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4.2 Mundos Impossíveis

4.2.5 Similaridade

Ao introduzirmos mundos impossíveis, os primeiros problemas que surgem são os casos em que contrafatuais simples que podem ser tornados trivialmente verdadeiros. Suponha um mundo em que um sujeito esteja vestindo uma camiseta vermelha. Se o critério de simila- ridade for unicamente maximizar as proposições sobre as quais os dois mundos concordam, contrafatuais como “se o sujeito estivesse com uma camiseta azul, ele estaria com uma cami-

seta vermelha” serão verdadeiros. Isso porque há um mundo impossível que instancia todas as

proposições atualmente verdadeiras, mais a proposição φ = “o sujeito está com uma camiseta azul”. Se encarássemos mundos como conjuntos de proposições - algo que não é inteiramente recomendável, por motivos que serão discutidos posteriormente -, poderíamos representar este mundo i por i = w ∪ {φ}.

Algumas características do supracitado mundo i nos fazem desconfiar de que ele esteja dis- tante. Sem pressupor ECI, notamos que ele é um mundo bastante estranho: não há conexão plausível entre o resto do mundo e a proposição φ, do antecedente, o que dá a ideia de arbi- trariedade. Algo que se pode apontar, nesse sentido, é que ele não está fechado logicamente de acordo com nenhuma lógica não clássica. Em geral, ainda que não limitemos os mundos impossíveis à classe “australiana” - isto é, mundos que são impossíveis na medida em que se comportam de acordo com uma lógica não clássica -, é razoável supor que, senão em todos, ao menos na maioria dos casos, mundos regulados por alguma lógica estarão mais próximos do atual do que os anárquicos.

Contrariamente aos “anárquicos”, há mundos que, embora impossíveis, são “ordenados” - isto é, mundos em que as proposições (ou parte delas) se ligam de alguma forma compreensível.

(SENDłAK, 2017) se fia nessa distinção para explicar como podemos entender a similaridade em termos gerais. Seu argumento reforça a tese de que há um componente epistêmico nos contrafatuais porque traça uma analogia entre eles e a abdução. O raciocínio abdutivo13 se

caracteriza por uma inferência para melhor explicação. Parte-se de uma série de hipóteses que objetivam explicar um conjunto de evidências e, por eliminação, escolhe-se uma delas - a melhor. Sendłak sugere que, se trocarmos hipóteses por regras e as evidências por antecedentes, entenderemos corretamente o que acontece nos contrafatuais, especialmente nos contrapossíveis. Em geral, há um processo que aventa uma série de regras - cada uma instanciada por um mundo - que garantam a verdade de um antecedente qualquer. Essas regras não precisam estar de acordo, por exemplo, com a lógica clássica, porque a ideia é que sejam abrangentes o suficiente para tornar impossibilidades verdadeiras. Basta que sejam regularidades. O exemplo que ele dá é que, se 2 + 2 = 8 e 2 + 3 = 10, podemos pressupor que 2 + 4 = 12. A regra que abarca esses casos é R : 2 + x = 2 · (2 + x).14 É possível vislumbrar exemplos análogos para debates metafísicos onde o antecedente é necessariamente impossível: que eles se comportem com alguma regularidade, e que esses princípios metafísicos funcionem de acordo com alguma regra.

Semelhante a essa oposição entre mundos impossíveis caóticos e organizados é o critério proposto por (BROGAARD; SALERNO, 2013). Os autores sugerem que, no caso específico dos contrapossíveis, deve haver dois critérios de similaridade, tomados em ordem de importância: (i) minimizar as discrepâncias com os fatos de fundo (“background facts”), algo que, de todo modo, é um imperativo da similaridade na semântica ortodoxa, e (ii) maximizar o que eles chamam de “implicações a priori*”. Esse conceito, inspirado no bidimensionalismo semântico de autores como David Chalmers, tem como objetivo garantir que se preserve parte das implicações a priori disponíveis no mundo em que o contrafatual é avaliado. O conceito é definido da seguinte maneira: “For a speaker s in a context c, P a priori* implies Q iff for s in c, Q is a relevant

a priori consequence of P .” (BROGAARD; SALERNO, 2013)

Ou seja, para um determinado contexto, apenas uma parcela das implicações a priori será considerada. Como um caso particular da aplicabilidade do princípio, Brogaard e Salerno trazem o exemplo dos contralógicos: “se uma lógica paraconsistente for a lógica correta, então o princípio da explosão não valerá” é verdadeiro porque “lógica paraconsistente é a lógica correta” implica a priori, e é relevante para o contexto em questão (ou seja: implica a priori*), “o princípio da explosão não vale”.

A preservação de algumas implicações é bastante similar à existência de uma ordem no mundo, de modo que as propostas de Sendłak, Brogaard e Salerno são bastante similares.

13Termo cunhado por C. S. Peirce para designar uma forma de inferência distinta das já conhecidas indutiva e dedutiva (DOUVEN, 2017).

14Parece, no entanto, que esse não é necessariamente um caso de impossibilidade. O que está sendo proposto é apenas uma semântica distinta para certos símbolos usados na aritmética.

De acordo com o Sendłak, o programa de Brogaard e Salerno se diferencia do seu ao tentar quantificar esse aspecto. O critério deles se refere à maximização das implicações a priori*. Mas há cenários em que a maximização dessas implicações conduz a resultados errados. Suponhamos uma teoria T , inconsistente. Alguém afirma: “se a teoria T fosse consistente, (então) haveria uma proposição verdadeira inconsistente com T ”. Um mundo que maximiza as implicações a priori* terá de instanciar tudo que for inconsistente com T , já que são coisas que se seguem diretamente da teoria. Mas, para que o contrafatual seja falso - como Sendłak julga que deve ser -, é preciso que haja um mundo que não instancie essas implicações a priori* e que, ainda assim, seja mais próximo do atual.

Conforme o debate avança, o apelo à intuição começa se tornar mais arriscado, Em muitos desses exemplos, é difícil avaliar corretamente qual é, afinal, o valor de verdade esperado para um determinado contrafatual. O exemplo anterior é uma boa medida: talvez o contrafatual “se

T fosse consistente, (então) haveria uma proposição verdadeira inconsistente com T ” expresse

corretamente o fato de que T não pode ser consistente: sua consistência é uma impossibilidade. De todo modo, a posição de Sendłak é útil na medida em que comanda cautela para com medidas de similaridade muito precisas, como uma baseada no número de sentenças15. Medidas assim já

se mostraram problemáticas na semântica ortodoxa dos contrafatuais, como no caso das rampas possíveis, discutido no primeiro capítulo.

Pode-se questionar em que medida o tipo de solução advogado por (BROGAARD; SA- LERNO, 2013) e (SENDłAK, 2017) exige uma interpretação epistêmica dos contrapossíveis, mas é difícil negar que há ao menos uma alusão epistemológica. Sobretudo na proposta de Brogaard e Salerno, que discutem quais inferências estamos ou não autorizados a fazer (em determinados contextos). Nesse sentido, vale lembrar também uma versão enfraquecida de ECI, proposta por (FERREIRA, 2017). O princípio que ele sugere recebe o nome de strangeness

of deep epistemic impossibility for epistemic contexts e é baseado em uma nota de Lewis so-

bre como pensamos sobre o impossível. Segundo Lewis, conseguimos considerar informações contraditórias desde que o façamos de forma compartimentalizada. Não vamos às últimas con- sequências até deduzir uma contradição aberta, da forma φ, ¬φ. O que Ferreira propõe é que isso valha, nesses contextos epistêmicos, para a similaridade de mundos: mundos sem contra- dições abertas, explícitas, são mais próximos do que mundos com contradições explícitas. Há um grau de gravidade nas inconsistências, portanto.