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Serviço Social e ações sócio-educativas: a concepção de empowerment

4. SERVIÇO SOCIAL E AÇÕES SÓCIO-EDUCATIVAS: REFLEXÕES A PARTIR

4.2. Serviço Social e ações sócio-educativas: a concepção de empowerment

A concepção de empowerment também tem sido considerada pelos autores de Serviço Social e pode contribuir na construção de uma ação sócio-educativa na perspectiva do projeto ético-político. Essa concepção tem Faleiros (1997; 1999) como o seu principal veiculador, sendo que seus estudos são referenciados pelos autores pesquisados.

A concepção de empowerment toma corpo no interior da profissão em um cenário no qual se constrói a crítica ao projeto societário engendrado pelo neoliberalismo. Parte do

pressuposto de que o contexto político, econômico e social assentado no neoliberalismo tem produzido um “novo contrato social” – que não é pactuado a partir da livre vontade dos cidadãos – responsável por “tornar os indivíduos menos seguros, menos protegidos, menos ou nenhuma garantia de direitos”, ao passo que exige deles maior competitividade no mercado, que substitui os fundos públicos pelos privados e o Estado pelo mercado, que transfere a responsabilidade social do Estado para a família etc. Nesse sentido, as desvantagens sociais recaem sobre os trabalhadores, expropriando-os de poder, de liberdade, de autonomia etc. (FALEIROS, 1997; 1999).

Para Faleiros (1997, p. 50), “as mediações de poder e, portanto de opressão, subordinação, discriminação, vitimização, fragilização, exploração são postas e pressupostas teórica e praticamente” e implicam em um compromisso profissional com o “fortalecimento do oprimido no processo de enfrentamento da sua fragilização/patrimonialização”.

Desse modo, Faleiros (1997, p. 45) informa que o empowerment considera “as relações interpessoais implicadas nas relações sociais globais como um processo complexo de mediações sujeito/estrutura, numa visão relacional da estrutura, da produção, da sociedade e dos indivíduos”. Para o autor, essa concepção se constitui na “base da estratégia de intervenção do Serviço Social”, a medida que o Assistente Social intervém em uma “correlação particular de forças, sob forma institucionalizada, na mediação fragilização- exclusão/fortalecimento-inserção social, vinculada ao processo global de re-produzir-se e re- presentar-se dos sujeitos em suas trajetórias/estratégias” (FALEIROS, 1997, p. 49).

Nessa direção, Kern (2003) informa que empowerment significa apoderamento, ou seja, implica em ações que conferem poder às pessoas, incluindo o “resgate de poderes perdidos no processo de fragilização, quando as pessoas vivenciam as relações de opressão” (p. 54). Para o autor, aumentar o poder da pessoa implica “reconhecer através da ação investigativa que a fragilização vivenciada compreende perdas materiais, subjetivas e valorativas que requerem um resgate”. Para tanto, conferir poder ao usuário implica considerá-lo como sujeito que “traz e constrói uma perspectiva histórica” (KERN, 2003, p. 54).

Assim, segundo Faleiros (1999), o empowerment enfatiza as relações no contexto de forças em presença, em uma ótica de mudança das relações de poder, sem a dicotomia sujeito-recurso. Esta perspectiva possibilita, de acordo com o autor, o fortalecimento da cidadania, da autonomia e da identidade em um “processo dialético e complexo” que, por sua vez, implica na “garantia de direitos, desenvolvimento das condições básicas do sujeito e do próprio sujeito”. Esse processo envolve ainda uma “articulação da dimensão política com a dimensão dos serviços” que não reduz o Serviço Social “nem a relações psicológicas, nem a

relações burocráticas para acesso a determinados benefícios”, ao mesmo tempo em que combina “benefícios e prestações sociais com o processo de autonomia e independência do sujeito na perspectiva de um real contrato (não de um discurso) de solidariedade (FALEIROS, 1999, p. 169).

Na intenção de construir uma proposta teórico-prática, considerando o empowerment, Faleiros (1997) informa que essa proposta constitui-se em um processo metodológico que se constrói em conjunto, não fixando previamente etapas. Nessa direção, Kern (2003, p. 57) informa que o contexto de relações histórico-estruturais considerado por Faleiros se constitui de “redes de mediações ou mediações em redes articuladas”. Assim, o procedimento do Assistente Social implica na articulação de estratégias de ação, com a perspectiva da “descoberta da trama de relações” onde também “são situadas às relações dos sujeitos no cotidiano e na história” (KERN, 2003, p. 57).

Para Kern (2003), a questão mais importante e que é evidenciada com essa metodologia de trabalho consiste na

demonstração do processo de fragilização e a proposta de definição das estratégias de fortalecimento. Sem dúvida, a construção da rede social permite uma intervenção no acompanhamento social de forma mais articulada, em que as estratégias de fortalecimento se articulam às redes abertas numa perspectiva de relacionamento intersubjetivo (KERN, 2003, p. 57).

Nas palavras de Faleiros (1997), essa metodologia de trabalho confere possibilidades de ação e oportunidades de mudança que contribuem na concretização do projeto de vida dos sujeitos, ou seja,

a construção das estratégias vai favorecer, assim, o processo e o projeto de vida do sujeito, no sentido de buscar o que ele quer e pode construir a partir de forças de que dispõe, através da construção de apoios mobilizáveis na conjuntura, em confronto com as oportunidades e forças que o fragilizam (FALEIROS, 1997, p. 59)

O autor faz referência à teoria relacional do poder, na qual considera que o objeto da ação não é dado a priori, mas é construído a partir da ótica das relações sociais que, por sua vez, são intencionais porque trazem implícito o objetivo de fortalecer o sujeito. Segundo Kern (2003), essa proposição se constitui em um caminho que na sua totalidade intenta o fortalecimento do usuário, sendo assim compreende quatro momentos: 1) considera o tempo histórico do sujeito vinculado ao tempo histórico social, pois através das relações de historicidade e cotidianidade do sujeito é possível relacionar as “mediações particulares, as

macrorrelações, que se referem à economia, políticas, aspectos culturais, que estejam inter- relacionadas com a trajetória do usuário”; 2) considera os ganhos e perdas que permeiam a fragilização afetiva, cultural, econômica, política, de solidariedade, enfatizando às rupturas e às pressões por sua continuidade; 3) localiza as opressões na “trama das relações que vão do espaço privado ao público”; 4) valoriza a concepção dos sujeitos sobre suas próprias vivências.

Para Faleiros (1997) esses momentos são construídos a partir da perspectiva do usuário, através de aproximações sucessivas às forças de enfrentamento das fragilidades, de modo que se consiga estabelecer mediações, isto é,

as forças de enfrentamento vão se estabelecendo em mediações complexas que vão se implicando às redes primárias e secundárias, os patrimônios, os agenciamentos, os conhecimentos, os recursos institucionais, num processo de perdas e ganhos, oportunidades e desafios (FALEIROS, 1997, p. 57).

Dessa forma, a transformação dos sujeitos, para Faleiros (1999, p. 163), implica em “mudar as relações de poder numa rede societária e pública, com fundos de poder de decisão para esses sujeitos”, pois considera que é o poder que produz o sujeito nas suas relações. Para caminhar nessa direção, o Serviço Social “precisa trabalhar as categorias de território, cultura, sujeito, integração, buscando repensar o processo de despolitização, desterritorialização e de sociedade de serviços que caracteriza a sociedade informacional em que vivemos” porque a partir delas a perspectiva relacional é potencializada.

Assim, a perspectiva relacional apreendida com a estrutura, as redes, os processos permite visualizar os “patrimônios, as trajetórias de fragilização e de fortalecimento dos vínculos”, para através desse fortalecimento a medida que são trabalhadas, pelo Assistente Social e combinadas às estratégias dos sujeitos, as “mediações globais, particulares e singulares” possa ser mudado as trajetórias e os patrimônios (FALEIROS, 1997, p. 65).

No bojo dessas considerações pode-se apreender a ação sócio-educativa, na medida em que, através do empowerment, se busca: aumentar a defesa dos Direitos; implementar “novos contratos” em prol da ampliação da Cidadania; prestar informações de interesse do usuário acerca das políticas públicas; articular as pressões e as expressões do usuário; ampliar recursos administrativos e jurídicos para a defesa do usuário; integrar níveis de intervenção e formar redes de ação em favor do usuário; abrir canais de diálogo e participação etc. (FALEIROS, 1997; 1999).

Faleiros (1997) ao tomar como referência as políticas sociais, problematizando o acesso à elas e o pleno exercício de Direitos, apresenta elementos que caracterizam a ação sócio-educativa na perspectiva de empowerment, implicando no

fortalecimento do usuário ao acesso [das políticas sociais] implica o trabalho social nas mediações da informação correta, do encaminhamento exato, da transparência do intinerário institucional, da defesa do usuário diante das recusas para uma operacionalização mais equânime da lei, para que se efetive uma política redistributiva (FALEIROS, 1997, p. 60).

Nesse sentido, a proposta baseada no empowerment busca a rearticulação de forças através da mobilização do poder por meio da articulação de estratégias, recursos e sujeitos de modo a responder/resistir à desresponsabilização do Estado. Faleiros (1999) acrescenta que

Descobrir o poder de reação é o fundamento para a reorganização da pressão social, através de que, ao mesmo tempo, reiventa-se a identidade. Ao invés de pedintes, os usuários se tornam cidadãos. Ao invés de atores passivos, tornam-se atores ativos e proativos. Ao invés de objeto, sujeitos que definem seu destino, os dispositivos a serem postos em ação, num processo de conversação e ação estratégicas. Reiventar-se como sujeito é reiventar relações, porque só se é sujeito numa relação. Esse processo, por exemplo, pode ser articulado com a formação de grupos e movimentos de mães de meninos de rua, de doentes mentais, de migrantes, para se trabalhar o movimento deles com o movimento social dominante, tanto na dinâmica do fortalecimento interno das relações entre os participantes como no enfrentamento do dominante [...] Não se trata de reiventar o indivíduo isolado, mas de reiventar relações (FALEIROS, 1999, pp. 167-168).

Segundo Abreu (2002), o empowerment pode contribuir com a perspectiva emancipatória do projeto profissional, pois

representa um possível conduto de politização dos usuários em relação a sua realidade de vida e serviços institucionais e busca alterar a qualidade dos mesmos, e mais que isso, como alternativa de fortalecimento de segmentos das classes subalternas na perspectiva da alteração da correlação de forças a seu favor e de resistência política (ABREU, 2002, p. 212).

Entretanto, para Abreu (2002, p. 212), a tendência predominante dessa proposta, a partir do discurso profissional, “parece colocar o processo de autonomia e independência do sujeito, circunscrito nos parametros materiais e político-ideológicos das saídas privatistas e corporativistas impostas pelas políticas sociais do Estado neoliberal”. Assim, a proposta não consegue ultrapassar das críticas que realiza a respeito da sociedade atual reforçando, muitas vezes aquilo que critica a medida que se limita ao “incentivo da participação dos usuários no âmbito dos serviços sociais” (ABREU, 2004, p. 65).

Tais afirmações corroboram com as observações obtidas na pesquisa que embasa essa dissertação. Foi possível verificar que a proposta de empowerment tem sido referenciada a partir de incorporações mecânicas de seu conceito porque aparece desvinculada do marco

teórico no qual ela é gerada. Os autores pesquisados e que fizeram referência a essa proposta, não apresentam em seus estudos análises aprofundadas a respeito do significado conceitual e operativo implicado na proposta de empowerment.

Nas obras pesquisadas nesse estudo, as citações referenciadas aos autores que no âmbito das Ciências Humanas e Sociais têm incorporado a proposta de empowerment não trazem elementos suficientes que permitam demonstrar como acontece a relação sujeito- objeto no momento em que essa proposta adentra o Serviço Social. Por dedução, é possível afirmar que a proposta de empowerment é introduzida na profissão em um momento de questionamento da sua legitimidade, momento este que demanda dos Assistentes Sociais respostas técnico-operativas quanto à intenção veiculada pelo projeto ético-político, respostas estas que materializariam o trânsito do pensamento para a ação, sem ceder ao ecletismo e sem desconsiderar os avanços teóricos obtidos no seio do paradigma crítico-dialético.

No entanto, essas constatações não invalidam a proposta, apenas sinalizam para a necessidade de construção de um diálogo mais aprofundado acerca do empowerment de modo a incorporá-lo ou superá-lo criticamente.