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Capítulo 3 – O complexo sucroalcooleiro

4.3. O complexo sucroalcooleiro do Triângulo Mineiro à luz do modelo proposto

4.3.3. Microanálise – Aspectos no âmbito da firma

4.3.3.1. Simbiose industrial

A SI, conforme se procurou demonstrar no Capítulo 1, é a forma principal pela qualse consegue fechar o ciclo de matéria e energia. Neste item, buscam-se analisar a troca concreta de insumos, produtos e informação entre firmas com vistas a reduzir o impacto sobre a base de recursos local. Não havendo a troca concreta, pode-se vislumbrar se tal processo poderia ocorrer a partir da identificação e disponibilidade de inputs e outputs potencialmente intercambiáveis, assim como a disposição por parte das firmas em agir de maneira integrada e, portanto, simbiôntica.

As análises precedentes sobre a produção dentro do complexo, feitas essencialmente no capítulo 3, mostram que o complexo é muito eficiente no reuso de seus subprodutos, de maneira que as possibilidades de troca com outras firmas ou agentes não ocorre da mesma forma de outras experiências de ESI. Os insumos do complexo sucroalcooleiro são, essencialmente, água, energia e cana-de-açúcar. Dada a estrutura econômica das firmas do complexo (altamente verticalizadas) o insumo cana-de-açúcar já é produzido “dentro da firma”80. O insumo água é quase que totalmente reutilizado dentro do complexo e o insumo

80 Em que pesem as novas tendências de desverticalização no suprimento de cana, conforme destacam Neves;

Conejero (2010). Ainda assim são tendências que não estão fortemente estabelecidas no modelo de negócios do complexo que essencialmente ainda age de maneira verticalizada com respeito à aquisição de cana.

153 energia é obtido por cogeração através do bagaço da cana. Não há, portanto, grande

dependência de insumos que estejam “fora” do complexo.

O argumento de que o grau de reutilização dentro do complexo sucroalcooleiro é reforçado pelos dados mostrados na Tabela 25 (questão 42), que contempla a opinião das usinas triangulinas. A leitura da referida tabela mostra que 100% das usinas pesquisadas reutilizam a totalidade da água e da vinhaça, 88,9% usam todo o bagaço e 77,8% reutilizam toda a cinza e torta de filtro geradas no processo de produção. Os sub-produtos que são menos reutilizados no complexo sucroalcooleiro triangulino são a palha e as leveduras: 42,9% das usinas fazem baixo-médio reuso de palha, e 33,3% de leveduras. Em suma: de acordo com as

usinas pesquisadas, todos os principais sub-produtos são reutilizados em alguma medida, sendo que a tendência é de alto ou total reuso.

Tabela 25 - Porcentagem de usinas que realizam determinado grau de reutilização de sub- produtos. reutilizado Nada é Baixo Grau de Reutilização Médio Grau de reutilização Alto grau de reutilização Totalmente reutilizado N/A n

Palha (ponta e folhas) - 14,30% 28,60% 14,30% 42,90% - 7

Bagaço - - - 11,10% 88,90% - 9 Torta de Filtro - - - 22,20% 77,80% - 9 Leveduras - 22,20% 11,10% - 55,60% 11,10% 9 Vinhaça - - - - 100,00% - 9 Cinzas - - - 22,20% 77,80% - 9 Água - - - - 100,00% - 9

Nota: n representa o número de respondentes.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados primários.

O Quadro 27 abaixo esquematiza os fluxos de matéria e energia dentro do complexo, demonstrando os principais insumos, produtos e sub-produtos:

154 Quadro 27 - Esquema dos fluxos de matéria e energia dentro do complexo sucroalcooleiro brasileiro (valores médios).

155 Sobre a reutilização dos sub-produtos, a análise do esquema acima sugere que a alta

taxa de reuso não abre grandes margens para a simbiose industrial inter-firma. Vinhaça,

torta de filtro, água e bagaço, que representam grande parte dos resíduos, são reutilizados de alguma forma dentro dos processos internos às atividades do complexo. Nos termos de Chertow (2004), portanto, o complexo sucroalcooleiro realiza a simbiose do tipo II81– aquela

que ocorre mais centrada em reusos e reciclagens dentro da própria firma ou complexo. Nesse aspecto, portanto, a Simbiose do tipo II ocorre de maneira muito satisfatória – as análises precedentes realizadas no Capítulo 2 e os dados da Tabela 24, por exemplo, deixam claro este aspecto principalmente com respeito à reutilização de água e vinhaça.

Além disso, a cogeração aparece como alternativa absolutamente relevante para o fechamento do ciclo de matéria e energia. É a partir da destinação adequada dada ao bagaço da cana-de-açúcar que a unidade industrial se torna auto-suficiente em energia elétrica, térmica e mecânica, podendo, inclusive, exportar o excedente gerado para alimentar outros sistemas externos à usina. Quando não é totalmente queimado para a cogeração, o bagaço se torna, ainda, oportunidade de negócio com os setores de pecuária, dado o valor nutritivo para suplemento alimentar dos animais. O mesmo ocorre com as leveduras, cujo excedente pode ser comercializado como componente para alimentação animal.

Como contraponto, os questionários respondidos pelas usinas da região mostram que, de fato, existem sub-produtos que não são totalmente reutilizados e comercializados com outros setores: 50% das usinas respondentes afirmaram que vende o excedente de bagaço para outros setores industriais, ao passo que 33,3% o fazem com relação às leveduras. Torta de filtro e cinzas também têm seus excedentes repassados adiante, conforme mostra o questionário (cf. Questão 43).

A despeito desse quadro de alto grau de reutilização, o que se pode vislumbrar são

potenciais caminhos de integração simbiôntica que ainda não ocorrem. Nesse sentido,

destacam-se três: i) integração com firmas à montante; ii) integração com firmas à jusante; e iii) integração com as comunidades do entorno.

Com respeito à simbiose à montante, os únicos insumos que se buscam “fora” do complexo são os fertilizantes, herbicidas e pesticidas. Ainda assim, o uso de fertilizantes é reduzido em razão da reutilização da vinhaça e da torta de filtro, que diminuem as necessidades de compostos como nitrogênio, potássio e fósforo. Desses compostos, o único que não consegue ser totalmente fornecido pela vinhaça é o nitrogênio. Logo, a proximidade e

156 a troca com firmas produtoras de fertilizantes nitrogenados podem representar um potencial de integração. Interessante observar que no Triângulo Mineiro, tal tipo de integração é potencialmente possível, uma vez que já está em fase de construção uma planta de produção de compostos nitrogenados da Petrobrás na cidade de Uberaba, no âmbito das ações do Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC2). Nesse sentido, fica a indicação de maiores estudos sobre a possibilidade técnica e econômica de simbiose industrial entre a planta de produção de amônia e as usinas que operam em Uberaba(decorrente da constatação de possibilidade de reaproveitamento dos gases ou compostos obtidos através da vinhaça pela firma produtora de fertilizantes, por exemplo).

A simbiose à jusante poderia ocorrer integrando-se as firmas que atuam na distribuição e comercialização do açúcar e do etanol, como os grandes atacadistas, tradings, postos, entre outros – ou seja, uma simbiose que envolveria o setor industrial e o de serviços. Uma indicação seria a biodigestão do lixo orgânico dessas firmas de forma a transformá-lo em adubo para as atividades do complexo ou em energia elétrica para abastecer essas unidades. Outra possibilidade nasce da integração das plantas mais modernas de produção alcoolquímica e sucroquímica. Para tanto, mais uma vez, seria necessário mapear os insumos e sub-produtos dessas firmas de modo a identificar as sinergias e os usos que se podem fazer dos mesmos.

A simbiose com as comunidades do entorno também é possível, vislumbrando-se, por exemplo, o direcionamento de lixo orgânico que seria compostado ou biodigerido pelas usinas em troca de energia elétrica complementar para prefeituras, prédios públicos, etc., de municípios ou comunidades rurais próximos às usinas. De qualquer modo, todas as possibilidades de simbiose aqui elencadas devem passar por critérios de viabilidade econômica, técnica e institucional para o transporte desses materiais e a redistribuição da energia elétrica gerada, por exemplo.

O que as propostas precedentes demonstram é que, para que uma usina se integre com outros agentes, parece ser muito importante o papel do biodigestor. Ainda que não seja economicamente tão atrativo realizar a biodigestão - conforme mostra ANA et al. (2009) -, uma usina de biodigestão integrada ao complexo a permite atuar como uma biorrefinaria, ou seja, “um complexo integrado capaz de produzir diferentes produtos (combustíveis, químicos, eletricidade) com base em diferentes biomassas” (BNDES; CGEE, 2008, p. 146-147). Vislumbrar-se a usina como uma biorrefinaria, que processa vários tipos de biomassa (cana-

157 de-açúcar e outros tipos de vegetais, lixo orgânico, esterco, etc.) converge com a proposta de um ESI.

Adicionalmente, troca de informação é também um dos componentes da simbiose industrial. Nesse aspecto, há o reconhecimento de que as usinas mineiras, de maneira geral, “mesmo concorrentes em determinados momentos, sabem se aliar para obter vantagens coletivas que dificilmente seriam conseguidas com ações isoladas” (SHIKIDA et al., 2010, p. 266). Contudo, quando questionadas sobre os temas mais presentes em suas atividades de comunicação com outras empresas, a percepção geral é de que assuntos relacionados à comercialização de produtos e insumos são os mais presentes. Aspectos relacionados ao desempenho ambiental (que poderia estar relacionado a esforços de fechamento de ciclo) são relativamente menos importantes nas comunicações das usinas com outros agentes.

Os números da Tabela 26 ajudam a ilustrar esse fato: 100% das usinas triangulinas afirmaram que assuntos relacionados à aquisição de insumos, máquinas e equipamentos estão muito presentes nas comunicações firma-ambiente externo. De outro lado, 50% delas responderam que o assunto “manejo, troca e reaproveitamento de resíduos” é um tema ausente ou pouco presente em suas comunicações. Mas há, contudo, uma parcela delas (40%) que admitiram que esse tema é muito presente, o mesmo valendo para o tema “redução de emissão de gases” e “redução de perdas” – um indicativo interessante de que há alguma transferência de informação relacionada à questão ambiental entre essas firmas (cf. Questão 17).

Tabela 26 - Grau de presença de determinados temas nas comunicações entre firmas do complexo e outros setores.

Assunto Ausente presente Pouco presente Muito Não sabe n

Manejo, troca e reaproveitamento de resíduos e

sub-produtos 10% 40% 40% 10% 10

Redução de emissão de gases 10% 30% 40% 20% 10

Redução de perdas de recursos 10% 30% 50% 10% 10

Comercialização de produtos 10% 10% 80% - 10

Aquisição de insumos,

máquinas, equipamentos, etc. - - 100% - 10

Nota: n representa o número de respondentes.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados primários.

Se há indícios de que assuntos relacionados ao manejo, troca e reaproveitamento de resíduos (assuntos relacionados à diminuição da pressão ambiental das usinas sobre o meio

158 ambiente) estão na pauta de comunicação das firmas, pode-se vislumbrar alguns quadros potenciais. Um exemplo de integração simbiôntica que leve em consideração fluxos de informação e conhecimento, além dos fluxos de matéria e energia, insere-se no incentivo e esforço conjunto de geração de inovações e “tecnologias verdes”, o que contribuiria para a expansão das capacitações tecnológicas do setor82. Como se verá adiante, a geração das inovações que contribuem para o fechamento de ciclo dentro do complexo ocorre de maneira

relativamente exógena – a ações são difundidas via a aquisição de novos equipamentos ou

práticas que são elaboradas fora do complexo, mas há indícios de que o complexo avança rumo a esforços inovativos mais ativos.

As firmas foram questionadas a respeito da origem das inovações de produtos e processos que colaboram para o fechamento de ciclo (questão 44). A questão (que permitiu a seleção de mais de uma opção, por entender que as fonte de inovações podem ser diversas) mostra um resultado difuso. Embora 62,5% das usinas admitam que tais inovações advêm exclusivamente de fora da usina, via outras firmas e centros de pesquisa, 50% das firmas disseram que as inovações advêm de arranjos integrados de pesquisa dos quais, a usina faz parte e 37,5% delas sinalizaram a existência de atividades de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias que ajudem no fechamento de ciclo. Esse resultado é interessante dado que mostra que a usina não é mais tão passiva no que tange à geração de conhecimento e inovação, conforme destaca, por exemplo Abarca (1999). Mostra também que é possível ampliar as capacitações técnico-científicas do complexo sucroalcooleiro via esforços coletivos de pesquisa e desenvolvimento, nos termos que propõem Shikida et al. (2010).

O argumento que se defende, afinal, é a importância das tecnologias e da troca de informações como elementos que ajudam a ampliar a eficiência energética e racionalização no uso da matéria dentro do complexo, rumo a um processo de produção mais limpa – um dos traços da ecologia industrial, que imputa papel importante às tecnologias, embora não seja a única das vias para a lida com a questão indústria-natureza. Mais ainda, busca-se um modelo integrado de geração e difusão de conhecimento técnico-científico (simbiôntico, portanto)

82Sobre as competências tecnológicas das usinas sucroalcooleiras mineiras, Shikida et al. (2010), relatam que

não há grandes esforços para o domínio ou criação de capacitações avançadas em termos de inovação. As usinas mineiras, de maneira geral, dominam aspectos como engenharia e execução de projetos, gestão industrial, inserção no ambiente organizacional e institucional e inovação – mas todos em um nível relativamente básico, com conhecimentos mínimos sobre tecnologias em uso e práticas comuns a todas as firmas. De outro lado, as competências mais avançadas não estariam presentes nas usinas mineiras; exemplo disso é que a análise empírica dos autores com relação às capacidades inovativas demonstrou que apenas 14% das empresas pesquisadas possuem conhecimento científico, pessoal qualificado e algum esforço concreto em pesquisa e desenvolvimento (denotando, segundo os autores, uma capacidade intermediária de inovação), ao passo que nenhuma das firmas pesquisadas possui as capacitações consideradas avançadas nesse sentido.

159 com vistas à redução dos impactos negativos gerados pelos sistemas produtivos sobre as bases de recursos naturais e comunidades.

Torna-se imperativo, portanto, a necessidade de “internalizar” o esforço inovativo via ampliação das trocas de fluxos de conhecimento num quadro de simbiose industrial. Não é exótico imaginar, no âmbito do TM, uma rede de inovação ou um sistema setorial de

inovação83 integrando firmas do complexo, produtores rurais e universidades da região rumo

ao desenvolvimento de novas técnicas e produtos, explorando sinergias, compartilhando conhecimentos e diluindo as incertezas que são inerentes ao processo de inovação. Insere-se aí a Universidade Federal de Uberlândia, a mais bem estruturada universidade da região, que possui competências estruturais, técnicas e científicas variadas (cursos de engenharias mecânica, mecatrônica, química e ambiental, física de materiais, biologia, etc.), passíveis de serem mobilizadas em arranjos de pesquisa em tecnologias verdes em conjunto ao complexo sucroalcooleiro regional84. É inegável que tal projeto seria complexo e exigiria grandes esforços de cooperação e coordenação além de um desenho institucional específico, mas os potenciais resultados científicos, intelectuais, econômicos e ambientais valeriam os esforços.

Em suma, a análise deste item, para o complexo sucroalcooleiro, destaca o fechamento do ciclo de matéria e energia, graças ao alto nível de reuso e reciclagem de resíduos, não abrindo grandes margens para a troca com outros entes. Apesar desse quadro, é possível vislumbrar, contudo, alguns pontos potenciais de sinergia entre o complexo e outros setores da sociedade (industrias, comunidades, etc.). Do ponto de vista da troca de informação, é certo que muito ainda se pode aprimorar se se quer vislumbrar arranjos integrados com a participação do complexo sucroalcooleiro. A análise precedente mostra, afinal, que o complexo ainda é relativamente fechado em si.

83Um sistema setorial de inovação relacionado ao complexo sucroalcooleiro é analisado em Silva (2008), que

aponta a complexidade de tal sistema, a diversidade de atores estratégicos envolvidos (usinas, agências de financiamento, universidades, institutos públicos e privados de pesquisa, órgãos de assistência técnica, associações de classe, etc.), bem como a necessidade de aparato institucional adequadamente desenhado para o desenvolvimento do arranjo.

84 Prefere-se imaginar quadros ainda mais amplos: geração e difusão de tecnologias verdesque beneficiem não só

o complexo sucroalcooleiro, mas outros complexos agroindustriais, pequenos produtores rurais e a população do TM de maneira geral.

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