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Um novo exame do vacuismo

No documento Condicionais contrafatuais e contrapossíveis (páginas 120-122)

4.3 O caminho da paraconsistência

4.3.4 Um novo exame do vacuismo

Ao longo desta dissertação, a tese do vacuismo foi formalmente expressa de mais de uma maneira. Como resultado da construção do modelo semântico, no segundo capítulo, foi de- monstrada como o teorema (φ ∧ ¬φ) € ψ. No terceiro capítulo, foram oferecidas mais duas alternativas à formulação original: (φ ↔ ⊥) implica φ € ψ e (¬3φ) implica φ € ψ. Ignore- mos a última, porque ainda não dispomos do operador 3, cuja interdefinibilidade a partir de 2 é afetada pela mudança na negação.

No primeiro caso, é fácil ver que essa fórmula não se segue mais da semântica. Para evidenciá-lo, basta avaliar o seguinte contraexemplo: W = {w, v}, $w = {{w}, {w, v}} e

6 w (φ ∧ ¬φ), v φ, v ¬φ, v ¬ψ, v ◦ψ. Assim, por qualquer uma das três definições da-

das para o operador contrafatual, 6 w (φ ∧ ¬φ) € ψ.

A avaliação da segunda expressão formal do vacuismo é um pouco mais desafiadora. Isso porque nela ocorre ⊥, que é abreviação de uma contradição genérica. Na semântica ortodoxa, como a lógica de base era clássica, não havia diferença entre uma fórmula equivalente a ⊥ e

φ ∧ ¬φ. Isso porque φ ∧ ¬φ, no cálculo proposicional clássico, é uma contradição e, portanto,

pode servir para definir ⊥. Não obstante, conforme já enunciado, na lógica de base, mbC,

φ ∧ ¬φ não é uma “contradição de fato” (ou “contradição consistente”) se entendermos que

“contradição de fato” designa uma proposição sempre falsa31. Isso não quer dizer que em

mbC não há contradições na acepção mencionada. Essa propriedade também já foi colocada:

φ ∧ ¬φ ∧ ◦φ é uma contradição de fato. As cláusulas da semântica não permitem que ela seja

verdadeira. Portanto, há duas opções: se traduzimos ⊥ como φ ∧ ¬φ - tradução que seria

31Optou-se por distinguir “contradições consistentes” de meras contradições, de acordo com sugestão feita por Carnielli, para marcar a diferença fórmula insatisfatível e contradição na acepção original. Uma “contradição consistente” é uma fórmula insatisfatível; uma fórmula que afirma e nega algo é uma contradição.

opção adequada na semântica ortodoxa, onde a propriedade foi exposta -, então o modelo do parágrafo anterior também constitui contraexemplo e o vacuismo está banido da semântica. No entanto, se entendermos ⊥ como expressando uma impossibilidade real na liguagem que

estamos considerando, então deveremos traduzi-lo por uma contradição qualquer de mbC e

haverá o vacuismo.

Há uma tensão, portanto, entre o entendimento clássico de impossibilidade - i.e. algo classi- camente impossível - e um entendimento “absoluto” - i.e. qualquer coisa que for impossível no interior de uma determinada semântica. Esse debate também aparece para os defensores de se- mânticas estendidas com mundos impossíveis. Por isso, há uma certa insistência no modelo dos chamados mundos possíveis americanos, onde as fórmulas são arbitrariamente valoradas. Essa opção garantiria que, para qualquer combinação de valores, há um mundo - possível ou impossí- vel - que corresponde a ela. Por isso, não há mais impossibilidades “verdadeiras”, inalcançáveis pela semântica.32 Esse é o primeiro ponto que deve ser feito sobre a solução paraconsistente ao problema dos contrapossíveis: ela não é uma solução total, que purga qualquer possibilidade de contrafatual vacuamente verdadeiro do sistema. O que ocorre é que ela diminui considera- velmente esses casos, permitindo uma análise mais granulada de contrafatuais que antes eram indistintos. Paradoxalmente, trata-se de uma virtude e um vício - virtude, porque a dosagem no que será diferenciado garante uma estrutura lógica razoável para o operador contrafatual, o que, conforme debatido na última sessão, pode não ser o caso para soluções de semânticas estendidas; vício porque, a depender do problema a ser tratado, ela pode ser julgada insuficiente ao deixar de lado uma série de impossibilidades.

Defensores de modelos mais inclusivos - com menos estrutura lógica - ressaltaram esse as- pecto de uma possível solução paraconsistente ao problema dos contrapossíveis. Em particular, Brogaard e Salerno afirmam:

Quite naturally one might treat counterpossibles against a backdrop of paracon- sistent logic, since paraconsistent logics reject ex falso quodlibet, i.e., the classical principle which allows us to derive an arbitrary proposition from a contradiction. The key point would be that all paraconsistent consequences, but not all classi- cal consequences, of the antecedent are counterfactually implied by the antecedent. Daniel Nolan points out that a uniform weakening of the consequence relation is a bad idea, because no weakening can handle every impossibility that we might want to reason about. (BROGAARD; SALERNO, 2013, p. 651)

Segundo eles, haveria um “algoritmo” para reintroduzir contrapossíveis em qualquer so-

32É claro que aqui cabe a objeção feita por aqueles que consideram os condicionais contralógicos relevantes: pode haver impossibilidades que não são sequer capturadas pelo conceito de mundo impossível com valoração arbitrária. Seria o caso, por exemplo, de impossibilidades que exigem mundos incompletos. (ZALTA, 1997), que formalizou a teoria dos mundos arbitrários, julgava que qualquer objeto abstrato que não tivesse a propriedade de maximalidade não é um mundo.

lução paraconsistente baseada em uma lógica arbitrária L - “If L were not the correct logic, then all and only L-theorems would be valid.” (BROGAARD; SALERNO, 2013, p. 651). A existência desse algoritmo seria suficiente para minar o interesse de soluções dessa família, que não seriam suficientemente abrangentes. Cabe observar, no entanto, que o método apresentado para produzir contrapossíveis depende da expressabilidade de contralógicos, o que, conforme argumentado na última sessão, traz consigo uma série de problemas.

Outro aspecto interessante dessa semântica é a possibilidade de recuperar o comportamento clássico. Sintaticamente, (CARNIELLI; CONIGLIO, 2016) mostraram uma maneira de trans- formar inferências clássicas em inferências válidas de mbC, contanto que se acrescente premissas adicionais. Essas premissas, é claro, dizem respeito à consistência de certas fórmulas. A in- tuição é de que a diferença entre inferências clássicas e paraconsistente é a pressuposição, nas primeiras, da consistência de todas as fórmulas envolvidas. Podemos ver que o comportamento da semântica original pode ser resgatado se trocarmos a negação paraconistente pela forte, ¬φ ∧ ◦φ. Essa propriedade de “incluir” os resultados da semântica clássica é desejável na me- dida em que preserva o trabalho de Lewis e todo tipo de inferência que a semântica proposta por ele consegue capturar. Ela também poderia ser o caso nas semânticas estendidas com mundos impossíveis, contanto que se supusesse, além da possibilidade das proposições envolvidas (i.e. para cada φ, φ é possível) uma condição adicional da ordenação de similaridade entre mundos: a estranheza da condição de impossibilidade, ECI. A vantagem aqui é que não é preciso predicar nada sobre a ordem dos mundos, que pode ser mantida intacta. E, de certa forma, é possível traçar um paralelo entre o “possível” da semântica estendida e o “consistente” da semântica paraconsistente.

No documento Condicionais contrafatuais e contrapossíveis (páginas 120-122)