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SILVIO BERLUSCONI E O USO DO MARKETING COMERCIAL NAS CAMPANHAS ELEITORAIS

2.1 1994: A ENTRADA “TELEVISIVA” NA POLÍTICA

4.1. SILVIO BERLUSCONI E O USO DO MARKETING COMERCIAL NAS CAMPANHAS ELEITORAIS

Numa altura em que a perda de credibilidade, para a maioria dos italianos, do conceito de “partido” como estrutura tradicional da democracia (consequência dos casos de corrupção generalizada que caracterizaram o escândalo político-financeiro de Mani Pulite) e, dentro de um processo de deslegitimação que trazia consigo um sentimento difundido de recusa da política (entendida como mediação e negociação), os próprios partidos de massa, os sindicatos e outras instituições de socialização, deixam de ser consensuais. Se, de facto, como afirma Sandro Bondi, um dos mais fiéis colaboradores de Silvio Berlusconi, durante os seus primeiros passos na política e várias vezes ministro em governos chefiados pelo Cavaliere

Forza Italia nacque per scongiurare il vuoto determinato da un’eccezionale circostanza storica (il crollo delle ideologie determinato dalla caduta del Muro di Berlino) e dal disfacimento del sistema che aveva retto la prima Repubblica, di cui la falsa rivoluzione giudiziaria (Tangentopoli) rappresentò non la causa ma l’effetto finale. (Bondi, 2007: 3)

havia também um vazio a preencher, porque a velha maneira de relacionar-se com o eleitorado não era mais adequada à realidade. O fim da política ideológica, a redefinição do voto de pertença, as novas leis eleitorais que permitiam, por exemplo, a eleição directa dos presidentes das Câmaras Municipais desde 1993, o cansaço relativamente ao velho sistema político exigiam também uma viragem.

4.1. SILVIO BERLUSCONI E O USO DO MARKETING

COMERCIAL NAS CAMPANHAS ELEITORAIS

É neste contexto que Silvio Berlusconi, tirando partido da sua notória capacidade comunicativa e, aplicando os princípios do marketing e da comunicação empresarial à comunicação política, interpreta e encarrega-se de dar corpo ao constante pedido de

novidade e de vontade de participação, assumindo, na primeira pessoa, uma responsabilidade directa neste processo.

Antonio Palmieri, responsável nacional do partido Forza Italia pela comunicação eleitoral e internet, observa sobre a forte ligação entre a política e as estratégias comunicacionais que presidem à experiência berlusconiana:

Per un’azienda è importante avere un buon prodotto e comunicarne efficacemente l’esistenza al pubblico interessato: allo stesso modo le campagne elettorali azzurre fin dall’inizio si sono fondate su alcuni fattori, interconnessi tra loro: in primo luogo un prodotto valido, vale a dire un programma concreto e chiaramente definito e un leader candidato premier credibile, garante dell’attuazione del programma, per la sua storia personale e, successivamente, anche politica; un’efficace comunicazione, ottenuta utilizzando un linguaggio chiaro, diretto, semplice, concreto (una vera rivoluzione per come eravamo abituati in Italia) e applicando alla comunicazione politica gli strumenti del marketing: sondaggi, spot, manifesti, ecc… Programma, leader, linguaggio e marketing. Questa è stata la struttura della comunicazione elettorale di Silvio Berlusconi. (Palmieri, Comolli, Priori, Piano, 2012: 5)

A anterior experiência do Cavaliere no mundo dos negócios torna-se num instrumento indispensável ao seu novo percurso político, pois, ela lhe permite compreender profundamente as mudanças e as transformações na sociedade italiana, identificando directamente exigências e aspirações, medos e sentimentos do povo, da mesma forma como criaria um produto televisivo. Assim, Silvio Berlusconi fala daquilo que considera a primeira viragem da sua entrada na política, a criação de uma nova linguagem:

Sono stati anni di vita e fatica, che ci hanno consentito di realizzare un lavoro senza precedenti nel nostro Paese, dove prima di Forza Italia la comunicazione diretta con i cittadini veniva guardata con fastidio e sospetto dai protagonisti della vecchia politica, abituati ad usare un linguaggio oscuro, da addetti ai lavori, fatto per non far capire niente ai cittadini. (Palmieri, Comolli, Priori, Piano, 2012: 3)

De facto, a história das campanhas eleitorais italianas sempre reflectiu as mudanças políticas, sociais e comunicativas do país. Assim, por exemplo, logo no início da instauração da República, com as campanhas pré-modernas, até ao fim da década de 1960, os grandes partidos de massa – a Democrazia Cristiana e o Partito Comunista

organização e a capacidade de orientar as opiniões políticas, através do fiel voto de pertença ideológica, permitiam aos eleitores confirmar as suas identidades sociais e subculturais. Nesta altura, as forças políticas comunicavam directamente com os militantes quer através de uma minuciosa organização no território, quer através dos órgãos de imprensa do partido, quer através do recurso ao voluntariado, presente na base de qualquer partido daquela época.

É só com as campanhas modernas, entre 1960 e 1990, que os sistemas de comunicação de massa assumem um papel central: a televisão, especialmente, permite aos partidos e aos candidatos dirigirem-se não só ao próprio eleitorado, mas a todos os eleitores. O primeiro efeito imediato é uma maior “mobilidade” do voto dos eleitores que tomam em consideração a hipótese de fazerem escolhas diferentes das tradicionais ou das do costume, estimulando, dessa forma, uma maior competição entre as forças políticas. O aparecimento das televisões comerciais, nos primeiros anos da década de 1980, multiplicando os canais, multiplica também a possibilidade de os políticos se tornarem visíveis: assim, se por um lado, a importância do candidato é enfatizada, diminuindo a do partido, por outro, as televisões comerciais determinam o surgimento de um voto de opinião, menos militante e ideológico e mais personalizado. Este percurso de personalização da política é assumido perfeitamente, a partir de 1994, por Silvio Berlusconi que, protagonista no decénio anterior da evolução comercial dos média italianos, concretiza plenamente um modelo em que as técnicas da publicidade e das pesquisas de mercado impõem um novo padrão de comunicação política.

Conforme tinha acontecido nas televisões, Silvio Berlusconi, uma vez entrado na política, apecerbe-se de que os cidadãos, enquanto eleitores, constituem, exactamente como o público televisivo, uma variável complexa e indefinida, difícil de satisfazer. Dessa forma, analogamente aos telespectadores, ele considera os eleitores como sujeitos a persuadir constantemente para obter consenso.

Por conseguinte, o marketing político de Forza Italia aparece centrado não tanto no produto, quanto no consumidor – o eleitor – de que, através de sondagens e estudos, se conhecem feedbacks e exigências para depois, a partir daí, construir uma campanha que promova o partido e o líder mais adequado para satisfazê-lo. De resto a AMA, a

Associação Americana de Marketing, em Julho de 2013, aprovou como definição de marketing, a seguinte: “Marketing is the activity, set of institutions, and processes for creating, communicating, delivering, and exchanging offerings that have value for customers, clients, partners, and society at large.” (AMA: 2013)

Trata-se, portanto, de uma diciplina que, baseando-se no mercado, identifica as necessidades humanas – das mais primárias, como a comida e a segurança, até as mais complexas, como o conhecimento e a auto-realização. Estas necessidades, por sua vez, geram desejos que dependem quer da esfera cultural, quer da individual, e que são muitas vezes, determinados economicamente, já que cada consumidor escolhe os bens que o possam satisfazer com base no preço que está disposto a pagar.

A partir, portanto, da análise das necessidades e dos desejos dos próprios consumidores – os eleitores – é criada a oferta mais adequada para responder às exigências existentes. Nesse sentido, aplicar os princípios do marketing quer dizer nunca perder de vista o mundo das necessidades e das aspirações dos clientes-eleitores, porque um cliente satisfeito repete a “compra”, fideliza-se e, com a sua satisfação, através do passa-palavra, influencia a compra e a venda daquele produto. No caso da política, um candidato às eleições – exactamente como um produto – tem o objectivo de ser alvo de confiança, através do voto. Dessa forma, quando obtiver o voto, tem que se comprometer a “deliciar” o seu eleitor, isto é, a cumprir o que motivou a confiança: doutra maneira, na vez seguinte, não conseguirá o voto novamente.

A utilização de instrumentos de política (televisão, enquetes, publicidade) e estratégias (a segmentação, o targeting, o posicionamento) de derivação comercial tiveram origem, nos Estados Unidos, na década de trinta do século passado. O uso do marketing comercial na política é justificado por algumas semelhanças entre os dois mundos: o das eleições e dos mercados. Ambos partilham uma situação de concorrência com o objectivo de atingir uma determinada quota de mercado; ambos participam de uma condição de preferência: o eleitor é convidado a fazer escolhas exactamente como os consumidores; ambos partilham a mesma utilização dos meios de comunicação.

É na base do marketing tradicional que nasce o político: as técnicas são as mesmas, mas alteram os conteúdos. Gianpietro Mazzoleni, professor de Comunicação Política e Sociologia da Comunicação na Universidade de Milão, define o marketing político como:

un’insieme di tecniche aventi come obiettivo di favorire l'adeguamento di un candidato al suo elettorato potenziale, di farlo conoscere al maggior numero di elettori e a ciascuno di essi in particolare, di creare la differenza con i concorrenti e gli avversari e con un minimo di mezzi, e di ottimizzare il numero di suffragi che occorre guadagnare nel corso della campagna. (Mazzoleni, 2012: 147)

Daí a importância que Silvio Berlusconi dá ao marketing e a cada aspecto que caracteriza as suas campanhas eleitorais. Por isso, o Cavaliere está perfeitamente consciente de que a preparação das campanhas eleitorais tem que partir de um profundo conhecimento da composição dos eleitores, das dinâmicas da opinião pública, dos mecanismos decisórios do conjunto dos indivíduos, experimentando, com base nisso, de forma criativa, todas as inovações possíveis, tendo em conta o contexto fortemente competitivo em que outros sujeitos adversários tentam alcançar os mesmos objectivos, fazendo com que a vitória de um implique a derrota do outro.

E se, idealmente, as campanhas eleitorais promovem um diálogo que envolve toda a cidadania ou uma parte significativa dela, uma comunicação eficiente nasce também da capacidade de seleccionar os eleitores ou os grupos de eleitores a quem os políticos se devem dirigir, identificando objectivos diferentes para cada grupo específico.

Silvio Berlusconi, que já detinha, na área empresarial, televisiva e desportiva, uma credibilidade e uma autoridade dignas de um decision maker, percebe que, naquele momento de descontentamento dos italianos, deve recuperar valores e crenças que, desprovidos de intérpretes, precisavam de um novo “embaixador”, fiável e de comprovado sucesso. E é com esta missão que cria, através do uso das sondagens, produtos aptos a satisfazê-los. É assim que Gianfranco Pasquino, politólogo italiano e académico de fama internacional, reconhecendo os méritos do Cavaliere, afirma: “Berlusconi era anni luce più avanti dei suoi concorrenti ogni qualvolta si occupava di marketing, compreso quello politico.” (Mingioni, 2007: 9).