e a exiguidade) das áreas comuns da primeira fase das CE. A especialização de usos leva a programas mais complexos, incluindo em diversos casos áreas destinadas a criadas - incluindo quarto - e espaços que remetem para espacialidades aburguesadas, como pequenas salas de receber associadas a espaços de entrada nas habitações. Várias das tipologias do Bairro de Benfica, por exemplo, têm não só uma área de receção prevista na entrada como duplicam a circulação para não cruzar os movimentos de patrões e empregados. Esta evolução - ou, poderemos dizer, regressão, quando analisadas as tipologias da primeira fase das CE - é mais uma peça do deslocamento temporal das CE relativamente ao contexto em que são desenvolvidas.

Já no que se refere ao desenho urbano das CE, embora as propostas deste segundo tempo estejam relativamente afastadas das linhas discutidas nos CIAM, elas avançam a par com as mais recentes propostas no contexto português, o que é facilmente explicado pela coincidência de nomes entre os autores contratados nesta fase e alguns dos principais planos de urbanização em desenvolvimento. É clara a influência de Alfred Agache (1875-1959) que Duarte Pacheco (1900-1943) chamara para desenvolver os primeiros projetos de escala regional no final da década de trinta, e que traria também Étienne de Groer (1882-1952), marcando uma geração - a primeira geração, aliás - de urbanistas portugueses. Pensados na lógica da grande composição, muitos destes projetos formam conjuntos de valor mais gráfico de que contextual, sobrepondo ao território jogos de largas avenidas e traçados curvilíneos, talvez em busca da cidade-jardim mas aproximando-se mais dos modelos americanos do

City Beautiful, com geometrias autorreferenciais e fechadas em si mesmas.

Esta abordagem, que assume uma distância à cidade, tem como atenuantes os contextos disponibilizados aos autores, em muitos casos isolados em zonas distantes dos centros urbanos e, portanto, sem referências ou malhas que permitissem outros tipos de desenho mais integrados. Mantendo-se a solução da casa unifamiliar mas com a nova escala de intervenção, a ocupação extensiva daí resultante gera alguns dos conjuntos mais icónicos e reconhecíveis das CE, como os já referidos Bairros de Lisboa

- Alvito, Encarnação e Madre de Deus -, e outras intervenções menos conhecidas, de que se poderão destacar o Bairro da N. Sra. da Piedade em Almada (Carlos e Guilherme Rebello de Andrade, 1946-52, 500 fogos) [MdH BD a244], o Bairro de N. Sra. da Conceição em Setúbal (Alberto Sousa, 1946-49, 220 fogos) [MdH BD a238], e o Bairro de Évora (Alberto Sousa, 1944-48, 86 fogos) [MdH BD a764], uma curiosa e, até ver, única colaboração nas CE entre o Estado e uma entidade privada, no caso a Associação Mutualista O Legado do Operário. Os fogos construídos neste último bairro foram divididos entre os destinados ao regime de propriedade resolúvel e os que ficaram na posse da associação para arrendamento.

Este Segundo Tempo das Casas Económicas terá resultado na construção de 7298 fogos, dos quais 3429 de Classe A (47%), 2436 de Classe B (33%), 770 de Classe C (11%) e 438 de Classe D (6%), não tendo sido ainda possível identificar as tipologias de 224 fogos (3%). Este é então o período das CE em que o tipo A, de renda mais baixa, perde preponderância relativamente aos outros tipos, revelando alguma hesitação na concentração de investimento.

O decreto 28 712, de 1938, incluía a exigência de Duarte Pacheco de que não se voltasse a construir Casas Económicas de um só piso, pela imagem de pobreza transmitida. Esse foi um ponto de viragem essencial, em que o Programa assumiu um recentrar de esforços na construção de habitação e numa altura em que o Estado começava a pôr em causa a solução única da Casa Económica, ora através das Casas para Pescadores, possíveis a partir de 193715 mas só construídas a partir do início da década

de 40, ora recorrendo às Casas Desmontáveis, criadas em 1938 para alojar as populações deslocadas pelas obras de renovação da capital no âmbito das celebrações do centenários de 1940. Antes de, em 1945, uma série de novas soluções de apoio público à construção de habitação terem sido lançadas, a ação das Casas Desmontáveis foi ainda alargada a Porto e Coimbra, com intervenções pequenas e não propriamente passíveis de desmontagem fácil 16.

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