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4 A MODULAÇAO TEMPORAL NAS DECLARAÇÕES DE

4.1 A MODULAÇÃO TEMPORAL E OS CONCEITOS INDETERMINADOS:

4.1.2 Aspectos Subjetivos

4.1.2.1 Segurança Jurídica

Em sentido amplo, pode-se afirmar que a segurança jurídica se refere à necessidade de certeza e estabilidade nas relações sociais. Decorre, pois, da própria noção de Estado de Direito, em que a lei é posta para todos, e está ligada à proteção da confiança ou da boa-fé.

Roque Antonio Carrazza assevera que:

301

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 25. ed. Malheiros: São Paulo, 2008, p. 951.

A idéia de segurança jurídica está ligada à concepção de Estado de Direito, isto é, com a noção de que em um determinado estado, a lei nasce por todos e para todos e submete a todos, inclusive aos governantes, ao Poder Público, ou seja, a legitimidade do exercício do poder repousa na legalidade, na sua juridicidade, porém, não basta para que a segurança jurídica esteja protegida a simples submissão à lei, é necessário que as leis decorram da vontade livre do povo representada no Legislativo e que o Judiciário seja composto por juízes independentes, “que não temam contrariar, com suas decisões, o interesse do estado”.302

Bandeira de Mello entende que o princípio da segurança jurídica não pode ser radicado em qualquer dispositivo constitucional específico. É, porém, da essência do próprio Direito, notadamente de um Estado Democrático de Direito, de tal sorte que faz parte do

sistema constitucional como um todo.303

O autor complementa:

A ordem jurídica corresponde a um quadro normativo proposto precisamente para que as pessoas possam se orientar, sabendo, pois, de antemão, o que devem ou o que podem fazer, tendo em vista as ulteriores consequências imputáveis a seus atos. O Direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da “segurança jurídica”, o qual, bem por isto, se não o mais importante dentre todos os princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles.304

Referido princípio, pois, é compreendido como conceito ou princípio jurídico que possui duas dimensões, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. No plano objetivo, a segurança jurídica recai sobre a ordem jurídica objetivamente considerada, aí importando a irretroatividade e a previsibilidade dos atos estatais, assim como o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada (artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal de

1988).305 Em uma perspectiva subjetiva, a segurança jurídica é vista a partir do ângulo dos

cidadãos em face dos atos do Poder Público.306Nesta última dimensão aparece o princípio da

302

CARRAZZA. Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 340.

303

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, pp. 112-113.

304

Idem. Ibidem.

305

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, 27. ed. São Paulo: Saraiva: 2001. Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

306

MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa Julgada inconstitucional: a retroatividade da decisão de (in)constitucionalidade do STF sobre a coisa julgada. A questão da relativização da coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pp. 65-66.

proteção da confiança, como garante da confiança que os atos estatais devem proporcionar

aos cidadãos, titulares que são de expectativas legítimas.307

Àvila, ao tratar do princípio da confiança, assevera que:

A proteção da confiança é aspecto fundamental a ser considerado, quando está em questão saber se se deve ou não proceder à manutenção dos efeitos de atos inválidos, tendo em vista razões de segurança jurídica, nos termos do art. 27 da Lei nº. 9.868/1999. É que, muitas vezes, a norma, mesmo sendo inconstitucional, gera a presunção de que seu comando será cumprido e de que seus efeitos serão regularmente produzidos, sendo tudo isso reforçado pelo princípio da constitucionalidade dos atos normativos.308

A autora complementa:

Pela segurança jurídica, busca-se assegurar ao cidadão a certeza de sua situação jurídica, o que se faz de duas formas: (a) segurança jurídica ex ante, relativa aos mecanismos que tornam possível o conhecimento e interpretação do direito (legalidade, certeza do direito: publicidade, clareza etc.); (b) segurança jurídica ex post, concernente aos mecanismos de garantia da estabilidade dos mecanismos anteriores, com o reconhecimento de uma pauta de comportamento do cidadão diante do caso concreto.309

Judith Martins-Costa esclarece que a proteção jurídica da confiança foi inicialmente apontada pela sociologia como fator de redução da complexidade social e, por isso, determinante para a orientação de condutas, cabendo ao sistema normativo a garantia das

expectativas geradas nas interações sociais.310

Em continuidade, a referida autora sustenta que o princípio da confiança liga-se, fundamentalmente, com a proteção das expectativas; e, ainda, como justificativa ou explicação para a vinculabilidade dos negócios jurídicos, advertindo que essa confiança é uma

confiança adjetivada, a confiança legítima, também chamada expectativa legítima.311

Com efeito, o cidadão, ao estabelecer relações jurídicas sob a égide de uma determinada lei ou de um ato normativo, acredita que estas se encontram protegidas pelo

307

MARTINS-COSTA, Judith. Almiro do Couto e Silva e a re-significação do princípio da segurança jurídica na relação entre o estado e os cidadãos. In: ÁVILA, Humberto Bergmann (Org.). Fundamentos do estado de direito: estudos em homenagem ao Professor Almiro do Couto e Silva. São Paulo: Malheiros, 2005, pp. 120- 148.

308

ÀVILA, Ana Paula. A modulação dos efeitos temporais pelo STF no controle de constitucionalidade: ponderação e regras de argumentação para a interpretação conforme a Constituição do artigo 27 da Lei nº 9.868/1999. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 151.

309

ÀVILA, Ana Paula. Op. cit. p. 148.

310

MARTINS-COSTA. Judith. Princípio da confiança legítima e princípio da boa-fé objetiva: termo de compromisso de cessação (TCC) ajustado com o CADE: critérios de interpretação contratual: os “sistemas de referência extracontratuais” (“circunstâncias do caso”) e sua função no quadro semântico da conduta devida: princípio da unidade ou coerência hermenêutica e “usos do tráfego”: adimplemento contratual. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 95, n. 852, out. 2006, pp. 96-97.

311

manto da legalidade. Esta confiança, que decorre do princípio da segurança jurídica, é imprescindível para que possa conduzir sua vida dentro do ordenamento jurídico, de modo que o Estado não pode desconstituir, de forma precipitada, situações jurídicas que se consolidaram amparadas por regras antes consideradas legais.