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1.3 Metáfora Gramatical

1.3.3 Metáfora interpessoal

1.3.3.1 Sistema/Metáfora de modo

A função interpessoal está ligada de perto aos diferentes papeis que o emissor adota durante diferentes situações. Num processo comunicativo, gramaticamente, o falante constrói, não só um processo, mas também apresenta a função de fala.

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Por exemplo, ao fazer uma pergunta, o falante desempenha o papel de investigador de informações, requisitando o ouvinte para cumprir o papel de fornecedor de informações (M.A.K. Halliday & Matthiessen, 2004; Li M., 2006). Desta maneira, poderemos reconhecer vários tipos específicos de papéis, dentro dos quais se encontram dois fundamentais — ‘dar’ e ‘pedir’:

The most fundamental types of speech role, which lie behind all the more specific types that we may eventually be able to recognize, are just two: (i) giving and (ii) demanding. Either the speaker is giving something to the listener […] or he is demanding something from him […]). (M.A.K. Halliday & Matthiessen, 2004, p. 107)

As ‘mercadorias’ trocadas poderão ser divididas em dois tipos: (i) bens e serviços e (ii) informação (M.A.K. Halliday & Matthiessen, 2004; M.A.K. Halliday, 1994/2000; Li M., 2006). Como se pode constatar no Quadro 4, as variáveis (papéis do discurso e mercadorias trocadas) definem quatro funções primárias de oração: oferta, ordem, declaração e questão. As várias hipóteses de resposta das iniciações das funções são apresentadas no Quadro 5.

Papel na troca

Mercadorias trocadas

(a) bens-&-serviços (b) informação

(i) dar ‘oferta’ ‘declaração’

(ii) pedir ‘ordem’ ‘questão’

47 iniciação resposta esperado discricionário dar bens-&- serviços Oferta

Ex.: Posso lhe servir um chá?

Aceitação

Ex.: Sim, se faz favor.

Rejeição

Ex.: Não, obrigada.

pedir Ordem

Ex.: Dê-me um chá.

Cimprimento Ex.: Aqui está.

recusa Ex.: Não.

dar

informação

declaração

Ex.: Ele está a servir um chá a senhora.

reconhecimento Ex.: Não está?

contradição Ex.: Não, não está.

pedir

Questão

Ex.: O que está ele a servir para a senhora?

resposta Ex.: Um chá.

desconhecimento Ex.: Não sei.

Quadro 5 Funções do discurso e as respostas (M.A.K. Halliday & Matthiessen, 2004)

O Modo é uma categoria gramatical de verbos que expressa a atitude subjetiva do falante em relação ao estado de coisas descritas pelo enunciado.

O modo é um dos sistemas em função dos quais varia a flexão dos verbos em português. Os valores de modo são expressos conjuntamente com os de tempo. (Raposo, Do Nascimento, Da Mota, Segura, & Mendes, 2013, p. 673)

O Modo poderá ser classificado em indicativo (categoria neutra que é a forma do verbo usado normalmente em enunciados declarativas) e imperativo (para expressar comandos que é a forma do verbo usado geralmente em enunciados imperativas); o primeiro poderá ser dividido em declarativo e interrogativo (Bussmann, 1996; J. C. Richards & Schmidt, 2010).

Segundo Fan Wenfang (2001, p. 111), existe uma relação entre os diferentes tipos de Modo (estrato léxico-gramatical) e as repetitivas funções de fala (estrato semântico), e a congruente relação está demonstrada no Quadro 5.

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Papel na troca

Troca de

mercadorias → Informação Bens-&-Serviços

Dar

Declaração ↘ declarativo

Ex.: Ele está a servir um chá para a senhora.

Oferta ↘ vários

Ex.: Posso servir-lhe um chá? Gostaria de servir-lhe um chá.

Pedir

Questão ↘ interrogativo

Ex.: O que está ele a servir à senhora?

Ordem ↘ imperativo

Ex.: Dê me um chá, se faz favor.

Quadro 6 As funções de fala e as suas típicas realizações no Modo (Fan, 2001)

Como se pode constatar no quadro acima, uma declaração é normalmente realizada em Modo declarativo, enquanto a questão em Modo interrogativo e a ordem em Modo imperativo; uma oferta poderá ser feita através de vários tipos de Modo, mas principalmente Modo interrogativo ou imperativo. Porém, na realidade, nem sempre se consegue encontrar a exata congruente correspondência entre as funções de fala e os tipos de Modo. Por exemplo, ao expressar um mesmo significado, um ato de fala de ‘ordem’ poderá ser congruentemente realizado através de Modo interrogativo, mas poderemos, na vida real, concretizá-lo em outros tipos de Modo:

a) Abre a janela. (Modo imperativo)

b) Podia abrir a janela, se faz favor? (interrogativo) c) Gostaria que abrisse a janela. (declarativo)

Na verdade, nem precisaremos de expressar diretamente o nosso intuito, basta dizer:

d) Está muito calor cá na sala.

49 para deixar entrar ar fresco e, provavelmente, realizará o nosso desejo. Aqui também a ordem é realizada pelo Modo declarativo.

O enunciado a) é a forma congruente de uma ordem e outras hipóteses como b), c) e d) são consideradas metafóricas. Este tipo de metáfora é uma metáfora gramatical interpessoal (M.A.K. Halliday, 1994/2000).

Portanto, as realizações metafóricas de Modo são listadas no quadro que vem à seguir:

Modos declaração questão ordem declarativo Ele está a cometer um

erro.

Gostaria de saber onde é que estiveste.

Devia dizer-me a verdade.

interrogativo Não estará ele a

cometer um erro?

Onde é que estiveste? Podia dizer me a verdade?

imperativo Veja lá que ele está a

cometer um erro!

Dizes-me onde é que estiveste?

Diga-me a verdade!

(as formas congruentes estão a negrito) Quadro 7 As funções de fala e as suas realizações metafóricas (Palmer, 2001; Fan, 2001)

Resumidamente, a metáfora interpessoal de Modo é generalizada quando:  uma declaração é realizada por Modo interrogativo ou imperativo;  uma questão é realizada por Modo declarativo ou imperativo;  uma ordem é realizada por Modo declarativo ou interrogativo. Na muito expandida Teoria de Atos de Fala (Theory of Speech Acts), proposta por J. Austin (1962) e J. Searle (1979), esta não-correspondência entre o ato de fala e o Modo é considerada, como ‘ato discursivo indireto’, i.e. um imperativo é ‘direto’ quando se realiza por uma ‘ordem’, mas ‘indireto’ caso for utilizada como uma questão ou declaração. Segundo a mesma teoria, um ‘ato discursivo indireto’ inclui não só metáforas interpessoais, mas também formas de ironia e exageros, ou seja, possui um alcance maior do que a metáfora de Modo. Portanto, não se equivalerão metáforas de Modo a atos de fala indiretos.

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