• Nenhum resultado encontrado

Sexta-feira: reunião de diagnóstico

No documento Doença de Alzheimer e cuidado familiar (páginas 44-46)

1.5 As Atividades Observadas no CMI

1.5.5 Sexta-feira: reunião de diagnóstico

Um dos objetivos do CMI é ser um centro de referência no diagnóstico de Alzheimer, por esse motivo a confirmação de um diagnóstico era um processo longo e lento dentro do CMI. Toda sexta-feira eram marcados um ou dois atendimentos para a realização de diagnósticos, os sujeitos encaminhados para esse processo já haviam passado por uma triagem inicial e apresentavam sintomas que poderiam indicar alguma demência. Várias equipes participavam desse processo, que consistia em: a pessoa com suspeita de demência e o(a)(s) familiar(es) que o acompanhavam passavam por uma série de consultas com a equipe de medicina, fisioterapia, odontologia, farmácia e psicologia, ainda conversavam sobre seu cotidiano com uma terapeuta ocupacional, e sobre questões relativas ao manejo da doença e dos cuidados com a assistente social. Depois dessa bateria de exames e entrevistas, todas as equipes se reuniam e decidiam sobre o diagnóstico e sobre o tratamento.

Além das informações geradas no dia das consultas, outro dado que se tinha acesso para formular o diagnóstico vinha da equipe de neuropsicologia, apesar de não terem participado dos atendimentos da sexta-feira que observei, são eles que aplicam os testes de cognição que embasam o diagnóstico das demências. Ademais, todos os sujeitos encaminhados para o atendimento de sexta-feira já haviam feito uma triagem inicial: se consultaram com algum médico, e foram considerados com suspeitas sérias de demência.

Vale sublinhar que quem decidia sobre o diagnóstico era o/a médico/a, todas as informações e discussões realizadas serviam para embasar sua deliberação. Contudo, como os/as médicos/as que faziam a triagem eram em maioria residentes, e o coordenador do

45

hospital com vasta experiência em geriatria dirigia a reunião de sexta-feira, no final das contas era ele quem legitimava o diagnóstico e dava a palavra final em relação aos encaminhamentos. Poderia se dizer que ele coordenava também todo o processo de discussão e tomada de decisões clínicas.

A lógica dessa reunião era a seguinte: o médico residente falava do quadro clínico e do histórico do paciente, o fisioterapeuta relatava a situação de mobilidade do mesmo, a terapeuta ocupacional apresentava o dia a dia do sujeito e da família, a assistente social discutia a realidade sócio-econômica da família, as psicólogas analisavam a dinâmica do cuidado e as possíveis sobrecargas, a odontologia se encarregava do quadro de saúde bucal e a farmácia investigava como estava sendo o uso dos medicamentos prescritos. Era uma dinâmica bem interessante de se observar, já que a anamnese21 realizada pelo médico ia sendo relida por outras interpretações acerca da experiência com a doença. Essa reunião era um momento oportuno para discutir informações truncadas: o que era dito ao médico em relação aos remédios utilizados poderia cair por terra na conversa com o farmacêutico, quando esse notava que os remédios estavam sendo manipulados de modo inadequado. Por outro âmbito, a assistente social também poderia perceber que a família não tinha acesso à farmácia popular e que determinados medicamentos eram muito onerosos e difíceis de serem mantidos. Dessa forma, os encaminhamentos iam sendo construídos com as várias informações disponíveis.

A finalidade desse processo era de mapear tudo o que estava acontecendo na vida da pessoa com demência e decidir, assim, como cuidar dela, e isso envolvia conhecer detalhadamente as ações que a família realizava para atender ao doente, e, se necessário, modificá-las. A ideologia por trás disso era de que a vivência com a doença e com o cuidado poderia ser modeladas para atingir o maior bem-estar possível de ambos. Por essa razão, os encaminhamentos, não raro, envolviam a re-organização da família e do cuidado.

Nesse sentido, a análise de como a família se organizava para cuidar era parte importantíssima da reunião, a equipe de psicologia, assistência social e terapia ocupacional trocava uma série de informações sobre como a família se organizava para cuidar, de que forma cuidavam e se entendiam que o familiar possuía alguma doença. Decidiam, junto com o restante da equipe, não só os encaminhamentos para os grupos de apoio apresentados acima, mas a necessidade de atendimentos psicológicos personalizados. Além

21

Anamnese é o termo utilizado pelos profissionais de saúde para se referir à entrevista que o médico realiza com o paciente com o objetivo de investigar a existência de uma doença.

46

disso, definiam se era necessário que a assistente social chamasse a família (em suas variadas figuras de referência possíveis) para incentivar o cuidado compartilhado, ou até para retratar alguma atitude considerada de relapso ou abandono.

Os atendimentos específicos, como a necessidade de acompanhamento odontológico ou fisioterápico, eram decididos durante a reunião e cada equipe se responsabilizava por marcá-los com a família. Além desses, os sujeitos e cuidadores(as) eram encaminhados(as) para o grupo de apoio que mais se adequasse às possibilidades das pessoas com demência e ao estado de agravamento de sua doença.

Essa reunião funcionava como um espaço de interação da equipe também, nela fui apresentada a todos e foi durante esses momentos semanais que os assuntos de tom geral eram discutidos. Participei de alguns desses encontros e foi sempre muito revelador sobre as concepções mais institucionais do cuidado e da doença, além de ter sido um espaço bom para observar diferenças nas perspectivas disciplinares sobre a doença e o cuidado.

No documento Doença de Alzheimer e cuidado familiar (páginas 44-46)