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4.4 Outras vivências na universidade: uso do tempo, relação com os estudos e experimentação

4.4.2 Relação com os estudos e experimentação universitária

4.4.2.3 Sem tempo e sem dinheiro: as vivências universitárias de Luiz

Luiz (21 anos), à época da entrevista, estava prestes a concluir o Bacharelado em Ciência e Tecnologia106. Em seis semestres (período regular de integralização do curso) na universidade, Luiz participou de atividades diversas, como um estágio no GEPAF, com

106 Como vimos no Capítulo II, este curso tem duração de 06 semestres e habilita o estudante ao ingresso em uma das seis engenharias: Civil, Hídrica e de Produção (ofertadas no Campus do Mucuri) e, Mecânica, de Alimentos e Química (ofertadas no Campus de Diamantina).

realização de pesquisa na zona rural; como voluntário no Projeto Cine Mucuri; como iniciação científica em projeto de análise do rio (realizando atividades no laboratório) e em projeto de análise biológica das águas em comunidades quilombolas; como membro fundador do Núcleo de Estudos em Tecnologias Sociais – NETS, dentre outras.

Seu cotidiano na universidade foi marcado por uma intensa atividade acadêmica: “tem dia que eu tenho aula de manhã, tem dia que eu tenho de manhã e tarde e tem dia que tenho de manhã até de noite, até 22h. Neste caso, não dá para você fazer nada, só assistir aula”. Além das atividades em sala de aula, Luiz afirma que sempre que possível, participa de atividades promovidas na universidade, por outros cursos e avalia que conseguiu participar do ensino, da

pesquisa e da extensão: “Eu acho que eu consegui”. Dentre as diversas atividades das quais

participa, Luiz ressaltou a importância da iniciação científica para a sua permanência na universidade.

Eu gosto muito do que eu consigo fazer na iniciação científica. Eu tenho uma particularidade com minha iniciação científica, porque eu adoro extensão e, como, trabalhar com comunidade quilombola e detectar que há ocorrência de a água deles não estar boa, e aí? Aí fica aquela pergunta vaga, você vai fazer o que com isso? Para eles, para a gente... aí, tipo assim, conseguir fazer a iniciação científica, fazer a pesquisa e conseguir voltar na comunidade, trabalhar isso com ela, eu acho isso extremamente interessante.

O jovem, que se preparava para o ingresso na engenharia, fez uma análise do curso em andamento destacando que não consegue visualizar o profissional bacharel em ciência e tecnologia. Assim como a maior parte dos seus colegas de curso107, Luiz ingressou no BCeT visando cursar uma engenharia. Na sua avaliação, o BCeT é um curso bom, porém, com deficiências, dentre as quais destaca o fato de não ter estágio, ter uma carga horária muito grande e ter muita matéria que, a seu ver, não serão utilizadas após a graduação.

Luiz também chama atenção para o compromisso que, na sua opinião, a universidade pública deveria ter com a região na qual está inserida. Para o jovem estudante, a universidade deveria primar por uma formação profissional crítica, que contribua com o desenvolvimento regional, proporcionar “no mínimo, uma visão crítica sobre a realidade que está inserido. [...] tem que ter pelo menos essa discussão para que a pessoa consiga ter essa distinção: eu quero isso ou não”. O estudante aponta esta questão como uma das deficiências do curso, e, considerando que se trata de um curso preparatório para as engenharias, pondera:

O curso de engenharia, [...] é um curso de desenvolvimento, entendeu? O objetivo do profissional da engenharia é desenvolver, aí você passa pelo pressuposto: aonde eu estou inserido, aonde a universidade está inserida? Ela está criando profissionais para o desenvolvimento para ir para São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte?

Pesquisadora - O que na sua opinião seria formar profissionais para o desenvolvimento dessa região? O que precisaria para isso?

Eu acho que, principalmente, uma discussão dentro do curso, entendeu? E isso

ser mais bem tratado. Porque tem matérias de humanas dentro do curso, mas isso não é bem tratado. Eu acho que isso deve ser mais bem refinado, porque quando não é, nem o aluno, nem o próprio professor dá importância para a matéria. Fica aquela coisa sem sentido nenhum.

Pesquisadora - E essa abordagem seria efetivamente na área de humanas?

Não. Eu acho que os professores de exatas... eu acho que é uma deficiência dos professores de exatas, porque eles são formados para fazer conta, entendeu? Parecem uma calculadora! [...] Eles parecem, a maioria, não estou falando de todos, mas a maioria parece uma calculadorazinha. Não te contribui. Te contribui assim, para me ajudar a fazer a conta, só. O que aquela conta vai me ajudar?

Pesquisadora - Na sua opinião, deveria ser além disso?

Sem dúvida alguma. Se um professor de cálculo, aconteceu alguma coisa, “o gente, hoje não vamos falar sobre cálculo, não. Vamos tentar pensar sobre isso...”, entendeu? Não sei se é bem isso... mas eu acho que tem que conseguir ir além da matéria. Cálculo por cálculo? Eu estou num curso interdisciplinar, onde o objetivo seria fazer essa integração entre os conhecimentos. Aí eu chego na sala de aula e a única coisa que eu consigo falar é sobre conta, eu não consigo linkar isso com nada. É só responsabilidade do aluno fazer isso, conseguir, realmente, fazer o curso interdisciplinar?

Luiz relatou que durante sua graduação deu maior prioridade à universidade que à vida

pessoal. E, neste contexto, segundo o jovem, “a universidade te consome, te deixa seco, ela

deixa. Você acaba deixando um pouco a sua vida de lado”. Para o jovem estudante, esta condição poderia ser abrandada com a oportunidade de vivenciarem experiências para além da sala de aula, que possibilitem formação do ponto de vista profissional e também pessoal.

É fundamental! Senão, comparado à sala de aula, é até mais importante. Eu acho que ser pessoa e ser um profissional são duas coisas que tem que andar junto. Se eu estou aqui e só assisto aula, eu não consigo me contribuir com mais nada, eu me perco no sentido da minha vida, como ser humano, não como profissional, mas como ser humano.

Para Luiz, principalmente na área de exatas, a sala de aula não dá conta desse aspecto. O jovem estudante também faz referência à estrutura deficitária da universidade, especialmente no que diz respeito à oferta de espaços de convivência.

Você não tem um lugar para sentar aqui nessa faculdade. Você quer sentar, aqui fora você vai morrer, porque esse sol... não tem uma sombra. A não ser que você fique... tipo assim, a única forma é na hora do almoço lá embaixo. Pelo menos o meu curso, que é de manhã. Só. O resto, é sala de aula e ir embora, porque ninguém aguenta ficar aqui, não.

Luiz compara as condições dos estudantes da UFVJM à de estudantes de outras universidades, que, a seu ver, possibilitam uma inserção mais profunda do jovem em relação a outras situações possíveis de serem experimentadas na universidade “Lá eles tem um show no pátio, eles tem até estrutura física para isso... aqui você não tem. Aqui é vir assistir aula e morreu... por que você vai ficar num campus que não te oferece nada?

Luiz concluiu o BCeT e atualmente cursa graduação em Engenharia Química, no Campus de Diamantina. O jovem estudante que, afirmou, durante a entrevista, “[...] eu tinha noção que eu ia ter que sair de casa, e isso era uma necessidade para me conhecer e conhecer o mundo”, participou da seleção do Programa Ciência Sem Fronteiras e, no mês de julho de 2013, foi contemplado com uma bolsa de estudos na Irlanda, aonde realizará parte dos seus estudos.

Para Luiz, a universidade é muito importante na sua vida: “é por ela que você começa

a traçar um bocado de caminhos que você pode seguir. [...] por meio da universidade eu consigo pensar no meu amanhã, depois de eu formado”.