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4 A BUSCA PELO ESPAÇO DAS CINCO OBRAS DE POESIA

4.2 As fases da literatura infantil brasileira

4.2.2 Segundo período: o Modernismo e a literatura infantil (1920 a 1945)

“Mas algo acontece enfim, Só por causa do tlim-tlim.”

(Mario Quintana)

As transformações ocorridas no cenário brasileiro, no período de 1920 a 1945, vindas de reformas e revoluções, afetaram os cenários educacional, político, econômico e também cultural. De acordo com Lajolo e Zilberman (2007), existiram vários movimentos no Brasil, na década de 1920, que podem ser agrupados em três campos: movimentos políticos, contestando formas e imposições governamentais (revoluções, guerras civis, trocas de governo), movimentos artísticos (Modernismo) e movimentos educacionais (Escola Nova).

Esses movimentos questionaram a educação tradicional, apontando uma educação mais prática e que atingisse toda as camadas populacionais.

As mudanças foram feitas, mas buscaram atender às demandas econômicas e não necessariamente oferecer igualdade de direitos e acesso para toda a camada populacional. Dessa forma, por exemplo, as reformas educacionais visavam preparar os trabalhadores que vinham do campo para atuarem com as novas tecnologias na indústria. Assim, a educação primária passa a ser universal e há um foco em cursos técnicos.

Os movimentos que sacudiram a década de 20 alcançam repercussão a partir dos anos 30. Respondem aos anseios dos grupos urbanos em ascensão que, alçados ao plano do Estado, convertem-se em seus porta-vozes. O resultado é a aceleração do processo de modernização da sociedade, cuja equivalência, no plano artístico, é fornecida pelos intelectuais que batizam seus projetos de Modernismo. (LAJOLO; ZILBERMAN, 2007, p. 49).

A modernização brasileira é apresentada, por Lajolo e Zilberman (1993), como um processo superficial, porque não atingiu todo o território, nem todas as camadas populares, nem todos aspectos sociais e culturais. Até mesmo o Movimento Modernista caminhou junto com o tradicionalismo. Existiram mudanças relevantes no meio artístico, no entanto, o tradicional permaneceu.

Especificamente em relação às mudanças culturais e artísticas, o Movimento Modernista centralizou seus esforços em apresentar temáticas como os problemas brasileiros: o nacionalismo ora focando no passado, em pontos não contaminados pela influência europeia, ora focando no presente, enfatizando o resgate da linguagem brasileira em seus diferentes níveis. Isso posto, o Modernismo buscou trabalhar com o nacionalismo, a linguagem e, também, com o resgate do folclore e da oralidade dos brasileiros.

Para atingir o maior número de camadas, uniu-se ao Governo Vargas27 que patrocinou diferentes manifestações. Por trás do patriotismo, havia uma crítica fortíssima à modernidade superficial brasileira e ao atraso econômico e educacional. No entanto, para garantir a parceria com o Estado, os artistas, muitas vezes, sujeitavam-se aos desejos dos governos, como aconteceu com os enredos das escolas de samba, por exemplo.

A literatura infantil, nesse período, ainda não tinha um grau relevante de liberdade para sair das amarras da literatura escolar e, por isso, não era totalmente legitimada artisticamente. As produções ficavam sempre cerceadas com as demandas da escola e do

27 A Era Vargas, nome que se dá ao período em que Vargas governou o Brasil, iniciou-se com a Revolução de

1930 e finalizou em 1945. Teve como marca inicial a expulsão da oligarquia cafeeira do governo, dividiu-se em três momentos: Governo Provisório (1930-1934), Governo Constitucional (1934-1937) e Estado Novo (1937- 1945). O seu governo marcou a história brasileira em função das significativas mudanças sociais, econômicas, políticas, trabalhistas e educacionais.

governo e, consequentemente, deveriam apresentar temáticas pré-estabelecidas. Por isso, não há tanta entrada de escritores já consagrados na Literatura tida como não infantil. O nacionalismo, a fragilidade de figuras como velhos e crianças, os personagens ligados ao contexto escolar, a história do Brasil no período colonial, o espaço rural, dentre outros eram fortes temáticas nas produções da literatura infantil.

Apesar de o Movimento Modernista não ter entrado totalmente na literatura infantil, nesse período, por razões já apresentadas, algumas das suas temáticas também estiveram presentes, principalmente, a partir da nova proposta apresentada por Monteiro Lobato. No entanto, o aprisionamento às demandas escolares não permitiu uma total liberdade nas possibilidades criativas da produção.

A literatura infantil, como bom filho, não fugiu a esta luta. Aderiu aos ideais do período e expressou-os às vezes de modo literal, trazendo para a manifestação literária uma nitidez que ela raramente conhece nos textos não infantis. Os livros para crianças foram profunda e sinceramente nacionalistas, a ponto de elaborarem uma história cheia de heróis e aventuras para o Brasil, seu principal protagonista. Da mesma maneira, eles se lançaram ao recolhimento do folclore e das tradições orais do povo, com interesse similar ao das escolas de samba, ao pesquisar os enredos para os desfiles. Porém, visando contar com aval do público adulto, a literatura infantil foi preferencialmente educativa e bem comportada, podendo transitar com facilidade na sala de aula ou, fora dessa, substituí-la. (LAJOLO; ZILBERMAN, 2007, p. 54).

Monteiro Lobato inaugurou uma nova proposta de produção de literatura infantil brasileira ao imprimir em suas obras possíveis interesses do leitor pretendido. Assim, sua obra Narizinho Arrebitado28 (1920) tornou-se um livro de leitura nas escolas. De acordo com Arroyo (2011), ainda existia uma forte indistinção entre literatura escolar e literatura infantil. No entanto, algumas produções da literatura escolar, como foi o caso da produção de Monteiro Lobato, começavam a adotar características que proporcionaram, posteriormente, a consolidação da literatura infantil brasileira:

Embora estreando na literatura escolar com Narizinho arrebitado, Monteiro Lobato trazia já com seu primeiro livro as bases da verdadeira literatura infantil brasileira: o apelo à imaginação em harmonia com o complexo ecológico nacional; a movimentação dos diálogos, a utilização ampla da imaginação, o enredo, a linguagem visual e concreta, a graça na expressão – toda uma soma de valores temáticos e linguísticos que renovava inteiramente o conceito de literatura infantil no Brasil, ainda preso a certos cânones pedagógicos decorrentes da enorme fase da literatura escolar, fase essa expressa, geralmente, em um português já de si divorciado do que se falava no Brasil. (ARROYO, 2011, p. 281).

28 Essa primeira obra de Monteiro Lobato, inicialmente não foi voltada para a literatura infantil, sendo uma obra

didática. No entanto, levava em consideração o público pretendido e, posteriormente, passou a fazer parte das produções de Lobato para a literatura infantil e juvenil do Brasil.

Lobato não só inaugura uma nova possibilidade de produção, como cria editoras (Monteiro Lobato e Cia, Companhia Editora Nacional, Brasiliense) que passam a publicar obras de literatura infantil. A partir dele, outros autores começam a surgir e, também, outras editoras são criadas.

Entre esses dois limites cronológicos, 1920-1945, toma corpo a produção literária para crianças, aumentando o número de obras, o volume das edições, bem como o interesse das editoras, algumas delas, como a Melhoramentos e a Editora do Brasil, dedicadas quase que exclusivamente ao mercado constituído pela infância. E, se Lobato abre o período com um

best-seller, o sucesso não o abandona; nem a ele, nem ao gênero a que se

consagra, o que suscita a adesão dos colegas de ofício, a maior parte originária da recente geração modernista. (LAJOLO; ZILBERMAN, 2007, p. 44).

Em conformidade com os estudos de Hallewell (2012), Monteiro Lobato fora forçado, em função das circunstâncias políticas, econômicas e sociais advindas do pós-guerra, a focar sua produção editorial em livros didáticos. No entanto, foi um investimento positivo, já que era o período em que as publicações recebiam forte influência do Movimento da Escola Nova29. Mesmo com esse enfoque, a produção literária não foi deixada de lado.

Algumas temáticas são recorrentes na produção da literatura infantil brasileira (principalmente nas produções em prosa, que, desde o início, eram maioria e permaneceram nesse segundo período), como é o caso do espaço rural, o campo. Ele foi o palco para que os contos populares e o folclore fossem adaptados para virarem obras para crianças. O rural podia ser um espaço de aventuras, de conformismo, de imposição de lições de moral, de segurança, de sabedoria dos mais velhos, dentre outros, ou um local de dura crítica à realidade vivenciada (não idealização de personagens, crítica a instituições como escola).

Nesse segundo período da literatura infantil, especialmente a em prosa, o espaço rural ou o campo é utilizado para tratar de dois pontos centrais das produções infantis: por um lado o uso desse ambiente para retratar uma questão realista, ou aspectos da infância e do desenvolvimento da sociedade brasileira, e, por outro, o mundo da fantasia para tratar do imaginário infantil, bem como resolver conflitos e dificuldades em lidar com questões relativas à infância, ao mundo infantil.

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Esse grupo de reformadores foi liderado Lourenço Filho (sucessivamente no Ceará, em São Paulo e no novo Ministério da Educação e Saúde), por Anísio Teixeira (na Bahia e no Rio de Janeiro, para onde fora em 1932, ao regressar de cerca de sete anos de estudos na área de educação na Europa e nos Estados Unidos), por Francisco Campos e Mário Casassanta (em Minas Gerais), por Fernando de Azevedo (em São Paulo, para onde retornara após a Revolução de 1930) e por Carneiro Leão (em Pernambuco). E os esforços desses homens estimularam muitos estados a agir – finalmente – com relação às lamentáveis deficiências da educação pública no Brasil. (HALLEWELL, 2012, p. 397).

Algumas produções – como as de Viriato Correia: A Arca de Noé (1930) e Cazuza (1938) (autobiográfico);, Marques Rebelo e Arnaldo Tabaia: A casa das três rolinhas (1939);, Érico Verissimo: “Os três porquinhos pobres”(1940) – são citadas por Zilberman e Lajolo (2007) como exemplos de produções com a temática do campo.

As produções, a partir da década de 1930, introduzem características mais tradicionais do movimento Modernista, como o culto ao patriotismo e, também, a concepção paternalista do povo, explicitada na presença de negros e negras que contavam as histórias, pessoas que cuidaram de muitas crianças antes da obrigatoriedade da escola e, nesse contexto, contavam histórias de tradição popular.

Além disso, há a presença do Folclore e de contos regionais nas histórias produzidas não só por Lobato, mas também por Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Osvaldo Orico, Raimundo Morais, Alaíde Lisboa de Oliveira, Luís Jardim, João Simões Lopes Neto.

É nesse segundo período que a temática escolar é evidenciada sob dois aspectos: a crítica do modelo escolar, dos conteúdos; e a proposta de novas formas de organização do espaço e da aprendizagem. Essa proposta pode ser justificada, em certa medida, pela implantação das tendências da Escola Nova, que criticava a escola tradicional.

Por fim, saindo um pouco dos conteúdos escolares e da escola, havia produções voltadas para a difusão de conceitos, que, de acordo com Lajolo e Zilberman (2007), poderiam se dividir em dois aspectos: um, por concepções do plano nacionalista; e outro, pela difusão de assuntos religiosos.

Nesse período, o foco da produção eram obras de ficção, em prosa. No entanto, algumas obras de poesia foram também produzidas. A produção da poesia infantil estava na sintonia do período, ou seja, havia produções focadas na linha tradicional e produções que incorporavam algumas das propostas do Movimento Modernista.

No conjunto, predominou soberanamente a ficção ficando quase ausente a poesia, mas também ela foi representada por modernistas: Guilherme de Almeida, autor de O sonho de Marina e João Pestana, ambos de 1941, Murilo de Araújo, com A estrela azul (1940), e Henriqueta Lisboa, que escreveu o livro de poesias mais importante do período: O menino poeta

(1943) (LAJOLO; ZILBERMAN, 2007, p. 45).

Por esse apontamento já é possível justificar a escolha da primeira obra de poesia infantil que faz parte do corpus da pesquisa, qual seja, O menino poeta, de Henriqueta Lisboa (1943), publicada pela primeira vez nesse segundo período da história de construção da literatura infantil brasileira.

A obra O Menino Poeta, de Henriqueta Lisboa, é considerada uma obra de transição, já que ainda apresenta traços da poesia infantil tradicional, marcada pelo tom pedagógico, mas, ao mesmo tempo, apresenta temáticas mais próximas do interesse da criança, como é o caso do cotidiano infantil. Se comparada com obras publicadas na mesma época, como a obra de Guilherme de Almeida, O Sonho de Marina (1941), que apresenta a criança de forma tradicional, ou A estrela azul (1940), de Murilo Araújo, em que há ainda a presença de valores mais tradicionais, mesmo com a intensidade do lirismo, a obra de Henriqueta pode ser caracterizada pela experimentação das novas possibilidades da poesia infantil brasileira.

Em 1943, publicando O menino poeta, Henriqueta Lisboa parece levar adiante a experimentação, valendo-se tanto de recursos poéticos mais tradicionais, quanto do verso branco e da livre estrofação. Seus poemas, ao lado dos assuntos natureza, religião e animais, abrem espaço para a tematização do cotidiano da criança. No entanto, o texto de Henriqueta não deixa de ter como referência um sistema de valores convencionais, embora alguns poemas acenem com a possibilidade de ruptura desses valores por parte da criança [...]. (LAJOLO, ZILBERMAN, 2007, p. 145).

As produções poéticas eram reduzidas frente ao maior número de obras de ficção e há um destaque para as características das produções que saem do foco apenas de valores a serem transmitidos. Isso porque, ao longo desse processo de construção da literatura infantil brasileira, durante muito tempo, a poesia infantil permaneceu no foco de transmitir valores, morais, padrões propostos como importantes para a formação escolar das crianças.

Vale destacar que, diferente do que acontecia com as obras publicadas em prosa, a maioria das obras que focavam as poesias publicadas na década de 1930 inseriram-se na finalidade educativa da Literatura “pela promoção de concepções que constavam dos planos nacionalistas e do culto à personalidade, estimulados pelo regime de Vargas.” (LAJOLO; ZILBERMAN, 2007, p. 78).

Participa da temática boa parte da poesia escrita no período, como nos versos de Murilo Araújo em A estrela azul (1940), o mesmo podendo ser afirmado dos livros de Antônio Carlos de Oliveira Mafra, Episódios da história do

Brasil em versos e legendas para crianças (1941) e May Buarque, O pracinha José (1945), este, de cunho tão militarista quanto patriótico.

(LAJOLO; ZILBERMAN, 2007, p. 78).

Percebe-se que a obra O menino poeta diferencia-se da maior parte da produção de poesia na época em que foi publicada, já que o foco não era o nacionalismo e, sim, memórias da infância.

Em resumo, a segunda etapa da literatura infantil brasileira é marcada pela ampliação do uso do espaço do campo, ou seja, do espaço rural e até mesmo rústico, pela manutenção de

um elenco de personagens que transitam em distintas obras, como aconteceu com Monteiro Lobato e pela adaptação do acervo literário recebido de outros países. Foram construídas, também, obras baseadas no folclore brasileiro e no resgate de raízes locais. Nessa época, há oscilação em a manutenção de características da primeira época e os questionamentos. Desse modo, as temáticas variam em pontos tradicionais do Movimento Modernista, temáticas da escola e apresentação de um universo mítico. O rompimento com a norma culta permitiu a entrada da oralidade de forma natural e prazerosa, estimulando tanto a leitura, quanto a escuta das histórias presentes nas obras.

O processo de modernização brasileira, mesmo superficial, atingiu as expressões artísticas por meio da agilidade da comunicação entre outros países e, dessa forma, correntes artísticas repercutiam mais facilmente nas produções culturais de nosso país. Há ampliação dos objetos culturais e das formas de manifestação, literatura, cinema, escolas de samba, rádio, televisão, novela e da cultura de massa.

Interessante perceber que, juntamente com o início de uma produção de literatura infantil brasileira – que muda o foco de sua produção passando a levar em consideração o leitor pretendido –, surjam também editoras que passem a focar nesse tipo de obras. Lajolo e Zilberman (2007) justificam que o crescimento da produção se deu em função de um mercado propício e também pela iniciativa de escritores comprometidos em renovar a arte nacional. Esse panorama se dá em função dos avanços da industrialização, da modernização da economia e da administração do país, do aumento da escolarização de grupos urbanos e da posição da literatura e da arte na revolução do movimento modernista.

4.2.3 Terceiro Período: o início da consolidação da literatura infantil brasileira (1945-