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3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA

3.1.1 Seleção do caso: Projeto Pescar

Para a seleção do caso, foram previamente definidos alguns critérios, desta forma, buscaram-se iniciativas brasileiras, tanto pela urgência de que inovações sociais aumentem sua capacidade de escala no Brasil (BOLZAN; BITENCOURT; MARTINS, 2017) quanto pela viabilidade de realização da pesquisa. Além disso, procurou-se por instituições que atuassem em pelo menos duas unidades geograficamente distintas. Outro critério foi o de que a inovação social estivesse em funcionamento há, pelo menos, 10 anos ininterruptos, como forma de selecionar casos que não fossem iniciativas pontuais e que tivessem um histórico passível de análise processual. Como último critério, buscou-se por programas que tivessem atendido ao menos 10.000 beneficiários. Os critérios tiveram o objetivo de selecionar inovações sociais que se enquadrassem em pelo menos um dos tipos de escalabilidade previamente apresentados.

Através da pesquisa inicial em sites de busca por “projetos sociais brasileiros” e, na sequência, por “projetos sociais em Porto Alegre”, foi possível encontrar o Projeto Pescar e, por meio das informações disponibilizadas no site da Fundação Projeto Pescar, foi possível confirmar a possibilidade de atendimento dos critérios atendidos.

Posteriormente, através de pesquisas mais aprofundadas em informações disponíveis no site da organização, matérias disponíveis online e trabalhos prévios, como a dissertação de Silva (2012), foi verificado que o Projeto Pescar estava também de acordo com o conceito de inovação social adotado para esta pesquisa.

A partir disso, foi iniciado contato via e-mail com um dos representantes da Fundação Projeto Pescar e, após o envio de informações sobre a proposta da pesquisa, foi possível obter contatos para dar início à realização do estudo.

Acredita-se que a utilização deste caso, como um exemplo de inovação social, pode influenciar tanto no aspecto teórico, quanto gerencial. Este exemplo apresenta-se como representativo, uma vez que sua atuação tem gerado impactos significativos para a transformação social no Brasil e no exterior (presente em 5 países), com mais de 30.000 jovens formados, obtendo altos índices de empregabilidade (92,1%). (PESCAR, 2017).

Outros aspectos chamam a atenção em relação ao Projeto Pescar, como o fato de ter sido iniciada pela atuação de um empresário, que buscou através da criação de uma solução, teoricamente simples de ser executada, modificar uma realidade social. Além disto, destacam- se a expansão e a sobrevivência desta prática por mais de 40 anos, bem como o modelo de gestão adotado pelo Projeto Pescar, que lhe diferencia de outras instituições sociais, tornando-

se uma atrativa parceria para empresas que desejam contribuir para a melhoria da sociedade, mas necessitam de orientação e acompanhamento para tanto.

O conceito de inovação social adotado neste estudo está em concordância com as características resumidas no Quadro 2, no capítulo de Fundamentação Teórica, destacando-se o entendimento de que inovações sociais são as propostas de mudanças sociais que tenham como objetivo a satisfação das necessidades humanas urgentes, buscando contemplar carências até então não atendidas pelos sistemas existentes, sejam estes públicos ou privados (MOULAERT; GONZÁLEZ; SWYNGEDOUW, 2007), que visem a transformação social (HOWALDT; DOMANSKI; KALETKA, 2016), bem como a melhoria da qualidade ou a quantidade de vida, incluindo-se bem-estar material, oportunidades de ensino e aprendizagem, vida comunitária, entre outros. (POL; VILLE, 2009).

Entende-se que o Projeto Pescar tem potencial para promover a qualidade de vida através da sua metodologia de trabalho, que favorece a formação profissional e cidadã dos jovens em situação de vulnerabilidade social, assim como promove o engajamento de diversos envolvidos como empresas, instituições parceiras, voluntários, funcionários contratados e os próprios usuários.

Considerando esta abordagem, percebe-se o Projeto Pescar como uma inovação social, ressaltando a prática social que é fortalecida em todas as etapas de sua execução, o envolvimento e a participação de diversos atores sociais, bem como a solução e o impacto social gerado para milhares de jovens e suas famílias, que, conforme dados coletados, possivelmente não teriam acesso a esta formação e orientação sem a participação no projeto.

3.1.1.1 Projeto Pescar como uma inovação social

Uma tendência observada, principalmente em países em desenvolvimento, como o Brasil, é que, embora comumente surjam devido à falta de atuação, ou ineficiência do estado, a maior parte das inovações sociais não são iniciadas pelos governos, mas por cidadãos que buscam soluções para os problemas sociais que identificam, e, normalmente seguem, da mesma forma, se sustentando sem o apoio do estado (OMONOV; VERETENNIKOVA, 2016), assim como ocorre na história de Geraldo Linck e do Projeto Pescar.

O Projeto Pescar atua numa lacuna vista como grave e onde existe um déficit de inovações sociais: o difícil processo de transição dos adolescentes para a fase adulta. Mulgan et al. (2006) apontam como urgente a necessidade da criação de inovações sociais que apoiem os jovens na orientação e busca bem-sucedida por carreira, relacionamentos e estilos de vida

mais estáveis. Ao propor uma formação socioprofissionalizante, o caso pesquisado consegue atender a essas demandas com resultados efetivos de transformação social.

No ano de 2008, Sylvia Bojunga publicou um livro, intitulado “Pescadores de Sonhos”, composto por diversas histórias de jovens atendidos pelo Projeto Pescar que mudaram sua vida e de seus familiares em vários aspectos, superando diversos problemas como pobreza, falta de orientação e de perspectivas, violência, trabalho infantil (e precarizado), entre outras situações, que dificilmente seriam superadas sem orientação e apoio. São dezenas de relatos que podem ser entendidos como uma das evidências da transformação social gerada na vida dos beneficiados.

Desde sua concepção, o objetivo do Projeto Pescar é atuar na busca da satisfação das carências até então não atendidas pelos sistemas existentes, sejam estes públicos ou privados, assim como a definição de inovações sociais proposta por Moulaert, González e Swyngedouw (2007). Ao preparar o jovem para entrar no mercado de trabalho e para organizar sua vida de uma maneira que impacte positivamente no seu futuro, no de sua família e de sua comunidade, o Pescar consegue afastar o jovem das adversidades já citadas.

Os modelos existentes e dominantes, especialmente em termos de políticas públicas, não conseguem alcançar estes problemas, ou simplesmente não são eficientes. Comumente são inflexíveis, não conseguindo se adaptar às necessidades atuais, atendidos por órgãos que, muitas vezes, se tornam complacentes ou desatualizados, ou, ainda, que se vinculam a interesses diversos, resultando em potencial não realizado e no sofrimento humano, que deixa ser evitado. (MULGAN et al., 2006). Por isso, se entende que inovações sociais que atendam aos jovens em situação de vulnerabilidade são relevantes para a realidade enfrentada em países em desenvolvimento.

Assim, o estado, muitas vezes, não é capaz de oportunizar um padrão de vida aceitável e dar conta das demandas sociais. Seja por estruturas governamentais ineficientes ou por falta de capacidade de gestão, os cidadãos ficam desprovidos de recursos considerados essenciais. Em situações como esta, as iniciativas promovidas pelos cidadãos são benéficas para a criação de soluções inovadoras que ajudem a sociedade e os próprios governos. (OMONOV; VERETENNIKOVA, 2016).

Quando o objetivo do Projeto Pescar é alcançado, o jovem consegue sair de uma situação inicial de vulnerabilidade para um papel de cidadão, pronto para buscar alternativas para seu sustento, seja por meio do trabalho formal ou do empreendedorismo. Atingindo, assim, a transformação social (HOWALDT; DOMANSKI; KALETKA, 2016) almejada desde

o início do processo, bem como a melhoria da qualidade (POL; VILLE, 2009) do beneficiário e, muitas vezes, de sua família.

O foco na transformação social do jovem é apontado como primordial. Um dos fatores desta transformação é o contato com o “mundo real” para aprendizagem, uma vez que as aulas permitem contato com profissionais voluntários e realização das aulas e vivências nas dependências de empresas apoiadoras. Além de diversas atividades externas, lúdicas, anualmente existe uma mobilização em que os jovens de todas as unidades são envolvidos na execução de atividades voluntárias como forma de se colocarem no papel não apenas de beneficiários, mas de agentes, sendo este um dos propulsores da transformação social.

Nas análises realizadas, foram identificados itens que se associam a capacidades dinâmicas (sensing, seizing e transforming). Os principais resultados observados apontam para a existência de diversas práticas, entendidas como microprocessos das capacidades dinâmicas da inovação social. Entende-se que tais microprocessos apoiaram a mudança de uma situação inicial de atendimento a um grupo de 15 beneficiários, em uma única organização, para a situação atual de mais de 30.000 jovens atendidos.