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6. Avaliação do SGCIE – Identificação e Análise de Questões Críticas

6.1 SGCIE, o Único Esquema Obrigatório da Europa

A nível Europeu, os AVs relativos ao uso final da energia têm sido implementados em alternativa à regulação mandatória, por ser considerado que esta tem uma flexibilidade diminuta, em oposição ao “acordo obrigatório” português, SGCIE. De facto, o SGCIE é actualmente o único sistema mandatório deste género na Europa, pois obriga à elaboração de auditorias periódicas e planos de eficiência energética e respectivo reporte e monitorização de resultado.

A ADENE justifica que este esquema mandatório surgiu no contexto do choque petrolífero do mundo da década de 80, impulsionando assim uma crise energética, e devido ao facto de Portugal ter uma enorme dependência de produtos petrolíferos. Segundo a mesma entidade, em 1982 o sector que detinha a maior fatia de consumo de energia primária em Portugal era o da indústria, chegando a atingir, em determinados anos, metade desse consumo, sendo apenas em 1991, ultrapassado pelo sector dos transportes. Nessa altura, em 1987, foi decido que a melhor forma de actuar no sector industrial em matéria de eficiência energética, seria recorrer às auditorias energéticas de uma forma obrigatória, usando um modelo que forçasse o cumprimento de metas e não usando os modelos dos outros países, menos exigentes a este nível. Portugal foi e é então, o único país que seguiu o acto mandatório, argumentando a ADENE.

O facto de o SGCIE ser único esquema desenhado desta forma obrigatória, poderá originar diferentes opiniões no sentido se é, ou não, adequado criar uma obrigação de aderir a um acordo deste género, sem protesto por parte uma das partes signatárias, o explorador da instalação CIE. De facto, as opiniões divergem, mas não tanto como seria eventualmente espectável, dado que os intervenientes que se poderiam considerar os lesados, os exploradores das instalações CIE devido à implícita obrigação de investimento em tecnologias de EE que o regulamento acata, concordam que este será o caminho de alcançar resultados em matéria de EE e que este tipo de medida até poderá alavancar e acelerar uma série de medidas que estariam planeadas, mas que por outras razões de gestão, seriam adiadas ou não aplicadas. É argumentado ainda que, embora o principal beneficiado seja a própria entidade patronal da instalação CIE, ainda existem empresas que não estão sensibilizadas no sentido de utilizarem medidas de EE para reduzirem a factura energética, e que se não existisse o actual regime mandatório, medidas nesse sentido género não seriam aplicadas. Então, o SGCIE pode ser visto como uma forma de disciplinar a indústria, obrigando-a a encontrar soluções, no sentido de alcançar melhores rendimentos específicos e de servir de estímulo para uma melhor visão estratégica, em termos de energia mais eficiente, alcançada com recurso a pessoas com vasta experiência e conhecimentos nesta área, os auditores.

Do ponto de vista de alguns auditores, também será este tipo de esquema de auditorias obrigatórias o caminho a seguir para assegurar o mercado de auditoria e eficiência energética. De facto, a Directiva 2012/27/UE anuncia que as auditorias energéticas, realizadas de pelo menos de 4 em 4 anos e de forma independente por peritos qualificados e ao abrigo de legislação nacional, deverão ser uma realidade, para as não-PME, até 5 de Dezembro de 2015, excluindo as que apliquem um sistema de gestão da energia ou do ambiente certificado nos termos das normas europeias ou internacionais e desde que esse sistema de inclua uma auditoria energética realizada nos termos do Anexo VI dessa Directiva. Assim sendo, dever-se-á sempre ter em conta que este aspecto é pouco discutível e que uma futura reformulação do regulamento deverá sempre contemplar auditorias periódicas obrigatórias às empresas não-PME. No entanto e não obstante do parágrafo anterior, a inadequabilidade do regulamento a alguns sectores da indústria considera-se um ponto crítico grave, sendo que este está muito dirigido a empresas seriadas e onde é possível fazer medições com rigor do produto final acabado. Consequentemente, para empresas cujo produto acabado não é seriado e vivam da exigência e variabilidade do mercado, os indicadores energéticos em questão não se adequam. E ainda que se queira obter valores de referência dos indicadores de outras indústrias do mesmo sector a fim de se fazer um benchmarking, estes não existem pelas mesmas razões. Conclui-se então, tendo também em consideração a opinião de um responsável por este género de indústria, que quando o regulamento foi estruturado, não teve em ponderação esta

possível assimetria de produto final, dado que não existe um número racional que possa definir o produto final em certos casos, dado que nem tudo é mesurável. Portanto, para estes casos não é possível uma praticabilidade adequada, do regulamento. Entenda-se por produções não seriadas, produções com diversos produtos finais que não podem ser desagregados e que se alteram e/ou descontinuam anualmente, como indústrias direccionadas ao sector da investigação.

Quanto às empresas que se tenham voluntariado a ser abrangidas pelo SGCIE (empresas PNALE ou com consumos <500tep), existem poucas, mas, segundo a ADENE, começam a aparecer mais devido ao incentivo relativo à isenção do ISP no GN e electricidade. Existe então uma crescente adesão ao SGCIE de forma voluntária, embora esse crescimento esteja ainda abaixo das espectativas da ADENE. Relativamente a outros deveres do regulamento, para além de este obrigar o atingimento das metas definidas para os indicadores energéticos em causa, define também que é de carácter obrigatório a implementação de medidas de EE com o PRI simples inferior a 3 ou 5 anos, consoante o escalão do SGCIE onde empresa se integra, nos primeiros 3 anos. Este tipo de medida parece ser comum no âmbito dos AVs, por exemplo, os LTAs definem como medidas rentáveis a serem aplicadas as com PRI inferior a 5 anos (em alternativa à utilização de outros métodos de cálculo financeiro). Recordando a Tabela 4, concluímos que a Finlândia também prevê nos seus acordos que as medidas com PRI inferior 4/6 anos devem ser implementadas. No âmbito do SGCIE e segundo a ADENE, a criação deste regime deveu-se à experiência obtida por parte desta e da DGEG, através do RGCE, onde as empresas frequentemente compensavam a baixa eficiência energética através do sobredimensionamento de sistemas, nomeadamente, de cogeração. Então, esta medida foi criada no intuito de impulsionar boas práticas, sendo que as empresas do escalão mais baixo (>500tep e <1.000tep) são assim obrigadas a implementar as medidas com PRI<3 anos, pois a experiência da ADENE revela que estas ainda têm, por norma, muitas medidas de baixo investimento e grande potencial de poupança, para investir.

 Metas Impostas aos Indicadores Energéticos

Este é um dos pontos que exprime uma das maiores lacunas do regulamento, dada a imposição de metas fixas aos indicadores em questão independentemente do sector industrial em causa, do ponto de partida da empresa em matéria de EE e antiguidade das instalações, situação financeira, etc. Repare-se ainda que no final do período de vigência de cada ARCE, caso a empresa continue a ser abrangida pelo SGCIE, que será a maior parte dos casos, esta estará sujeita a um novo ARCE que preverá as mesmas metas, e assim sucessivamente.

Defende-se pela generalidade dos intervenientes que a probabilidade de encontrar maiores potenciais de poupança de consumo energético em valores relativos, é maior para empresas mais pequenas, e vice- versa. Isto porque as empresas mais consumidoras de energia têm uma sensibilidade maior para esta questão, devido também às maiores poupanças económicas que podem vir a obter. No entanto, as metas são mais exigentes, igualmente em valores relativos (melhorias de 6% em 6 anos), para as empresas com consumos de energia igual ou superior a 1.000tep, que para as empresas menos consumidoras de energia (4% em 8 anos), quer a nível temporal quer a nível da própria redução dos indicadores em causa. Nos sistemas CCA e LTA, as metas são negociadas com as associações industriais, existindo neste último, sempre uma meta mínima de 2%. No entanto, os resultados reportados relativos aos diversos Acordos Voluntários Europeus existentes, demonstram que as partes envolvias cumprem, geralmente, os compromissos, em alguns casos até mais cedo do que o previsto ou acordado e que este rápido alcance de metas pode ser um indicador de metas pouco exigentes (Silvia Rezessy, 2010), pelo que é difícil ditar que metas devem ser aplicadas a cada sector ou instalação.

No primeiro sistema, RGCE, era exigido que o CEE da instalação tendesse para um valor de referência baseado no benchmark nacional, k, sendo que este k era diferente consoante os diferentes sectores da indústria. Segundo a ADENE, com a evolução do sector industrial e das necessidades a este exigido, os valores de k iam-se desactualizando e desadequando ao longo do tempo, dado que cada vez mais existia a necessidade de estes serem cada vez mais desagregados, e sendo que os custos associados ao recalculo de novos valores de k, dado que os disponíveis foram calculados em 1982, era cerca de 50.000€ cada. Dados estes custos, considerados elevados, o governo aboliu este modelo e definiram-se as referidas

Gestão de Consumos de Energia na Indústria – análise crítica e contributos para a reformulação do SGCIE

Mário Silva 115

façam apenas o mínimo que têm a fazer, como aconteceria se, por exemplo, as metas fossem 6% para o primeiro ARCE, 4% para o segundo ARCE e assim sucessivamente.

Idealmente, o melhor sistema de definição de metas seria, um sistema à semelhança do anterior RGCIE, em que as empresas publicariam o seu consumo específico e/ou outros indicadores de referência numa base de dados e o(s) poderiam comparar com o(s) de outras instalações do mesmo ramo, internacionalmente. A existência de uma base de dados internacional deste género, com os valores dos diversos consumos específicos por sector ou tipo de indústria, nos casos onde tal fosse possível, facilitariam a definição de metas adequadas, pelo menos para alguns sectores. Nesse caso, deixaria de ser necessário um k de referência nacional, calculado, que acataria custos para o governo, mas passando a referência a ser o melhor valor do respectivo sector, a nível internacional. Ainda assim, este método teria as suas lacunas, dado que as instalações, ainda que do mesmo sector de actividade de produção final, têm as suas próprias configurações de processos e os resultados podem ser influenciados por diversas variáveis externas como temperatura exterior ou antiguidade da instalação. Repare-se que uma instalação, do mesmo sector, existente há 40 anos, em princípio terá dificuldade de competir, em matéria de EE, com uma instalação mais recente, dado que há 40 anos as instalações industriais e CIE, não eram feitas com vista a alcançar altos níveis de eficiência ou de optimização de processos, como são hoje em dia.