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3.2 Condição juvenil: trabalho precoce, trajetórias de escolarização e sociabilidade

3.2.5 A sociabilidade juvenil

Outra dimensão importante da condição juvenil é a sociabilidade que, conforme

Dayrell (2007, p.1.110; 1.111) “se desenvolve nos grupos de pares, preferencialmente nos

espaços e tempos do lazer e da diversão, mas também presente nos espaços institucionais como

a escola ou mesmo o trabalho”. Urresti (2002) afirma que os grupos de pares constituem a

primeira ampliação da rede de relações nas quais os adolescentes ingressam. São grupos de amigos que se reúnem para passar o tempo, escutar música, conversar, praticar esportes, planejar saídas e explorar espaços desconhecidos37. Esses grupos caracterizam-se por constituírem um espaço próprio de afastamento temporário da vigilância e de autoridade familiares e escolares, autônomo em relação às práticas e gostos predeterminados pelo mundo adulto. São grupos que estabelecem seus próprios mecanismos de controle e funcionam como agências mais ou menos duradouras de socialização (URRESTI, 2011)38. Os relatos dos jovens entrevistados retratam esta definição de Urresti (2002). Alguns fizeram referência a amigos de infância, da rua, da escola, apontando sua existência sem, contudo, desenvolver a seu respeito. Outros se referiram a grupos distintos de amigos, como Luiz que mencionou o grupo da escola e o grupo de oração. Conforme relato deste estudante, em virtude de cultivarem pensamentos diferentes, os grupos não se misturavam entre si. O jovem faz menção a assuntos que podiam ser tratados em um grupo (escolar) e eram evitados no outro grupo (da igreja), o que ilustra a existência de mecanismos de controle próprios aos grupos de pares:

35 Aqueles que conseguem ultrapassar a barreira do ensino básico.

36 A este respeito, Zago (2006) afirma que os efeitos da exclusão do acesso ao conhecimento aparecem fortemente na escolha do curso superior, assim como, quando do ingresso neste nível de ensino, nas primeiras fases do curso, questões que abordaremos mais adiante.

37 Tradução livre. 38 Tradução livre.

Quando você tem os amigos em relação à escola, você tem uma liberdade de assunto bem maior. Não tinha aquela coisa de você estar falando alguma coisa que não está dentro dos padrões da igreja, você estar blasfemando. Coisa assim, entendeu? De você estar pecando... não tinha essa cobrança, então... tinha liberdade de expressão.

Pesquisadora - E no grupo de oração?

Você sempre tem aquele amiguinho que é mais bitolado em relação a isso. Aí ficava... ‘não, não vamos falar isso não’. Tinha um certo controle né. (Luiz, 21 anos)

Kim Xavier relata que tinha bastantes amigos na cidade de origem e que, costumeiramente, se reuniam para práticas de jogos coletivos. Além disso, ingressou num time de futebol da comunidade da zona rural e que, com o grupo, viajava para disputar campeonatos em cidades vizinhas aos finais de semana. Aline faz referência aos amigos a partir da sua inserção na escola em Novo Oriente, já que na sua comunidade de origem não havia outras pessoas da sua idade.

Liberdade Livre e Gilson, com idades bem superiores à média dos demais entrevistados, fazem referência a amigos da juventude sem mencionar experiências anteriores. Estes jovens vivenciaram boa parte da sua juventude na região metropolitana de Vitória – ES. Com 21 anos na época, Gilson (28 anos) relata o que segue: “[...] eu ganhava bem, [...]minha diversão era cerveja na praia, rodas de viola com amigos, barzinhos caros na capital”. Liberdade Livre, referindo-se aos seus 18 anos, mencionou o grupo de jovens da igreja e fez referência a amigos de classe média, com os quais frequentava shoppings, ia à praia, realizava passeios, dentre outras coisas. Sua sociabilidade juvenil foi permeada por elementos e equipamentos bem distantes dos disponíveis aos jovens residentes nos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.

Importante ressaltar que, embora o Vale do Jequitinhonha seja conhecido mundialmente também por suas riquezas culturais, assim como no Vale do Mucuri, há uma escassez acentuada de equipamentos culturais e de lazer39, que implicam a condições desiguais de acesso ao lazer e à cultura e interferem nas oportunidades de expressão e fruição cultural pelo segmento jovem.

39 Importa ressaltar que os Vales do Mucuri e Jequitinhonha são regiões com escassez de equipamentos culturais. Dos 74 municípios que compõem os dois Vales, 14 possuem teatro (05 no Vale do Mucuri)- nem todos públicos, 02 possuem cinema, 13 possuem centros culturais (04 no Vale do Mucuri) e 09 municípios apresentam pluralidade de equipamentos culturais39. No município de Teófilo Otoni, cidade de localização do campus do Mucuri, há 01 teatro (privado), não há cinema nem centro cultural

Questionados sobre como é ser jovem em contextos como esse, todos os entrevistados fizeram referência às poucas opções de lazer na região, como se fosse natural que a juventude fosse um tempo de vida dedicado ao lazer. A definição do modo de ser jovem pela ausência de opções de lazer coloca em pauta um aspecto importante para o desenvolvimento pessoal e integração social dos jovens, já apontado por Minayo (1999): o lazer, o esporte, a arte e a cultura são fundamentais na formação da visão de mundo dos jovens na construção de sua identidade e no enfrentamento de tabus culturais.

João destaca outros aspectos que, sob o seu olhar, permeiam a condição juvenil nos Vales, como a falta de referência, de perspectiva futura, de emprego, de educação e a ameaça da violência.

Os jovens não tem referência. Eu posso falar basicamente da minha região, não tem referências enquanto jovens, enquanto juventude. Eles não reconhecem essa importância. Então, são poucas experiências, não têm experiências os jovens. Não vejo que eles tenham experiência. Estou falando numa conjuntura geral, não estou falando em relação a mim que já estou inserido na universidade, estou falando na conjuntura Salto da Divisa, são jovens que não tem experiência, o que é juventude? Você vai, estuda, está fazendo o ensino médio, acabou. Ou você arranja uma família, você se casa, você vai para os grandes centros, se submete a um trabalho que nem assalariado é e está vivenciando sua vida. Mas, não é isso, necessariamente, que seria para a juventude, para os jovens estar vivenciando. Seria algo bem mais intenso.

[...] a gente termina o ensino médio e não tem como trabalhar, não tem como prosseguir nos estudos. Mas, também, essa questão de ser jovem, vivenciar de forma mais intensa, eu vejo como uma questão difícil... são cidades do interior, dentro do Baixo Jequitinhonha, dos Vales do Jequitinhonha, alto, médio, também, Jequitinhonha, alto, mas eu vejo que eles não têm experiência de vivenciar, por exemplo, coisa que eu já vivenciei como o grupo de teatro, músicas, que não necessariamente precisa ser trabalho, às vezes não é o trabalho que vai te formar para você ter senso crítico, ele não vai te dar essas possibilidades, entendeu? A gente debate também a questão da arte, da cultura, dar espaço para esses jovens, mas não tem espaço para isso. (João, 23 anos)

João ressalta que as possibilidades de vivenciar a juventude em regiões como as dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri apresentam-se de forma limitada, com forte apelo à formação familiar, à migração para inserção no mercado de trabalho – geralmente em condições precárias. Nesse contexto, o jovem estudante aponta seu ingresso na universidade como um diferencial em relação à condição juvenil da maioria dos jovens da sua cidade, destacando a importância de vivenciar outras experiências- como as voltadas para a arte e cultura- que ultrapassem a

centralidade do trabalho na sociabilidade dos jovens, o que lhe foi possível a partir da sua condição estudantil.

A este respeito, Urresti (2011) afirma que a juventude é uma condição cheia de promessas, mas também de incertezas e medos, pois o futuro se apresenta aberto e sem

contornos. Para o mesmo autor, “nas sociedades onde os recursos são escassos ou estão

distribuídos de modo muito desigual, as possibilidades objetivas dos adolescentes e jovens inserirem-se no futuro, tendem a ser tão diversas como os recursos materiais, afetivos, didáticos

e de apoio externo com os quais podem contar”40. Esta diversidade de possibilidades abarca, inclusive, a inserção social dos jovens pela via da violência, tráfico de drogas, dentre outras, conforme depoimentos de João e Liberdade Livre.

Eu tenho alguns amigos que foram presos, outros foram assassinados. Então, simplesmente, porque eu fui um jovem que estava inserido, tinha vários caminhos, então ele procurou outros. (João, 23 anos)

É difícil, eu olho para a minha geração e é uma geração que não terminou o segundo grau, muitos morreram por conta do tráfico... hoje tem muitas, uma ninhada de filhos, [...] não é fácil, não é uma vida fácil ser jovem nos Vales. Mas, também, eu olho para os meus amigos e não vejo muito arrependimento deles. Arrependimento da vida que levam, eu vejo um certo prazer de viver, de estar. Eu não sei se é bom ou se é ruim. (Liberdade Livre, 30 anos) A relação juventude-violência, conforme Abramoway (et all, 2002, p. 56) é percebida como produto de dinâmicas sociais, pautadas por desigualdades de oportunidades, por segregações, por uma inserção deficitária na educação e no mercado de trabalho, pela ausência de oportunidades de lazer, de formação ética e cultural em valores de solidariedade, de cultura, de paz e de distanciamento dos modelos que vinculam esforços a êxitos. Todavia, destacamos que tal relação não constitui privilégio de jovens em condições desfavoráveis de acesso aos bens materiais e culturais. A experiência de Gilson com o uso de drogas é reveladora desta situação que vem permeando a condição juvenil, independentemente de classe social:

[...] por grande infelicidade, tive envolvimento com drogas durante um tempo e isso desestabilizou minha vida completamente. Eu era jovem demais... Independente... Tinha status... E me deixei levar. Saí da empresa que estava, pois a situação estava se tornando insustentável. Tentei alguns novos empregos, mas enquanto esse problema de dependência química não fosse resolvido, percebi que tudo seria em vão. Foi quando eu solicitei ajuda de

minha família e pedi para fazer um tratamento de desintoxicação. (Gilson, 28 anos)

Questionado sobre como foi o contato inicial com as drogas, Gilson relatou o que segue:

Todas as drogas que já experimentei foram obtidas por minha própria vontade... Ninguém nunca me ofereceu nada... Como eu saí pra morar sozinho muito cedo, 14 anos, e sempre procurei ter minha independência financeira... Eu propriamente decidi comprar e experimentar... Cigarro... Álcool... Maconha... Cocaína... E crack... Como acredito que possuo uma predisposição genética altamente propícia, daí pra frente a alta dependência foi só uma questão de tempo. (Gilson, 28 anos)

Gilson, diferentemente do que acontece com muitos jovens, encontrou na família o apoio e as possibilidades de se submeter a um tratamento para desintoxicação, durante o qual permaneceu internado por 4 meses em uma clínica no ano de 2009. “De lá pra cá, não fiz mais uso de nenhuma droga química... Uso apenas álcool, cigarro e maconha, recreativamente”, afirma o jovem estudante. Após período de tratamento, Gilson optou por focar nos estudos e viu na oportunidade de ingresso na universidade pública a ampliação do horizonte de possibilidades de se manter afastado das drogas. Todavia, desde que ingressou no ensino superior, percebeu que o ambiente universitário é também propício à distribuição e uso de drogas diversas: “a diversidade de cursos, a proximidade com BH (Belo Horizonte) proporciona muitas festas, grande diversidade de drogas nas festas... dentro da própria universidade. Tem que ter a cabeça bem no lugar aqui” (Gilson, 28 anos).