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Capítulo 1. Introdução

1.4. O sistema em estudo: a blenda PBAT/TPS

Amido é o principal carbohidrato de reserva em plantas e o terceirobiopolímero mais abundante na natureza, sendo a celulose o primeiro e a lignina o segundo54–56. Pode ser extraído principalmente de cereais (milho, trigo e arroz), raízes e tubérculos (mandioca e batata) e também de legumes (ervilha).

Amido é um polissacarídeo formado por unidades de D-glucose. É constituído por duas macromoléculas: amilose e amilopectina. Amilose é uma macromolécula linear com poucas ramificações. É formada principalmente por ligações α (1 → 4) e possui massa molar entre 105 a 106 g mol-1. Amilopectina é um polissacarídeo altamente ramificado, com massa molar entre 107 a 109 g mol-1, contendo ligações α (1 → 4) e também ligações α (1 → 6), que consitutuem as ramificações a cada 22 – 70 unidades6,8,54,57. A Figura 6 apresenta as estruturas das moléculas de amilose e amilopectina.

Figura 6: Estruturas da amilose (a) e da amilopectina (b). Adaptado de Corradini et al.58

Os teores típicos de amilose no amido são de 20 a 30% e variam conforme a fonte botânica; porém, é possível encontrar plantas mutantes como o milho ceroso, no qual o amido é constituído por mais de 99% de amilopectina, e também o milho de alta amilose, que pode apresentar amido com teores de amilose de até 85%6,54,57,59. A Tabela 1 apresenta o teor de amilose no amido em função da fonte botânica.

O amido é um material de reserva que é depositado pelas plantas na forma de grânulos semicristalinos, os quais apresentam um alto grau de organização. As

macromoléculas são orientadas majoritariamente na direção do eixo radial. A ultraestrutura é dada por ligações de hidrogênio entre as macromoléculas, com ou sem a participação de moléculas de água. Amilopectina é o componente cristalino. Amilose e as ramificações de amilopectina formam a fase amorfa dos grânulos6,10,11,54.

Tabela 1: Teor de amilose, diâmetro e forma dos grânulos de amido em função da fonte

botânica. 54,60–62 Fonte Teor de amilose (%) Diâmetro (µm) Forma Milho 28 5 - 25 Poliedro

Milho ceroso 0 5 - 25 Poliedro

Milho de alta amilose 55 - 85 5 - 35 Esférica alongada Mandioca 18 - 26 5 - 35 Semi-esférica Batata 20 15 - 100 Elipsoidal Trigo 30 20 - 22 Poliedro

De acordo com o modelo proposto por Gallant et al.63, o grânulo de amido apresenta anéis de crescimento que são organizados em camadas alternadas. As regiões cristalinas são compostas por lamelas cristalinas, que consistem de moléculas de amilopectina organizadas na forma de dupla-hélice. Estas lamelas se encontram intercaladas por regiões amorfas, formadas pelas ramificações das moléculas de amilopectina e pelas moléculas de amilose. As lamelas cristalinas e as regiões amorfas são organizadas em estruturas com formatos esféricos, chamadas de blocklets. Essas estruturas possuem diâmetros que variam de 50 a 200 nm, dependendo da sua localização no interior do grânulo e da origem botânica do amido63. As camadas cristalinas e semi-cristalinas do grânulo são compostas por blocklets recobertos por material amorfo, que confere elasticidade ao grânulo. Além disso, os grânulos apresentam canais radiais, permeáveis à água e a pequenas

moléculas, que são formados predominantemente por material amorfo.63

Amido é um polímero biodegradável de baixo custo de produção quando comparado a polímeros biodegradáveis sintéticos, como PCL, PBAT e PLA. Dessa forma, materiais contendo alto teor de amido se tornaram alvo de pesquisas. Porém, devido à forte interação intermolecular entre as cadeias de amido, causadas pelas ligações de hidrogênio entre os grupos hidroxila10, a temperatura de fusão do amido é maior que sua temperatura de decomposição, não sendo possível processá-lo em

sua forma nativa em equipamentos convencionais de processamento de polímeros6,10. Para ser processado como um polímero termoplástico, as interações intermoleculares devem ser reduzidas. Quando o amido é processado na presença de plastificante, como água ou glicerol, e sob alta temperatura e cisalhamento, a estrutura granular do amido é rompida. Isso ocorre devido à interação de moléculas de plastificante com grupos hidroxila do amido, reduzindo as interações intermoleculares e conferindo maior mobilidade às mesmas. Esse fenômeno é denominado gelatinização e o material obtido é o amido termoplástico (TPS)6,11,12. Dependendo do grau de desestruturação dos grânulos de amido e também da quantidade de água, podem ser obtidos materiais para diferentes aplicações na área alimentícia, na forma de amido gelatinizado, como também compósitos e blendas poliméricas, que podem ser utilizados como embalagens de produtos alimentícios57.

O amido termoplástico pode ser produzido em uma etapa única ou em duas etapas. O processo de etapa única envolve o uso de extrusoras dupla-rosca e plastificantes que são introduzidos juntamente com o amido. Já o processo de duas etapas consiste na produção de uma pré-mistura de amido e plastificante, que é submetida a tratamento térmico para permitir a difusão do plastificante para o interior dos grânulos e seu intumescimento57. A migração do plastificante para o interior dos grânulos aumenta a mobilidade das cadeias de amido, reduzindo as temperaturas de fusão e de transição vítrea, o que possibilita seu processamento como polímero termoplástico64.

A Tabela 7 apresenta os diferentes processos utilizados na plastificação do amido em uma extrusora. Durante a extrusão, os grânulos de amido são inicialmente fragmentados e, em seguida, o amido é desestruturado, plastificado e fundido, sob a ação de calor e de cisalhamento. Além disso, as altas temperaturas e taxas de cisalhamento impostas pelas extrusoras podem causar a despolimerização parcial das cadeias de amido57,64. Porém, se a quantidade de energia termomecânica fornecida durante a extrusão e/ou o teor de plastificante forem insuficientes, o material obtido pode apresentar grânulos de amido não plastificado.64

Figura 7: Representação do processo de produção de amido termoplástico. Adaptado de

Averous57.

O processamento do amido termoplástico deve resultar em um material sem cristalinidade residual. Dependendo do teor de plastificante, é possível obter TPS com propriedades mecânicas que vão desde um material rígido e frágil até um material mole. Porém, o TPS está sujeito ao envelhecimento, que causa aumento do módulo de Young do material, tornando-o mais frágil. Abaixo da Tg o material apresenta envelhecimento físico e torna-se mais denso. Acima da Tg o material apresenta retrogradação, que se caracteriza por um aumento de cristalinidade57,64,65. A taxa de recristalização durante o armazenamento é influenciada pela umidade ambiente e pelo teor de plastificante. Um alto teor de plastificante aumenta a mobilidade das cadeias, reduzindo a Tg e causando aumento da taxa de recristalização. Além disso, devido à higroscopicidade do glicerol, que é o plastificante mais utilizado no processamento do TPS, o aumento da umidade ambiente acarreta no aumento do teor de água absorvida pelo material, causando também a diminuição da Tg e, consequentemente, o aumento da taxa de cristalização.64,65

TPS oferece uma série de vantagens em relação à maioria dos polímeros sintéticos, como sua biodegradabilidade e baixo custo, por exemplo. Além disso, sua produção é facilmente implementada em equipamentos convencionais de processamento de polímeros. Entretanto, suas aplicações são limitadas, devido à baixa estabilidade dimensional causada pela absorção de água em ambientes de alta umidade, ao envelhecimento pós-processamento e propriedades mecânicas inferiores às dos polímeros convencionais57.

A modificação química do amido, como a esterificação de grupos hidroxila com grupos éster (acetilação), bem como a enxertia de polímeros sintéticos, pode aumentar sua resistência à umidade. Porém, essa estratégia apresenta desvantagens, pois pode diminuir a biodegradabilidade do material. Mais ainda, pode haver a necessidade de purificação do produto final, devido à toxicidade dos

reagentes e subprodutos formados durante as reações, o que representa um custo adicional ao processo6,57,66.

A alternativa mais eficiente para melhorar as propriedades mecânicas e a sensibilidade à umidade do TPS é a formação de blendas com polímeros sintéticos. A adição de amido em polímeros tem sido utilizada também para reduzir custos e aumentar a biodegradabilidade do produto54. Para obter blendas biodegradáveis, o TPS tem sido processado com poliésteres biodegradáveis, como PCL, PLA e PBAT6,57.

Poli(adipato-co-tereftalato de butileno) (PBAT) é um copolímero aleatório biodegradável, capaz de se decompor dentro de algumas semanas sob a ação de enzimas de ocorrência natural. PBAT é fornecido pela BASF sob a marca Ecoflex®, e também pela Novamont como Origo-Bi® e Eastman Chemical como Eastar Bio®. É flexível e utilizado na produção de filmes para embalagens, na agricultura e em sacolas descartáveis67,68. A Figura 8 apresenta a estrutura do PBAT.

Figura 8: Fórmula estrutural do poli(adipato-co-tereftalato de butileno) (PBAT).

O PBAT é um polímero hidrofóbico e semicristalino, com massa molar ao redor de 4.104 gmol-1 e temperatura de fusão na faixa de 110 °C a 120 °C. Possui boa estabilidade térmica e alta flexibilidade.

Poliésteres biodegradáveis como PBAT apresentam custos de produção superiores aos dos polímeros commodities que visam substituir 23. Neste caso, a melhor estratégia para otimizar custos é a formação de blendas e compósitos. Com o intuito de manter a biodegradabilidade do material, amido termoplástico tem sido utilizado para esta finalidade. A formação de blendas de PBAT e amido pode, inclusive, aumentar a taxa de biodegradação do PBAT, assim como ocorre com outros polímeros biodegradáveis 16,54,69,70.

Como PBAT é um polímero hidrofóbico e o amido termoplástico é hidrofílico, as blendas PBAT/TPS são imiscíveis e incompatíveis. Consequentemente, apresentam propriedades mecânicas inferiores às do PBAT puro8,13,14.

A enxertia de anidrido maleico é um método de compatibilização eficaz para blendas entre poliésteres e amido, pois este grupo pode reagir com grupos hidroxila presentes no amido 8,14,16–18. Porém, resíduos de anidrido maleico e de peróxido, ambos usados no processo de enxertia, são tóxicos e podem causar danos à saude 71–73.

O uso de ácidos orgânicos policarboxílicos, como ácido cítrico, málico ou tartárico, pode também aumentar a compatibilidade entre as fases em blendas PBAT/TPS21–23. Além de atuarem como plastificantes do TPS, tais ácidos são capazes de promover a esterificação do amido, tornando-o mais hidrofóbico. Estes ácidos são também capazes de promover a formação de copolímeros de enxertia TPS-g-PBAT, por reações de transesterificação.

A Figura 9 apresenta o mecanismo da reação do ácido cítrico com amido e PBAT. Inicialmente, há a formação de anidrido de ácido cítrico a partir da desidratação do mesmo. Em seguida, o anidrido reage com hidroxilas do amido formando monoésteres. Os monoésteres podem então formar novamente anidridos e reagir com outras cadeias de amido, causando a reticulação das cadeias, como também reagir com grupos hidroxilas terminais do PBAT, formando um copolímero de amido e PBAT. O ácido cítrico também pode se ligar ao glicerol, utilizado na plastificação do TPS. Esse mecanismo foi inicialmente proposto por Wing et al.74, para a reticulação de celulose e, posteriormente, adaptado por Garcia et al.75 para a compatibilização de blendas PBAT/TPS.

Entretanto, a presença de ácidos orgânicos no processamento da blenda favorece também a ocorrência de hidrólise ácida do amido. A hidrólise ácida ocorre na presença de umidade residual e é catalisada por ácidos carboxílicos livres. A força do ácido, sua concentração e a duração do processo determinam a extensão da hidrólise 21,76,77.

Figura 9: Representação esquemática da formação do monoéster de amido e sua posterior

reação de reticulação com outra cadeia de amido ou PBAT na presença de ácido cítrico. Adaptado de Wing et al.78 e Garcia et al.75

O catalisador de transesterificação tetrabutóxido de titânio, Ti(OBu)4 (TBT), foi utilizado por Chen et al.71 para compatibilizar blendas de PLA/acetato de amido, nas quais foi utilizado citrato de trietila como plastificante. O aumento da concentração de TBT nas blendas causa um aumento do alongamento na ruptura e também da resistência ao impacto, o que evidencia a compatibilização. Por outro lado, a resistência à tração e a viscosidade no estado fundido diminuem com a adição de catalisador71, o que é consequência da redução de massa molar. Outros trabalhos também reportaram a diminuição da massa molar dos polímeros durante o processamento, na presença de catalisadores de transesterificação79,80.

Su et al.81 reportaram a compatibilização de blendas de poli(tereftalato de butileno) (PBT) e poliestireno (PS) pela adição de PS funcionalizado com grupamentos fenol e do catalisador de transesterificação TBT. A adição de 1% de TBT resulta na diminuição do diâmetro da fase dispersa e aumento da adesão interfacial, indicando uma maior interação entre as fases. Porém, o processamento da blenda na presença do tetrabutóxido de titânio também causa a maior degradação do PBT.

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