• Nenhum resultado encontrado

Silvio Berlusconi, “génio e televisão”

1.2. BERLUSCONI, O MAGNATE DAS TELEVISÕES

1.2.2. Silvio Berlusconi, “génio e televisão”

Assim como tinha acontecido em 1954 com a RAI, será, mais uma vez Mike Bongiorno, a inaugurar a nova Telemilano, emissora de Silvio Berlusconi. A partir de 16 de Janeiro de 1980 será emitido I sogni nel cassetto, um concurso, patrocinado por 8 empresas, em que cada casal de participantes pode ganhar uma quantia de dinheiro que lhe permitirá realizar o sonho da sua vida.

O programa não só foi o inaugural da Telemilano, mas também se tornou numa experiência inédita e pioneira que fará de Silvio Berlusconi um revolucionário da TV italiana. I sogni nel cassetto, de facto, será transmitido ao mesmo tempo por mais de 70 emissoras regionais em todo o país, às quais é enviado gratuitamente em cassetes gravadas. Estando em vigor uma éspecie de monopólio de estado por parte da RAI, é proibido para as televisões comerciais difundir as suas transmissões pelo inteiro território nacional. Esse “truque” berlusconiano, portanto, eliminando o obstáculo apresentado pela lei, estará na base da expansão televisiva de Berlusconi e na origem do seu império mediático.

Paralelamente, em finais de 1979, o empresário milanês tinha construído a Publitalia – um concessionário de publicidade – e Rete Italia, uma sociedade que lhe permitia comprar e vender programas nos mercados internacionais. O projecto de uma grande televisão comercial toma forma de maneira deslumbrante: Berlusconi adquire por 2 bilhões e meio de liras, cerca de 300 filmes da casa produtora Titanus e milhares de horas de programas americanos e aparece pela primeira vez, no dia 30 de Setembro de 1980, o nome Canale 5. O logotipo é retomado pelo brasão da família Visconti, senhores de Milão, símbolo também da mesma cidade. E o slogan muito simples: “Torna a casa in tutta fretta, c’è Canale 5 che ti aspetta.”

Será Marcello Dell’Utri7, braço direito de Berlusconi, a revelar, alguns anos depois, os detalhes do surgimento do novo império televisivo:

7

As relações de amizade entre o siciliano Dell’Utri e Berlusconi remontam aos anos universitários quando ambos frequentavam o colégio Torrescalla em Milão. Depois, nos anos sessenta, Dell’Utri é o treinador de uma equipa de futebol não profissional – a Torrescalla Edilnord, nome de uma das empresas berlusconianas – de que o Cavaliere era o presidente e o irmão Paolo um jogador.

L’idea di Canale 5 venne una sera a Arcore. Berlusconi mi stava di fronte. Parlava di varie cose, dell’edilizia, della situazione politica italiana. A un certo punto mi dice: “Questo sforzo che faccio per fare Telemilano mi costa moltissimo in termini di investimento per una zona importante ma limitata come Milano. Perché non moltiplichiamo questa televisione su tutta la Penisola? Cioè gli stessi film, gli stessi programmi, lo stesso Mike Bongiorno, moltiplicati per quante sono le regioni italiane? Vedi” disse “Questo è il pizzone. Qui c’è tutta la giornata di Telemilano, io la spedisco cosi com’è in tutto il Paese, uguale, identico. Solo che la pubblicità della Coca-Cola che c’è dentro, me la devono pagare di più visto che va su tutta Italia. (Guarino, 2005: 113-114)

É assim que Berlusconi compra emissoras regionais por toda a parte de Itália, funda outras e coordena-as numa network nacional. O expediente de Berlusconi – o chamado método bartering - primeiramente experimentado com o programa I sogni nel cassetto - é gravar numa éspecie de falso directo, nos seus estúdios televisivos, os programas que depois serão enviados, através de correio, o mais rapidamente possível, para as várias emissoras espalhadas pelo território nacional. Estas, inseridas numa éspecie de network, com diferenças mínimas de horário, transmitirão os mesmos programas de Canale 5 –

Telemilano, com a mesma publicidade8. Berlusconi criava, dessa forma, a ilusão de um canal nacional, distribuindo a cada estação a mesma cassete gravada, de modo que em toda a Itália o mesmo episódio de uma novela ou o mesmo concurso entrassem no ar exactamente no mesmo momento. O resultado foi a impressão de que, em toda a península, houvesse um único canal, mesmo que, na realidade, se tratasse simplesmente de uma transmissão simultânea a partir de várias estações. Na intuição desta viragem reside a alternativa berlusconiana à RAI. Isso tudo transgredindo a lei que proibia a difusão de programas para as televisões privadas para além do âmbito regional.

Vários estudiosos do fenómeno Berlusconi não hesitam em mencionar como fundamentais para a expansão televisiva do empresário os apoios políticos da direita da

Democrazia Cristiana e, acima de tudo, dos socialistas, mais especificamente, de Bettino

Craxi9, amigo pessoal do Cavaliere.

8

O tipo de televisão proposta por Berlusconi é o que Umberto Eco chama neotelevisione, uma televisão que não produz programas para um público (veterotelevisione, como, segundo Eco, acontecia até aquela altura com a RAI) mas que é marketing-oriented, produz público para a publicidade. Até a campanha eleitoral gratuita nos canais do Estado, nas networks de Berlusconi era a pagamento.

9

São claramente fortes as ligações entre Silvio Berlusconi e Bettino Craxi, reforçadas, como veremos, por relações familiares. E, por exemplo, em 1983, as emissoras do Cavaliere não hesitaram, no último dia de

O actual presidente da Mediaset - nome com que a Fininvest, a partir de 1993, foi chamada - Fedele Confalonieri, amigo fraterno de Berlusconi, sobre a relação Berlusconi- Craxi e a origem das televisões do Cavaliere, afirma:

Berlusconi e la sua televisione commerciale nascono quasi contemporaneamente a Craxi, segretario del PSI. Siamo alla metà degli anni Settanta, e quella loro amicizia è l'incontro di due uomini che reagiscono insieme all'ideologia dell'epoca. Per Craxi, come per Berlusconi, l'America non è più un peccato, la ricchezza meritata è giusta, è giusto il successo. (Guarino, 2005: 111)

Em finais de 1981 os dados de audiência televisiva mostraram para os três canais da RAI uma média de 7.808.000 contra 5.047.000 das emissoras privadas lideradas pelo Canale

5, que contava com uma média de 1.390.000 espectadores.