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SEMIÓTICA GREIMASIANA: NOÇÃO DE NARRATIVIDADE

4 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA

4.2 SEMIÓTICA GREIMASIANA: NOÇÃO DE NARRATIVIDADE

Inúmeros teóricos vêm se inspirando nas concepções saussurianas e hjelmslevianas, mas, merecem destaque, para o desenvolvimento do presente trabalho, as contribuições aportadas por Algirdas Julien Greimas.

Greimas, estudioso lituano, tomando por base, inicialmente, algumas constatações do russo Vladimir Propp, que identificou regularidades presentes na organização dos contos maravilhosos russos, propõe a existência de regularidades na estruturação do conteúdo de todos os textos, ou seja, na organização do conteúdo do que os homens dizem em qualquer linguagem. Ancorado nas teorias saussureanas e hjelmslevianas, e privilegiando, em seu

trabalho, o exame do plano do conteúdo em detrimento do da expressão, Greimas (1979) apresenta como uma de suas principais contribuições a noção de narratividade, ou seja, da existência de um tipo específico de forma estruturadora da substância do conteúdo, presente e extensiva a todo e qualquer tipo de texto.

A teoria greimasiana, tendo como objeto de estudo o texto em suas relações de significação e sentidos, busca identificar o que eles dizem, e, principalmente, como fazem para dizer o que dizem. A narratividade, forma estruturadora do conteúdo dos textos, independentemente do gênero a que estejam ligados, possui um caráter lógico-sintático- semântico, estruturando-se em três instâncias de profundidade e complexidade distintas:

A instância fundamental – mais simples, profunda e abstrata, contempla as formas organizadoras da narrativa que tem um caráter universal, articulando temas e valores por pares opositivos.

A instância narrativa – menos profunda, mas também abstrata, retoma os temas e valores em pauta na instância anterior e os submete a uma ordenação cultural e ideológica, a partir da inserção dos sujeitos. Nessa instância, os valores são, assim, assumidos pelos sujeitos da narrativa, que com eles estão em conjunção e/ou disjunção.

Para Greimas, a estruturação narrativa, do ponto de vista sintático, organiza-se em três percursos que mantêm entre si relações de pressuposição e implicatura, tendo por base três instâncias, correspondentes às provas, que se repetiriam impreterivelmente em tudo o que é contado – a qualificação do sujeito, em que um destinador manipulador dota o sujeito de competência para ação; a realização do sujeito, representada pela ação do herói em busca do objeto de valor pretendido; e a sanção do sujeito, em que o destinador julgador avalia essa ação realizada pelo herói tendo em vista sua previa qualificação. Há uma coerência lógica entre qualificação, ação, sanção, da ordem de causa/consequência; de meio/fim; de antes/depois (DUARTE, 2012a, p. 328).

A instância discursiva – mais superficial e com maior concretude, corresponde as escolhas feitas pelo enunciador quanto ao modo de contar sua narrativa, tendo em vista as virtuais possibilidades que lhes são ofertadas por diferentes dispositivos. Essa instância comporta, assim, distintos dispositivos de ordem semântica e sintática, a serem operados pelo enunciador, com vistas à produção dos efeitos de sentido pretendidos. São eles: a tematização, que diz respeito aos temas e valores em jogo em uma dada narrativa; a figurativização, que se refere à forma como esses temas são conformados no discurso; a actorialização, que é concernente à configuração dos atores envolvidos na narrativa; a

espacialização, que diz respeito a configuração dos espaços privilegiados pela narrativa; a temporalização, que se refere ao modo de tratamento discursivo do tempo pela narrativa; e a tonalização, que fornece indicações ao receptor de como deve interagir com o discurso que lhe está sendo ofertado. Esses dispositivos possibilitam ao enunciador organizar a sua narrativa, tendo em vista seus propósitos e a intenção do ato comunicativo que atualiza.

Dentre os dispositivos discursivos, merece aqui destaque a tonalização, por sua relevância na análise do corpus proposto para a investigação. A tonalização, segundo Duarte (2007), é um dispositivo de caráter sintático-semântico, responsável pela conferência de um ponto de vista a partir do qual uma narrativa quer ser reconhecida. Trata-se de uma forma de endereçamento, cuja finalidade é facilitar a interação com o receptor.

A tonalização, enquanto processo, atribui ao discurso um tom principal, correlacionando-o com outros tons subjacentes, articulados de forma estratégica, tendo em vista o intuito do enunciador ou da instância de enunciação. Possibilita, com isso, o reconhecimento das posições assumidas pelo enunciador e fornece indicações de como sua narrativa deve ser interpretada pelo receptor.

O tom principal inscrito em um texto é determinante, pois em torno dele se organizam outros tons e modos que se sucedem no decorrer de sua discursivização, segundo as regras da tonalidade. Assim, os enunciadores, como sujeitos operadores de determinadas seleções e combinações, capazes de produzirem as articulações responsáveis pela instauração da significação, definem o tom principal a ser conferido ao que é enunciado (DUARTE, 2007, p.44).

As diferentes formas de combinação entre os tons, ou seja, de combinatórias tonais, independentemente do gênero a que pertence um texto televisual, seja ele factual, ficcional ou simulacional, diz da ótica e do estilo do enunciador.

O tom corresponde, assim, à tentativa de se alinharem ou harmonizarem os diferentes elementos constitutivos de uma produção televisual: tema, gênero, subgênero, público, forma de interação pretendida com o telespectador. Desse modo, a escolha de um tom nunca é neutra e nem pode ser, pois ela indica a relação a ser estabelecida entre o produtor e o telespectador, buscando sempre a adesão e interação desse esse último. O tom manifesta-se muitas vezes de forma difusa, através de diferentes elementos ligados ao plano da expressão do texto em análise – figurino, gestualidade, fala, trilha sonora, cenários, ritmo. Em síntese, a escolha de um tom em detrimento de outros tem sempre um caráter estratégico: mas, há sempre a intenção de interpelar o telespectador a interagir com o programa e dele se tornar cativo. Sua

seleção e combinação com outros tons, a partir das diversas variáveis possíveis, confere identidade a um personagem, a uma emissão, a um programa.