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4. SERVIÇO SOCIAL E AÇÕES SÓCIO-EDUCATIVAS: REFLEXÕES A PARTIR

4.1. Serviço Social e ações sócio-educativas: as bases gramscianas

Antonio Gramsci consiste em uma importante referência nos estudos sobre as ações sócio-educativas dos Assistentes Sociais, especialmente a partir da década de 1980 e os estudos baseados na sua obra revelam os esforços empreendidos para identificar mediações que estimulem a construção de processos emancipatórios da classe trabalhadora. Dentre os autores pesquisados e que auto-referenciam seus estudos ao paradigma crítico-dialético, identifica-se um predomínio das idéias de Gramsci no debate das ações sócio-educativas tanto no sentido de problematizar seu significado ontológico, quanto no sentido de propor mediações para a sua operacionalização.

Os autores que debatem as ações sócio-educativas a partir dos referenciais gramscianos, localizam esses debates nos conceitos de hegemonia e de intelectual, considerando que para Gramsci (apud JESUS, 2005, p. 73) “toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica”. Assim, “conquistar ou manter a hegemonia envolve educar, organizar, construir e dirigir uma ordem intelectual e moral” (PIRES, 2003, p. 121). É importante considerar que a hegemonia também se manifesta como domínio convivendo dialeticamente com a direção intelectual e moral, no sentido de que a hegemonia pode significar/resultar em poder-direção ou em dominação-consenso (COUTINHO, 1981 apud JESUS, 2005).

Na medida em que se pretende uma nova hegemonia busca-se, simultaneamente, uma reforma intelectual e moral, o que exige “um processo educativo para justificar, legitimar e persuadir o exercício da mesma” (JESUS apud JESUS, 2005, p. 77). Assim, a educação vincula-se organicamente ao conceito de hegemonia, pois enquanto “processo educativo é utilizado pelas classes fundamentais para preparar, estabelecer e consolidar a hegemonia” (JESUS, 2005, p. 77).

Nesse sentido, a condição de intelectual é possibilitada pela inserção do sujeito nos processos de organização da cultura, mediante o exercício da “função educativa”, ou seja, é por meio do “trabalho educativo” que os intelectuais integram e concretizam o processo de conquista e/ou manutenção da hegemonia (ABREU, 2002; ARGUMEDO, 2001; JESUS, 2005; PIRES, 2003).

A diferença entre “ser intelectual” e “exercer a função de intelectual” é demarcada por Pires (2003, p. 120) onde

ser intelectual é condição permitida pela intelectualidade existente em cada ser humano em virtude de todos possuírem uma concepção de mundo e a

difundirem. A função de intelectual, por outro lado, é assim objetivar-se na realidade, o que demanda exercer funções organizativas, educativas e dirigentes sob orientação de um projeto de classe. Não é apenas difundir/reproduzir ideologia, é fazê-lo organizativamente intentando frutos na consciência e no fortalecimento da classe.

Nessa acepção, considera-se que inexiste intelectual sem vínculo de classe, uma vez que todos conscientemente, ou não, participam da elaboração e da difusão do modo de produzir e de pensar da classe social na qual se vinculam.

Para Pires (2003), todo Assistente Social é um intelectual, pois sua constituição como tal remete a “sua condição prévia de indivíduo que em seu processo de vida, participa de uma concepção de mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, [e] contribui assim para manter ou para modificar uma concepção de mundo, isto é, para promover novas maneiras de pensar” (GRAMSCI apud PIRES, 2003, p. 120).

O Assistente Social, estando comprometido com a classe trabalhadora e com a transformação social, realiza a ação sócio-educativa em dois níveis, segundo o pensamento gramsciano, a saber: no nível molecular e no nível da macro-educação. De acordo com Jesus (2005), estes níveis estão subordinados aos objetivos hegemônicos que se pretende e devem levar em conta a construção de uma nova cultura.

No nível molecular, “a educação se ocupa do homem como indivíduo com personalidade, habilidades e capacidades” (JESUS, 2005, p. 79). Nesse sentido, a educação molecular considera o homem (como totalidade social e histórica) em sua individualidade, possibilitando a ele condições: de elaborar sua própria concepção de mundo de maneira crítica e consciente; de participar ativamente na produção da história do mundo; e de ser guia de si mesmo (JESUS, 2005). Esse nível procura atingir o indivíduo de modo que ele possa em um primeiro momento

1) adquirir as primeiras noções ‘instrumentais’ da instrução (ler, escrever, fazer contas, geografia, história); 2) desenvolver as partes relativas aos ‘direitos e deveres’; 3) chegar à prática de uma certa autonomia, iniciativa e à maturidade intelectual (estudar, pensar, dirigir); 4) compreender a atualidade como síntese do passado (concepção histórico-dialética do mundo; 5) fazer uma escolha profissional; 6) pensar de modo claro, seguro e pessoal; 7) possuir uma consciência moral e social sólida e homogênea (JESUS apud JESUS, 2005, p. 80).

No nível da macro-educação se desenvolve “a dimensão coletiva do indivíduo, ao nível da massa”. Este é um segundo momento que está implicado no processo iniciado no nível molecular, consistindo ao momento que ocorre o despertar da consciência do indivíduo acerca da sua coletividade, ou seja, o indivíduo passa a entender que o seu conhecimento só

adquire validade “em relação com o social, atingindo também a sua coletividade” (JESUS, 2005, pp. 79-80).

A relação que envolve a educação molecular e a macro-educação é dialética, segundo Jesus (apud JESUS, 2005, p. 81) “a educação molecular preocupa-se com o indivíduo, preparando-o para a sociedade, enquanto que a macroeducação visa, em primeiro plano, o homem-coletivo, sem desprezar sua formação individual”. Nessa direção, Pires (2003, p. 288) afirma que “educar significa incitar a criação ou fortalecer determinados aspectos dessa individualidade e reprimir outros a partir de determinado projeto de sociedade”.

Na concepção pedagógica em Gramsci, a relação indivíduo-sociedade envolve ainda três pólos: o primeiro implica no indivíduo como sujeito da educação, sendo que esse indivíduo é histórico que se completa com os outros homens e com a natureza, sendo entendido ainda como “um processo” que engendra “o universal e a existência coletiva”; o segundo pólo; o segundo pólo implica no papel do mestre que contribui com a superação da individualidade, remetendo o sujeito para o coletivo, pois o “mestre poderá ser aquele que na condição de representante da consciência crítica da sociedade assuma a função de mediador entre indivíduo e a sociedade, desde que tenha objetivos hegemônicos”; o terceiro pólo consiste no ambiente, na cultura, ou seja, os homens em sociedade criam cultura que ao ser unida a cultura já consolidada historicamente pode constituir uma forma superior de sociedade (JESUS, 2005, pp. 81-83).

Sob as bases gramscianas e resgatando os dados apresentados no terceiro capítulo desta dissertação, a ação sócio-educativa intenta simultaneamente o homem singular e o homem massa, considerando que a possibilidade de um devir humano também está presente no âmbito individual.