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Em 1600 ocorreu a batalha de Sekigahara, em que os Tokugawa e seus aliados suprimiram suas últimas grandes oposições. Aí começa a se moldar a

sociedade que viria a ser conhecida por Era Edo, em que, a partir de 1603, com a concessão do título de Shogun a Ieyasu, pelo Imperador, o feudalismo japonês seria “congelado” em vez de combatido, colocando o Shogun como o senhor ao qual todos os outros daimyo deveriam prestar homenagens. Durante toda a Era Edo (1603-1868) a maioria dos clãs teve sua posição na sociedade determinada pela batalha de Sekigahara, que apresentou ao poder central seus aliados e inimigos.

Apenas esta batalha, protagonizada por vários daimyo, não suprimiria por completo toda a oposição ao poder dos Tokugawa, o que fez com que a caça e supressão aos inimigos se tornasse a prioridade dos primeiros quinze anos de governo de Ieyasu. O cristianismo sofria perseguições oficiais no Japão desde, pelo menos, a década de 1580, quando Hideyoshi formalizou o édito de expulsão dos missionários católicos. Pela dificuldade em controlar a entrada e a saída de jesuítas em solo japonês, este édito não foi obedecido, o que permitiu ainda mais a difusão das crenças católicas e da ação portuguesa.

Como antigo aliado de Hideyoshi, Tokugawa também era contrário à ação missionária em suas terras, entretanto, apesar de apoiar a expulsão dos jesuítas, os primeiros anos de seu governo foram relativamente calmos para a prática católica no Japão, uma vez que o bakufu estava ocupado em fortalecer seu poder político esmagando os daimyo inimigos, confiscando suas terras e redistribuindo-as entre os aliados, o que fortalecia seu prestígio militar.

Aos olhos de estrangeiros que viviam no Japão, como o inglês Richard Cocks, feitor que viveu em Hirado entre os anos 1613-1623, o bakufu representava o domínio do território por uma pessoa, sob a espada, 56 o que estaria em concordância com os relatos do jesuíta João Rodrigues, o Tçuzzu: “... o governo ficou ainda no senhor da Tenca mostrando que governava em nome do Rey, e que tudo se faz por sua ordem, não sendo assim na verdade” [...] “e também nos tempos de agora que os senhores da ordem militar usurparam o poder real”.57 O respeito do

Shogun pelo Imperador é salientado por estes que viveram o período destacado, no

entanto o líder espiritual, desde Sekigahara, teve sua autoridade ainda mais

56 Public Record Office, Londres, East Indies, n° 42, f. 2, In.: COOPER, Michael. S. J. Rodrigues, o

intérprete. Lisboa, Quetzal Editores, p. 186.

57 RODRIGUES, João. Historia da Igreja do Japão..., transcrição do Códice 49-IV-53 (ff. 1 a 181) de BAL, preparada por João do Amaral Abranches Pinto, Macau, Notícias de Macau, 1954-1955, vol. 2, p. 186. Apud COUTINHO, Valdemar. O Fim da Presença Japonesa no Japão. Lisboa, Sociedade Histórica da Independência de Portugal, 1999, p. 25.

reduzida perante os variados estratos sociais. O historiador português Valdemar Coutinho, em sua obra O Fim da Presença Portuguesa no Japão (1999), apresenta Tokugawa Ieyasu como um líder cujas ambições transcendiam o arquipélago japonês. A unificação e a gradual supressão das oposições, que se deram principalmente nos primeiros quinze anos pós-Sekigahara, eram as principais metas do Shogun no território japonês. A atividade mercantil neste princípio da Era Edo foi fortalecida por Tokugawa no intuito de consolidar ainda mais sua posição política e militar, através de incrementos da produção agrícola e do rígido controle sobre a exploração de florestas e de minas, especialmente de ouro e prata. Neste contexto o mercador português tinha um papel importante frente à sociedade japonesa, uma vez que, através da rota marítima Macau-Nagasaki, intermediava a introdução de sedas e porcelanas chinesas no Japão em troca de mercadorias e, principalmente, de ouro e prata.58

Nagasaki, que havia sido fundada em 1570 pelo daimyo de Omura, batizado com o nome de D. Bartolomeu, teve suas atividades comerciais amplamente estimuladas, o que promoveu seu crescimento social e econômico. Outras cidades, como Osaka, Sakai, Fushimi, Nara e Yamada também viveram grande expansão econômica no início da Era Edo, estimuladas pelo comércio exterior.59 A cidade de Nagasaki foi, desde o princípio, o principal ponto irradiador da cultura ocidental, sendo, mesmo após a completa expulsão dos portugueses e proibição das práticas cristãs, o foco do cristianismo japonês. A cidade contou, desde cedo na missionação, com templos católicos em que os fiéis tinham forte contato com os padres jesuítas, que, como visto anteriormente, transmitiam conhecimentos e práticas ocidentais aos católicos japoneses.60

Através desta breve apresentação do cenário inicial da Era Edo, que os portugueses constituíam um dos pilares econômicos do Japão, ligando este território, ao menos comercialmente, com outros povos. A importância deste comércio para as autoridades japonesas era reconhecida abertamente, o que se pode notar através do édito de expulsão dos jesuítas de 1587, em que Hideyoshi exprime seu ressentimento quanto à ação missionária sem condenar a entrada de quaisquer

58 COUTINHO, op. cit., p. 27.

59 Idem, p. 27.

60

Ver: COSTA, João Paulo Oliveira e. Nagasaki, um porto cristão no País do Sol Nascente. In: Os Espaços de Um Império. Estudos, Lisboa, CNCDP, p. 213-223.

estrangeiros, como observou o padre Luís Fróis: “Daqui por diante não somente mercadores, mas quaisquer outras pessoas que vierem da Índia e não fizerem estorvo às leis dos Kami [deuses] podem vir livremente ao Japão.” 61

Com os Tokugawa, não apenas os portugueses, e a seguir holandeses e ingleses, iam até o Japão em busca de comércio, mas também os próprios japoneses dedicar-se-iam ao estabelecimento de contatos exteriores, a exemplo do que ocorreu com as Filipinas. O Shogun manifestou grande desejo em comercializar e fixar laços diplomáticos com este território, tendo, entretanto, suas ambições negadas pelo governador espanhol, que criticou os decretos japoneses contra a Igreja Católica.62

Segundo Coutinho, se a situação da cristandade no Japão não estava bem desde o final do século XVI, com o édito de Hideyoshi, o comércio português, que tornava a presença missionária ao menos tolerável no arquipélago nipônico, sofreria um forte abalo na primeira década do século XVII, com o avanço dos mercadores holandeses pelos mares japoneses.

O empreendimento mercantil além-mar da Holanda foi motivado pelos entraves impostos pela coroa espanhola em represália à emancipação política. Depois de seguidos insucessos em alcançar o Oriente pelo Norte, Jan Huygen van Linschoten, que viajou para a Índia a bordo de um navio português, escreveu no século XVI seu Itenarario, Voyage ofte schipvaert van Jan Linschoten naar Oost ofte

Portugaels Indien, em que se encontram informações sobre sociedades, costumes e

rotas comerciais de diversas regiões orientais.63 A obra de Linschoten serviria de roteiro para a navegação holandesa no Índico, em fins do século XVI, estimulando a coleta de dados geográficos acerca das regiões que circundam este oceano.

Pretendendo adquirir o controle exclusivo do comércio de especiarias, a Companhia Holandesa evitou, num primeiro momento, o contato com a costa indiana, que estava sob domínio português, direcionando-se a partes mais remotas do arquipélago indonésio, como Java, Sumatra e Molucas. Em 1596 os holandeses se estabeleceram em Bantão, na costa oeste de Java, fundando o início de seu

61TOYOTOMI, Hideyoshi. Apud FRÓIS, Luís. História de Japam, volume IV. Lisboa, BNL, p. 407.

62 COUTINHO, op. cit., p. 30.

comércio oriental, que, anos mais tarde, suplantaria o domínio luso pela região. A Batavia foi o centro administrativo e comercial da navegação holandesa pelo Oriente.

Em 1598 partiu de Roterdã uma esquadra composta por cinco navios com rumo ao Oriente, que alcançaram dispersos seu destino, por terem enfrentado fortes tormentas. Um destes navios, o Liefde, seria de suma importância no desenrolar das relações luso-nipônicas, uma vez que seu piloto, o inglês William Adams, seria muito bem recebido pelos japoneses, estabelecendo os primeiros laços diplomáticos entre Holanda e a Terra do Sol Nascente.

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