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2. ARCABOUÇO TEÓRICO

2.3 Categorias de Representação

2.3.2 Linguística Sistêmico Funcional

2.3.2.1 Sistema de Transitividade

De acordo com Halliday & Matthiessen (2004), ao estabelecermos uma comunicação, operamos a linguagem praticando três conceitos coexistentes - já explicitados acima: Metafunção Interpessoal – diz respeito ao relacionamento entre os indivíduos, Metafunção Experiencial – relaciona-se a representação do mundo e Metafunção Textual - que dá ao discurso sua posição de mensagem. Assim, para entendermos o que é e como acontece o sistema de transitividade, Halliday & Matthiessen (2004) chamam a atenção para o conceito da Metafunção Experiencial, por esta categoria estar ligada ao cotidiano da língua, através de elementos externos (e.g. eventos, elementos, ações) e internos do mundo (e.g. pensamentos, pontos de vista, crenças, sentimentos). A realização dessas representações ocorre através da Transitividade39. Sistema de Transitividade tem um sentido muito mais amplo, estando relacionado

39 Para Thompson (1994, p. 78) é importante entender que esse termo tem significados diferentes na Gramática

Tradicional e na Gramática Sistêmico-Funcional (GSF). Enquanto na gramática tradicional a transitividade é um princípio que parte da presença (ou não) do objeto (direto ou indireto) para classificar o verbo, na GSF, o Sistema de Transitividade tem um sentido muito mais amplo, estando relacionado à descrição da proposição como um todo, o que implica na escolha de processos (elementos verbais) e seus argumentos.

à descrição da proposição como um todo, o que implica na escolha de processos (elementos verbais) e seus argumentos.

Para Halliday & Matthiessen (2004), o uso desse sistema faz com que o sujeito falante construa um verdadeiro mundo a partir das representações baseadas na escolha de uma quantidade razoável de tipos de processos. Abaixo, observa-se que, no Sistema de Transitividade, cada proposição constitui-se de três elementos básicos: o processo (o elemento central), seu(s) participante(s) e as circunstâncias.

Um grupo verbal é o que representa o processo em si, tratando-se da ação propriamente dita; os participantes podem ser representados por grupos nominais, os quais realizam a ação, podendo ser também afetados por ela em uma relação dialética; o que representa as circunstâncias é os adverbiais, sendo sua função primordial acrescentar dados ao processo:

O jogador Neymar fará um gol na partida contra o

Chile

a qualquer momento Participante 01

(que realiza a ação)

Processo material Participante 02

(afetado pela ação)

Circunstância (Quando o fato pode

ocorrer)

Neste exemplo, "o jogador Neymar" (participante 01) realiza a ação de "fazer” (este é o processo), a qual recai sobre "o Chile" (participante 02), a ação de fazer está localizada no tempo, ou seja, "a qualquer momento" (circunstância).

A experiência da linguagem pode ser assim compreendida a partir dos conceitos de participantes, processos e circunstâncias, que por sua vez apresentam outras subdivisões, considerando que processos diferentes podem ter participantes determinados por circunstâncias diversas. É por isso que a questão da escolha é fundamental no estudo do sistema de transitividade. A análise das motivações de determinada fala busca identificar as escolhas lexicais, dentre muitas, que o usuário tem a sua disposição, tornando o uso da língua probalistico (HALLIDAY, 1994).

Vejamos, em seguida, os tipos de processo apontados por Halliday & Matthiessen (2004) no processo denominado Sistema de Transitividade:

a) Processos Materiais

Os processos materiais são os que estão diretamente ligados as ações do mundo físico, se referem ao fazer (HALLIDAY, 1994). Nesse sentido, são responsáveis pela criação de uma sequência de ações concretas, sejam elas criativas ou de transformação. Exemplos, de entre outros, são: acontecer, fazer, emergir (HALLIDAY & MATTHIESSEN, 2004).

Dois são seus participantes principais: o Ator e a Meta. O Ator é quem realiza a ação propriamente dita, sendo que sua presença é obrigatória: todo processo tem um Ator, mesmo que ele não seja mencionado na proposição (THOMPSON, 2009, p.78). A Meta é o participante a quem o processo é dirigido, aquele que efetivamente é modificado pela ação. Outros participantes que podem estar relacionados aos processos materiais são o Recebedor40, o Cliente41 e o Escopo42 (HALLIDAY & MATTHIESSEN, 2004).

b) Processos Mentais

Os processos mentais são processos ligados aos sentimentos (Halliday, 1994, p. 112), se relacionam à representações do nosso mundo interior (Thompson, 2009, p. 82), ou seja, são processos que se referem a ações que acontecem fora do mundo material, que acontecem no domínio dos nossos pensamentos (consciência), ou em sua representação (HALLIDAY & MATTHIESSEN, 2004, p. 197).

Halliday e Matthiessen (2004, p. 208-210) dividem os processos mentais em quatro subtipos, conforme se verifica no Quadro 3.

40 O Cliente ocorre em processos materiais que denotam criatividade. Isso ocorre porque esse participante

representa a entidade para quem alguma coisa é feita, criada ou transformada. (Halliday & Matthiessen, 2004. P. 191).

41 O Recebedor e o Cliente ocorrem em contextos bastante diversos (Halliday & Matthiessen, 2004. P. 191),

identificados na gramática tradicional, comumente, como sendo o objeto indireto.

42 Para Halliday & Matthiessen (2004), refere-se à utilização de tempos verbais marcados e não-marcados: no

caso dos processos materiais, o presente contínuo é o tempo não-marcado, enquanto que para os processos mentais, o tempo não-marcado é o presente simples.

Processos mentais - cognição Relacionados à decisão e compreensão do mundo (saber, entender, decidir).

Processos mentais - percepção Relacionados à observação de fenômenos

(sentir).

Processos mentais - afeição

Relacionados aos sentimentos (gostar, amar).

Processos mentais - desejo Relacionados aos sentimentos (querer, desejar).

Quadro 3 - Processos mentais e subtipos por Halliday e Matthiessen (2004)

Neste caso os participantes são o Experienciador - sendo em sua mente que o processo se realiza - e o Fenômeno, que é o elemento sentido pelo participante Experienciador. Halliday (1994) define alguns critérios de diferenciação entre esses processos: a utilização de tempos verbais43; o número de participantes44; a natureza dos participantes e a realização em duas vias.

c) Processos Relacionais

O processo relacional se refere ao ser, ter, pertencer, detendo a função classificatória na relação do discurso entre dois sujeitos. Segundo Halliday (1994, p. 119), todas as línguas acomodam formas sistemáticas de realização dos processos relacionais, sendo três as que identificam como as principais:

Intensivo – no qual X é (ou está) A: 1. atributivo: onde A é um atributo de X 2. identificativo: onde A é a identidade de X

43 Relaciona-se à realização do Fenômeno. Esse participante pode ser instanciado por um número maior de

entidades, podendo ser não apenas uma pessoa, um objeto concreto ou abstrato (como nos processos materiais). (HALLIDAY,1994, p. 115).

44 É relativo a natureza do Experienciador: apenas um participante humano (ou personificado) pode sê-lo

Circunstancial – no qual X é (ou está) em A (a preposição em pode também ser substituída por outra);

Possessivo: no qual X tem (ou possui) A.

O Quadro 4 abaixo mostra de maneira mais clara como se dão os processos relacionais apresentados acima.

Tipo/modo Atributivo Identificativo

Intensivo Você é muito importante [nós] somos a melhor

A melhor somos nós

Circunstancial A feira é às terças-feiras Amanhã é a feira

Dia 10 é amanhã

Possessivo Pedro tem um piano O piano é do Pedro

Ao Pedro pertence o piano

Quadro 4 - Tipos de processos relacionais (traduzido de Halliday e Matthiessen, 2004, p. 216 por Melo, p. 91, 2013)

De acordo com a teoria de Halliday e Matthiessen (2004, p. 220-226), esses processos podem expressar três tipos de significados: membros de uma categoria; fases da atribuição e domínio da atribuição.

Os processos Relacionais Intensivos Identificativos também possuem características especificas (Halliday e Matthiessen (2004, p. 227-229): em primeiro lugar, o grupo nominal que realiza o Identificador é geralmente um elemento definido, que pode ser acompanhado de um artigo definido; em segundo, ao contrario dos intensivos atributivos, os intensivos identificativos são reversíveis, mudança que pode acontecer porque, nesse tipo de processo, é estabelecida uma relação de igualdade, na qual X é igual a A, possibilitando a inversão.

Os processos identificativos também possuem seus próprios significados, podendo caracterizar o tipo de identificação que se busca. Os tipos de significado apontados por Halliday e Matthiessen (2004, p. 234-235) são os seguintes, apresentados no Quadro 5.

De equivalência / igualdade

Estabelece uma relação de correspondência entre o Identificado e o Identificador.

De realização de papéis

Nesse caso, o Identificado realiza um papel dentro do contexto em que o fraseado é instanciado: Dialogar será a meta.

De nomeação Ocorre a identificação de uma entidade com uma nomeação específica. Definição Define-se um conceito em função de outro.

Simbolização Expressa um conceito através de símbolos ou figuras, podendo ter ainda incluir traduções e paráfrases.

Quadro 5 - Processos identificativos por Halliday e Matthiessen (2004)

d) Processos Comportamentais

Os processos comportamentais encerrram as ações relativas aos comportamentos físicos e psicológicos, que ocorrem ao mesmo tempo. Halliday (1994, p. 139) afirma que esses processos estão entre os processos materiais e mentais. São processos comportamentais os atos de olhar, assistir, encarar, preocupar-se, dentre outros, em geral mais similares às ações mentais, e outros mais similares às ações materiais, como dançar, respirar, deitar.

Assim como os processos mentais, os comportamentais precisam que ao menos um de seus participantes seja constituído por uma figura animada ou personificada. No caso os participantes são o Comportante, ator que realiza a ação, e o Comportamento (Halliday & Matthiessen, 2004), definidor do escopo do processo.

e) Processos Verbais

Os processos verbais estão diretamente vinculados aos verbos de dizer, estão no limiar entre os processos mentais e os relacionais. Para Halliday (1994), os processos verbais não precisam necessariamente de um participante humano. Em orações como “o rádio disse que a Seleção Brasileira...” ou “canal de TV diz que Neymar foi o melhor jogador da partida...” são normalmente admissíveis, ocorrência que não poderia ocorrer nos processos mentais. Por esse motivo, Halliday (1994) afirma que tais processos podem ser conceituados como processos de simbolizar. O autor classifica esse processo em quatro participantes: o

Dizente (realiza a ação), o Receptor (para quem a mensagem é direcionada), o Alvo (deve ser atingido pelo processo) e a Verbiagem (mensagem em si).

f) Processos Existenciais

Halliday (1994) afirma que processo existencial se encontra no espaço entre os processos relacionais e os materiais. Nesse tipo de processo, as proposições existenciais são realizadas basicamente por meio dos verbos haver, existir e ter. Além desses, outros processos - como emergir, surgir e ocorrer - podem ser classificados como existenciais, dependendo do contexto no qual forem utilizados. Nesse processo, o único tipo de participante observado é o Existente.

g) Elementos Circunstanciais

De acordo com Halliday (1994), os elementos circunstanciais (efetuados por adjuntos de valor adverbial) podem decorrer espontaneamente em todas as formas de processo, tendo geralmente significação equivalente. Assim, tais elementos ocorrem por meio da utilização de locuções adverbiais e advérbios, levando informações que se adicionam o significado do processo. Segundo Thompson (2009), a função dos elementos circunstanciais é evidenciar o contexto onde uma premissa se realiza. Ambos os autores destacam que os elementos circunstanciais devem ser vistos de maneira distinta da gramática normativa os elementos circunstanciais de uma forma bem diferente da gramática tradicional. Tais processos são diferentes não apenas no que diz respeito aos tipos que a gramatica tradicional apresenta como também no que diz respeito à posição dada a esses elementos. O Quadro 6 que segue sumariza os elementos circunstanciais.

Quadro 6 - Elementos circunstanciais e seus subtipos. Adaptado de Halliday e Matthiessen, (2004, p. 262), por Lima-Lopes & Ventura (2008 p. 23)

Halliday e Matthiessen (2004) e Thompson (2009) afirmam que, mesmo que haja categorias consensuais, seria impossível esquematizar todos os tipos de elementos circunstanciais, devido à infinita possibilidade de realizações linguísticas que o usuário de qualquer língua faz.

Halliday e Matthiessen (2004) buscam elaborar um perfil quantitativo das escolhas na transitividade, a partir do estudo da frequência com que as diferentes opções oferecidas são instanciadas e relacionando seus resultados com as propriedades qualitativas desse sistema. Os autores pretendem, além de determinar os tipos de processos mais frequentes em cada tipo de texto, identificar a possibilidade de combinação com os demais elementos. Para eles, a transitividade é formada por subsistemas, o que significa que ao escolher um tipo de processo, o falante está selecionando um conjunto de elementos, definindo assim um sistema menor. A partir das escolhas realizadas, a probabilidade de ocorrência de outros elementos pode ser determinada.

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