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4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.3. Sentidos atribuídos pelas professoras ao trabalho na Oficina

4.3.3. Sentidos da professora Michelle

A participante Michelle assim se expressa quanto à sua visão de educação integral:

Eu acredito que a formação integral, aqui, no município de Sorocaba, não indo mais longe que isso, deveria ser eu poder trabalhar aqui a mesma coisa que o professor trabalhar na sala de aula, nas matérias, na disciplina de português e de matemática, que eu pudesse trabalhar com atividades lúdicas e que eu pudesse ter acesso a uma internet, por exemplo, que aqui nós não temos internet... que eu tivesse uma internet, que eu precisasse

num momento de pesquisa; eu não tenho, nada para poder pesquisar. Que eu pudesse trabalhar atividades lúdicas com eles, englobando toda a matéria, só que eu tivesse todo, como eu falei, material, apoio, pudesse recorrer: “olha, estou com dúvida, posso trabalhar isso? Vai ser legal, vamos trocar”... isso seria na parte de português e matemática. No geral, no resto, que é, fruição estética: que eu tivesse material para trabalhar uma atividade corporal, que é o que é para trabalhar... na robótica, por exemplo, que tem a robótica aqui; mas, que eu tivesse... eu não sei trabalhar robótica, eu não sei montar o robô. E eu tenho o material, só que eu não sei montar esse robô (MICHELLE).

Michelle expressa claramente sua definição de educação integral como a possibilidade de trabalhar, no contraturno escolar e de forma lúdica, “a mesma coisa que o professor trabalhar na sala de aula”, especialmente os componentes curriculares língua portuguesa e matemática. Ao tratar das demais situações de aprendizagem, Michelle menciona a questão da carência material como empecilho para o desenvolvimento de atividades corporais no eixo “fruição estética”; concernente ao eixo “experimentos/robótica”, para o qual ela dispõe do conjunto de peças e manuais adquiridos pela escola, a dificuldade, relativa à formação docente, é “não saber montar o robô”:

O ano passado (2016) nós montamos, funcionou, uma parte, o ano passado. Por que era uma cancela de estacionamento, ela subia, mas não descia... então nós precisávamos de um curso que me ajudasse, porque, mesmo eu seguindo o manual, eu não consegui fazer aquela cancela descer. E esse ano nós estamos tentando fazer um guindaste, mas não conseguimos fazer o guindaste funcionar; nós montamos o guindaste, ele está montado, mas nós não conseguimos fazer ele funcionar. [...] Nem a fiação elétrica a gente não conseguiu colocar, porque nós não conseguimos a parte correta, entendeu? Porque sumiu material, se perdeu no meio do caminho (MICHELLE).

Posteriormente, Michelle opina que os eixos estruturantes “experimentos/robótica” e “fruição estética” deveriam ser atribuídos a profissionais com formação específica:

Por que eu sou professora de regular: eu sei trabalhar e sei deslanchar dentro de um regular. Aqui a gente foi jogado, “entrei de gaiato num navio”, entendeu? [...] Na verdade, Edmar, o que eu acho que deveria ter: um profissional específico para cada área. Por que para nós foi jogado: você vai trabalhar teatro, você vai trabalhar música, você vai trabalhar dança, você vai trabalhar robótica... mas eu não sou uma profissional habilitada para trabalhar com cada uma dessas áreas (MICHELLE).

Até este ponto, percebe-se que para Michelle a educação integral viria a concretizar-se na Oficina caso fosse possível a ela prestar um apoio lúdico e pedagógico ao período regular nos componentes curriculares de língua portuguesa e

matemática, ficando os demais eixos estruturantes ao encargo de profissionais com formação específica; logo, prestar semelhante apoio não é possível primeiramente porque as atribuições que lhe são assignadas vão de encontro às suas limitações formativas. Além disso, o trabalho de apoio pedagógico e lúdico por ela defendido exige acesso a recursos materiais e a respaldo por parte da equipe gestora; no entanto, a ausência desse suporte gerenciador em adição à carência material são reclamações facilmente perceptíveis nas falas de Michelle. Nesse sentido, a professora destaca a aquisição de materiais com seus próprios recursos e a pesquisa como estratégias pessoais para a superação das adversidades e desenvolvimento de seu trabalho:

Nós fazemos da melhor forma possível, tentando utilizar os meios que nós temos. Que nós temos, por exemplo... pouquíssimo material... diria quase nada. A maioria das atividades que eu fiz, eu trouxe... eu tirei do meu bolso... eu trouxe de casa para fazer (MICHELLE).

Mesmo para o eixo “experimentos/robótica”, que a princípio conta com o conjunto de peças e manuais para a montagem dos modelos automatizados, Michelle declara ter sido necessária a utilização de recursos pessoais:

Robótica, nós temos o Modelix, que a direção comprou para nós trabalharmos. Só para o 4º e 5º... E que você monta um robô, já terminou o projeto. E o robô do Modelix é uma coisa fácil de ser montada. É assim: em termos é fácil, né, nós seguindo o manual, vai conseguindo montar. Mas, terminou, montou, tem que desmontar e montar outra coisa; e, para um ano todo para fazer isso, é complicado. [...] Eu tive que pesquisar bastante coisa em ciências, por exemplo, como experiência, para colocar, porque só o Modelix não dava. Então eu trouxe muitas coisas que eu pesquisei na internet para fazer com eles. E trouxe material de casa, porque aqui não tinha (MICHELLE).

Quanto ao eixo “fruição estética”, Michelle destacou situações de aprendizagem envolvendo a manipulação de papel e argila, de forma a proporcionar às crianças ocasião para expressar seus sentimentos e problemas pessoais:

Como eu tenho um 5º ano, eles já são pré-adolescentes, praticamente, tem algumas atividades que eles não aceitam: se é muito infantilizado, eles se recusam a fazer. Então, para não tornar atividade, o dia a dia deles maçante, eu procuro fazer o que vai chamar atenção deles. Então, em fruição estética, por exemplo, eu trabalho muito com dobradura, que é uma coisa que eles gostam de fazer. Trabalho muito com eles para eles expressarem os sentimento deles em fruição estética. Então, em algumas atividades eles chegam a se abrir com os problemas que eles estão passando, de acordo com as atividades, como ir na frente do espelho sentar todos na sala de vidro, que tem, de espelho lá encima, eles se olharem, desenhar o que eles estão sentindo naquele dia, o rosto deles com a

fisionomia do que eles estão sentindo. Depois relatar o quê eles estão sentindo. Nessa atividade eu tive muito retorno de alunos falando os problemas que estavam passando. Massinha, argila, bater na argila, sentimento que você está... o que você tem nesse sentimento agora? Depois acariciar, fazer bolinha, estimular os sentimentos nessa atividade (MICHELLE).

Ao tratar do trabalho desenvolvido no eixo “alfabetização matemática”, Michelle menciona três jogos relacionados aos fatos básicos da multiplicação, dando grande ênfase à quantidade de atividades realizadas, possivelmente no mesmo seguimento:

Matemática: muitos jogos. Aquele... come-come, que eles fazem: “Fale um número”; aí você abre, assim, vai, às vezes... “Escolhe uma cor”... Não sei se você já chegou a ver... [...] Eu coloquei para tabuada. [...]. Nós fizemos pião com CD, de tabuada também: então, gira o pião; quando põe o dedo, no número que parar, tem que fazer a conta da tabuada. Jogo da memória de tabuada, contas, atividade de disputa em contas, em dupla, em grupo... Nossa! Muita, muita, matemática foi muita coisa... (MICHELLE).

Na descrição das atividades relativas aos eixos “experiências literárias”, Michelle menciona um jogo voltado para o desenvolvimento da proficiência ortográfica.

Português: o último que nós terminamos agora foi o soletrando: alunos que eu tinha, que não sabiam nem escrever direito, saíram soletrando perfeitamente as palavras. E como que nós... eu... eu fiz essa atividade? Isso foi um projeto longo. Eu dei o dicionário, eles primeiro procuraram aquelas palavras que eles não conheciam, escreveram e passaram para os outros colegas, a palavra e o significado. Depois eu comecei a procurar palavras, eles... eu passava na lousa e eles procuravam o significado no dicionário, de palavras diferentes, mas que eles já sabiam o significado, só era escrita de uma forma diferente. E depois eu ia, dessas palavras eles estudavam e iam, faziam campeonato de soletrando (MICHELLE).

O sentido expresso por Michelle de educação integral como apoio lúdico e pedagógico ao período regular se deixa vislumbrar nos dois últimos trechos não somente pela referência explícita a conteúdos clássicos da matriz curricular regular (fatos básicos da multiplicação, cálculo, por ela chamado de “contas”, ortografia), mas pela própria denominação empregada para os eixos estruturantes (“português” e ”matemática”, ao invés de “experiências literárias” e “alfabetização matemática”).

Por fim, Michelle pontua ainda a importância atribuída aos trabalhos em grupo como alternativa ao individualismo manifesto na recusa por compartilhar materiais.

Eu tenho notado as crianças de hoje em dia são muito individualistas, e esse trabalho da Oficina trabalha muito em grupo: a mesa é em grupo, não tem como trabalhar sozinha. Então, eu já percebi muitas vezes de falar para uma criança: “divida com seu amiguinho!”; “Ah, eu não vou dividir”; “Mas por que você não vai dividir?”; “Ah, ele vai gastar o que é meu!” [...] Então, eu, eu, eu prezo muito por trabalhar em grupo. Eles têm que saber que a vida não é sozinha. Eles vão trabalhar a vida inteira em grupo, né? (MICHELLE).

Em resumo, pode-se dizer que Michelle concebe a educação integral como apoio lúdico e pedagógico ao período regular. Nesse sentido, ela entende que os eixos “experiências literárias” e “alfabetização matemática” devem ser desenvolvidos a partir dos mesmos conteúdos que estejam sendo trabalhados no período regular por meio de jogos e brincadeiras; os eixos “fruição estética” e “experimentos/robótica” deveriam idealmente ser desenvolvidos por profissionais com formação específica. Para todos os eixos, deve-se observar o acesso a recursos materiais e apoio pedagógico por parte da equipe gestora.