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Silere e Tacere: semântica e sintaxe do silêncio

Capítulo I – Uma Semiologia do Silêncio

4. Silere e Tacere: semântica e sintaxe do silêncio

Pierre Van den Heuvel, no seu extenso volume Parole, mot, silence. Pour une poétique de l’énonciation, combina igualmente o levantamento tipológico do silêncio (que o autor divide, por exemplo, em silêncios voluntários e involuntários) com a necessidade de se propor uma definição sistematizadora do assunto enquanto fenómeno enunciativo-comunicativo, definição essa que o autor enuncia do seguinte modo:

Le silence peut être considéré comme une opération discursive, consciente ou inconsciente, se manifestant dans un texte et référant directement à l’énonciation. Concept problématique par excellence, ne possédant pas de support concret sur le plan linguistique, il sera pris ici dans le sens d’une non-réalisation d’un acte d’énonciation qui pourrait ou devrait avoir lieu dans une situation donnée. (…) Le silence est donc, dans sa signification fondamentale, un acte énonciatif in absentia, inscrit dans le discours par une causalité contextuelle. Contrairement aux actes du dire et de l’écrire qui se concrétisent par la parole et le mot, l’acte de la non-parole ne produit pas un énoncé linguistique, mais un vide textuel, un blanc, un manque, qui fait partie intégrante de la composition et qui signifie autant ou plus que la parole actualisée.49

Concordamos em geral com esta definição de Van den Heuvel, embora ela nos pareça algo redutora ao restringir a problemáticado silêncio a uma questão meramente enunciativa, aspecto este que, por outro lado, não podemos deixar de compreender, uma vez que este trabalho do autor contempla quase em exclusivo questões relativas à enunciação. Todavia, se é verdade, tal como sublinha Van den Heuvel, que no plano da enunciação o silêncio não possui um significante, sendo essa ausência de suporte linguístico sinalizada pelo vazio textual de que fala o autor, não é menos verdade que a problemática do silêncio contempla igualmente questões relativas ao enunciado dos textos, sendo que aqui o tal vazio textual desaparece para dar lugar a um significante substituto, o qual, não podendo por razões óbvias ser encontrado no domínio auditivo, adopta frequentemente conotações visuais, operando-se, assim, aquilo que poderíamos designar como uma sinestesia significante. Deste modo, sendo o silêncio, e pela sua própria natureza, um signo inexprimível pelo domínio do vocal, ele passa a ser substitutivamente expresso pela imobilidade (visível) dos seres e das coisas. Isto significa que, não sendo possível representar de um ponto de vista auditivo a ausência

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Pierre Van Den Heuvel, Parole, mot, silence. Pour une poétique de l’énonciation, pp. 78–79. Sublinhado do autor.

de som, há como que um transporte sensitivo do campo da audição para o campo da visão, onde esse mesmo sentido de ausência passa a ser alternativamente representado por um enunciado visual. Jean-Michel Fuster alerta justamente para este aspecto quando afirma o seguinte, sem margem para ambiguidades: «N’écoutez pas le silence, regardez- -le.»50 José Luis Gavilanes Laso aflora esta questão da existência sinestésica do silêncio quando se debruça sobre o romance Alegria Breve de Vergílio Ferreira, embora nos pareça que ele atribui a combinação de sentidos suscitada pela percepção do silêncio a um motivo claramente acidental e não, como defendemos nós, a uma exigência inevitável da materialização perceptiva do silêncio como signo - diz Gavilanes que, «com carácter geral, o silêncio é noção que se multiplica no texto combinado sinestesicamente em sensações transitivas e intransitivas variadíssimas».51 De um modo ou de outro, a verdade é que Alegria Breve é um exemplo perfeito daquilo que vimos dizendo, associando-se constantemente neste romance a impossibilidade da materialização auditiva do silêncio com a presença substitutiva de uma série de sinais visuais:

Sobre os telhados, a neve arredonda-se fofa, o silêncio brilha (AB, 43); alguma coisa me ilude ainda a perfeição – ó sol esplendoroso da minha integridade limpa, meus olhos vazios de brancura. Céu novo, fresco e azul. A neve grita. Trilha-me os ouvidos, faiscante, ao sol. Eu só. Olho pelo silêncio, escuto. (AB, 236).

De qualquer maneira, parece-nos que uma definição comunicativa do silêncio reclamaria não só a referência à sua dimensão enunciativa (que é função do verbo latino tacere), bem como a referência a uma sua dimensão mais objectivizante (que aparece como função de silere). Na realidade, vários autores, entre os quais destacamos Carla Pomarè, Augusto Ponzio e David Le Breton, chamam a atenção para a natural coexistência de dois sentidos diversos no termo silêncio, sentidos esses que resultam da distinção latina entre tacere e silere. Como lembra Le Breton,

A língua latina distingue duas formas de silêncio: tacere é um verbo activo cujo sujeito é uma pessoa, assinala uma paragem ou uma ausência de palavra relacionada com alguém. Silere é um verbo intransitivo, não se aplica apenas às pessoas, mas também à

50

Jean-Michel Fuster, «Silence-s», in Corps Écrit (Le silence), nº12, p. 119. 51

natureza, aos objectos, aos animais, designa de preferência a tranquilidade, uma tonalidade agradável da presença que não é perturbada por nenhum ruído.52

Nas palavras de Le Breton há algo que julgamos merecer especial atenção: a sugestão de transitividade e a dependência do humano ligada ao verbo tacere e a essência mais intransitiva de silere, que Carla Pomarè igualmente sublinha, ao caracterizar o verbo tacere como indutor de uma acção específica ligada à capacidade humana de linguagem e silere como um estado muito mais coisificado, onde apenas se manifesta ausência de ruído.53 Augusto Ponzio, reproduzindo um texto de Bakhtine sobre o silêncio (ausência de som) e o calar (ausência de palavras), reitera a ideia de que o calar é uma actividade exclusivamente humana, ao passo que o silêncio é sobretudo um estático atributo da matéria, dos objectos, das paisagens e também dos seres humanos, desde que não estejam sujeitos, estes últimos, a nenhuma actividade enunciativa:

La violación del silencio, por parte de un sonido, es mecánica y fisiológica (como condición de la percepción); en cambio la violación del callar, por parte de una palabra, es personal y dotada de sentido: es otro mundo diferente. En el silencio algo suena (o algo no suena), en el callar nadie habla (o alguien no habla). Callar es posible solamente en el mundo humano (y sólo para el hombre). Naturalmente, tanto el silencio como el callar son siempre relativos. Las condiciones de la percepción del sonido, las

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David Le Breton, Do Silêncio, p. 23. Embora não chegue a referir a proveniência latina desta distinção, é disto que no fundo fala Jacques de Bourbon Busset quando se refere ao «mutismo das coisas» e ao «silêncio dos seres»: «Peut-être faut-il distinguer entre mutisme des choses et silence des êtres. Un paysage est dit silencieux quand nous lui prêtons une âme. Un homme est frappé de mutisme quand, clos sur lui-même, il s’est, en quelque sorte, minéralisé.» (Jacques de Bourbon Busset, «Le silence et la joie», in Corps Écrit (Le silence), nº12, p. 13).

53

Cf. Carla Pomarè, «A “Silver Reticence”: Emily Dickinson’s Rhetoric of Silence», in Gudrun M. Grabher e Ulrike Jessner (eds.), Semantics of Silences in Linguistics and Literature, p. 212: «In applying the term “rhetoric of silence” to poetic discourse, one has to bear in mind two of the basic senses in which the word “silence” can be used and has been used. In this respect the English language shows, for once, less attention to nuances of thought than the Romance languages. (…) Italian makes a distinction between the verb tacere and the noun silenzio, exactly as French differentiates the verb se taire from the noun silence. Both languages simply reproduce the Latin distinction between the verb tacere and the noun silentium: whereas silentium, as a noun, denotes a state characterized by the lack of words, natural sounds or noises, tacere, as a verb, describes the action of keeping silence, mainly on the part of a human (or at least animate) speaker. (…) Unlike silentium, which does not necessarily imply the presence of a human being, tacere tends to be the predicate of a human subject.» A herança portuguesa do tacere latino manifesta-se não exactamente num verbo mas, por exemplo, num adjectivo como taciturno, que normalmente se aplica a uma figura humana cuja actividade, voluntariamente assumida, é a de não falar ou a de falar pouco.

condiciones del entendimiento-reconocimiento del signo, las condiciones del entendimiento productor de sentido de la palabra.54

Vergílio Ferreira teve uma percepção muito clara da distinção entre tacere e silere, apesar de não se ter referido directamente a nenhum destes verbos latinos, quando pretendeu contrapor aquilo a que chamou a desistência do falar ou a abstenção da palavra (tacere) a essa espécie de nulidade que podemos surpreender no mundo animal ou vegetal (silere): «Há o silêncio que é ainda um falar na desistência do falar ou na abstenção de ousar uma palavra. Mas o outro silêncio não é o que sobra da fala de que se desistiu e é só nulidade, esquecimento, ausência, queda desamparada na substância animal ou vegetal. Silêncio morto, abdicação de abdicar, gomosa plácida carne podre» (CCNS4, 172).

Todavia, as composições-experiência de John Cage vieram lembrar que o silêncio como atributo da matéria (função de silere), sendo sempre necessariamente virtual, corresponde muito mais ao produto de uma alteração mental do que à percepção acústica da ausência de som. Quando, em 1952, Cage realizou o concerto onde se tocou a sua peça 4’33’’, todos os intérpretes permaneceram em silêncio durante os quatro minutos e trinta e três segundos indicados no título da composição, ao longo dos quais foi permitido ao público ouvir aquela outra música, quotidianamente mais inaudível, composta pelos múltiplos e dispersos sons do mundo. Assim, parece-nos que a composição 4’33’’ de Cage não assenta tanto na ausência de som como pressuposto- -limite da musicalidade como na certeza da existência dessa música contínua, a do cosmos, a qual, como sublinha Maria João Mayer Branco, cria entre o sujeito que a percebe e o momento presente da escuta uma forma especial de intimidade:

A experiência de uma sala insonorizada, onde esperava ouvir o som do silêncio, revela- -lhe que “o silêncio não é a ausência de som, mas a operação involuntária do sistema nervoso e da circulação sanguínea”. Foi esta experiência que esteve na origem de 4:33’, peça onde os sons apresentados são os que rodeiam o ouvinte e onde o desafio é a

54

Augusto Ponzio, «El silencio y el callar. Entre signos y no signos», in El juego del comunicar. Entre literatura y filosofía, Valencia, Ediciones Episteme, 1995, p. 35. Na sequência da distinção bakhtiniana entre silêncio e calar, Ponzio atribui ao silêncio uma dimensão de sinalidade e ao calar a de signicidade, que o autor caracteriza do seguinte modo: «El silencio se presenta como condición de la transformación del no signo al signo que, sin embargo, se limita al nivel de la lengua, del código, del interpretante de identificación, del significado abstracto, de la señalidad. El callar va más allá de éste límite y concierne el signo verbal en su específico carácter de signo. Aquí la interpretación no se reduce a la identificación, al reconocimiento, sino que abre caminos interpretativos que se refieren al sentido, es decir, abre caminos interpretativos que se adentran en la signicidad, más allá de la condición física del sonido y de la señalidad.» (Ibidem, pp. 38-39).

concentração da atenção no presente, nos sons do mundo, na música cósmica que se oferece e da qual nos encontramos habitualmente distraídos. (...) 4:33’ é a expressão (...) da relação entre a música e o silêncio, mas mais do que isso é uma reflexão sobre o que é ouvir. Na medida em que cria uma intimidade com o momento presente, trata-se de uma obra constitutivamente avessa a gravações (ainda que tenha sido gravada e editada).55

Efectivamente, esta composição de Cage, bem como aquela outra que, anos mais tarde, o autor compôs (0’00’’) constituem um silencioso ensaio sobre aquilo que significa ouvir ou, talvez mais correctamente, sobre o próprio silêncio como impossibilidade, já que ambas as composições vêm justamente provar que o grau zero do som não existe no mundo: assim, os espaços onde parece revelar-se um suposto silêncio acabam por sê-lo muito mais por uma interpretação afectiva do local, ou por uma derivação mental do sentido, do que por uma medida rigorosa dos sinais auditivos (ou da sua ausência). David Le Breton, apesar de não se referir explicitamente às composições de Cage, reitera no seu estudo esta mesma ideia, quando afirma:

O silêncio não é a ausência de som, um mundo sem estremecimentos, parado, onde nada se fizesse ouvir. O grau zero do som, se puder ser experimentalmente produzido num programa de privação sensorial, não existe na natureza. Qualquer meio ressoa com manifestações sonoras características, mesmo que sejam, por vezes, espaçadas, ténues, longínquas. As extensões desérticas ou as altas montanhas não são completamente mudas, menos ainda as florestas, os pátios dos mosteiros também têm o ruído dos pássaros, do sino da igreja ou, às vezes, cantos litúrgicos que saem da igreja. Os movimentos do homem no espaço são acompanhados de um traço sonoro, o dos seus passos, dos seus gestos, da sua respiração; a sua imobilidade não anula a respiração ou os ruídos do corpo.56

55

Maria João Mayer Branco, «Ouvir o Silêncio», in Textos e Pretextos (O Silêncio), nº4, 2004, pp. 22-23. Para esta autora, as experiências musicais de Cage ajudam a compreender melhor algumas questões relativas ao silêncio, uma vez que permitem concluir que, em primeiro lugar, o silêncio não é o oposto do som, em segundo lugar que o silêncio é uma música contínua e, em terceiro lugar, que escutá-lo implica uma alteração do ponto de vista auditivo. Concordamos com a perspectiva de Maria João Mayer Branco acerca da música (ou não-música) de John Cage e com a globalidade das suas afirmações, o que nos leva a afirmar a nossa discordância em relação à perspectiva de Lisa Block de Behar, segundo a qual as composições de Cage seriam uma representação do nada: «Esos silencios orquestados por Cage pueden ser interpretados como la representación de nada, de una especie de caos, de mundo no organizado, o más bien, previo a la organización.» (Lisa Block de Behar, Una retórica del silencio. Funciones del lector y procedimientos de la lectura literaria, p. 23).

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David Le Breton, op.cit., p. 141. Eveline Caduc sublinha ainda este ensinamento de Cage, ao afirmar que «ce silence absolu reste théorique. En réalité, l’expérience que l’on a du silence s’accomode des bruits de la vie: battements du coeur, souffle ou vibrations musculaires de celui qui l’appréhende. Même le sourd peut les percevoir» («Des signes dans le silence», in Corps Écrit, nº12 (Le Silence), p. 167).

No romance Até ao Fim, quando Cláudio visita o maestro Lili, espanta-se por encontrá-lo a trabalhar numa sala onde se ouvia «o rumor dos carros pelas grandes janelas que ele mantinha abertas» (AF, 261), ao que o maestro simplesmente responde que lhe agrada o ruído natural e que a sua grande descoberta foi justamente perceber como o ruído natural do mundo podia constituir fonte de musicalidade, podendo deste modo vir a substituir-se aos tradicionais instrumentos musicais na visualização da orquestra perfeita, até porque, como dizia a personagem, «a orquestra é outra se a virmos ao contrário» (AF, 261). Quando, pouco depois, Cláudio lhe pergunta pelo futuro da arte, a personagem não responde porque a resposta está naquilo que a seguir sucede – uma perseguição policial na casa em frente, cujos ruídos entram pela janela aberta e vêm mostrar a Cláudio que o futuro da música, mais do que na defesa de uma «música de museu» (AF, 262), está na defesa de «uma música viva para homens» (AF, 262) constituída pela súmula orquestrada de todos os ruídos humanos. A orquestra de Lili é assim composta por «uma matéria plástica desconhecida, quero dizer menosprezada» (AF, 262) – a dos ruídos do mundo habitualmente inaudíveis para o ouvido humano e a de todos ruídos do corpo humano que a personagem depois acaba por descrever, invocando precisamente (embora sem nomear o compositor) a experiência descrita por John Cage:

- Um dia fez-se uma experiência interessante. Meteu-se um homem num estanque absolutamente impermeável a qualquer ruído exterior. E que é que o homem ouviu? Pois ouviu o coração, é claro, mas mesmo o ranger das vértebras. Colossal. A riqueza imprevista de um mundo novo. A música das esferas. Nós não a ouvimos como o moleiro não ouve o moinho. Ouvi-la um dia. É o limite ideal inatingível é claro. Por enquanto evidentemente. (AF, 263).

Ora, desta concepção do silêncio como impossibilidade podemos desde já extrair duas conclusões acerca do modo como o silêncio, enquanto função de silere, é percebido pelo sujeito: em primeiro lugar, observamos que ele não é nunca uma substância ou uma realidade em si, mas um modo de relacionamento desse mesmo indivíduo com o mundo, o qual suscita essa forma particular de intimidade entre o sujeito e o presente da escuta de que fala Maria João Mayer Branco; em segundo lugar, verificamos que o silêncio não apresenta uma medida própria, sendo normalmente avaliado por antífrase. Quer dizer: justamente porque o grau zero do som não existe na natureza, o silêncio como propriedade virtual do cosmos é determinado não através de

uma medida própria, mas através de uma medida sonora, que assim o assinala por antífrase; o silêncio do mundo oferece-se, pois, à percepção do sujeito através de uma medida de som e não através de uma medida de silêncio. É o som e não a sua supressão que revela a presença do silêncio e que sublinha a existência de uma outra modalidade auditiva alternativa ao som (o silêncio), a qual (algo paradoxalmente, note-se) dificilmente seria percebida sem esse mesmo contraponto sonoro. Stacie Withers entende-o perfeitamente quando se interroga do seguinte modo: «How can silence be measured? Sound is a measure of silence. The smaller the sound, the deeper is the silence that it emphasises. (…) The depth of the silence is also conveyed by the smallness of the sound that disturbs it.»57 David Le Breton refere-se igualmente a esta questão, exemplificando o tipo de ruídos cuja presença em determinados espaços assinala justamente a presença do silêncio:

Há sons que se juntam ao silêncio sem perturbar a sua ordem. Às vezes mesmo revelam a sua presença e salientam a qualidade auditiva que antes não tinha sido percebida. Ainda que o murmúrio do mundo não pare nunca, conhecendo apenas variações de grau, com o passar do tempo, dos dias e das estações, há lugares que não deixam de dar a impressão da chegada do silêncio: uma nascente que abre caminho entre as pedras, um ribeiro que vem docemente tocar as areias, o grito de uma coruja no meio da noite, o salto de uma carpa sobre o lago, o ranger da neve debaixo dos passos ou o estalar de uma pinha ao sol.»58

É claro que esta distinção (entre silere e tacere, ou entre o silêncio e o calar) cobra uma importância acrescida quando se trata de perspectivar a questão do silêncio dentro das fronteiras do literário, onde somos inevitavelmente levados a distinguir uma eventual abordagem temática do silêncio (decorrente de um estado de silere) de uma sua incidência retórica (como função de tacere). No primeiro caso estamos em presença daquilo que poderíamos denominar uma semântica do silêncio e que se manifesta, de um ponto de vista temático, ao nível do enunciado literário; no segundo caso temos uma dimensão mais sintáctica do silêncio, a qual se manifesta na própria estrutura enunciativa do texto, acabando por funcionar também como uma importante estratégia retórica. Como conclui Carla Pomarè, a retórica do silêncio é realmente uma função de tacere e o modo de significação deste verbo depende precisamente da utilização de

57

Stacie Withers, «Silence and communication in art», in Adam Jaworski (ed.), Silence. Interdisciplinary Perspectives, p. 352.

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determinadas estratégias retóricas baseadas no equilíbrio entre o que se diz, o que se deixa de dizer e o que se permite que o outro diga:

When referring to the use of silence in poetry, this etymological distinction becomes of crucial importance, for the sacrifice of the word implied by the verb tacere and the attention to the regions of silentium represent two widely different options of silence within the poetic text. Whereas the latter lends itself mostly to a thematic approach, with silence becoming a possible topic of poetic discourse, to be read in a variety of ways (as a threat to the human universe, a model of expression, a symbol of infinity, etc.), it is