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ALTERNATIVAS PENAIS E MARCADORES SOCIAIS: O PERFIL DOS(AS) CUMPRIDORES(AS) NO INTERIOR DA BAHIA

SISTEMA PUNITIVO NO BRASIL

A história do Direito Penal brasileiro pode ser dividida em: período colonial, Código Criminal do Império e período republicano. Antes da chegada dos portugueses ao Brasil a população nativa utilizava a vingança privada e conheciam, ainda que de modo empírico, o talião; havia regras consuetudinárias e as sanções eram basicamente as punições corporais sem tortura. Após a invasão dos portugueses, sendo o Brasil extensão da Coroa Portuguesa, no Período Colonial vigorou a legislação alienígena produzida em Portugal e Espanha. No início vigoraram as Ordenações Manuelinas, posteriormente vigorou o Código de D. Sebastião e as Ordenações Filipinas. Os ordenamentos foram poucos eficazes devido a necessidade de solucionar os casuísmos da colônia, ademais, o poder que os donatários possuíam fez com que cada um aplicasse o direito a partir de critério próprio. (BITENCOURT, 2012). No período colonial foram aplicadas penas cruéis, verdadeiros suplícios nas palavras de Foucault (1999). Segundo Bitencourt,

De certa forma, essa fase colonial brasileira reviveu os períodos mais obscuros, violentos e cruéis da História da Humanidade, vividos em outros continentes. Formalmente, a lei penal que deveria ser aplicada no Brasil, naquela época, era a contida nos 143 títulos do Livro V das Ordenações Filipinas, promulgadas por Filipe II, em 1603. Orientava-se no sentido de uma ampla e generalizada criminalização, com severas punições. Além do predomínio da pena de morte, utilizava outras sanções cruéis, como açoite, amputação de membros, as galés, degredo etc. Não se adotava o princípio da legalidade, ficando ao arbítrio do julgador a escolha da sanção aplicável. Esta rigorosa legislação regeu a vida brasileira por mais de dois séculos. (BITENCOURT, 2012, p. 137).

Com o advento da primeira Constituição brasileira, em 1824, surgiu a necessidade de elaborar um Código Criminal pautado nas “questões humanitárias”. Mas, conforme relatado acima, a humanidade dos negros não era reconhecida, ou seja, esses avanços não atingiram a vida dos(as) negros(as). O Código Criminal Brasileiro é o primeiro código autônomo da América Latina, foi sancionado em 1830, sendo um código de base medieval

73 De acordo com “o Mapa da Violência, coordenado por Julio Jacobo Waiselfisz, os homicídios são hoje a

principal causa de morte de jovens de 15 a 24 anos no Brasil, atingindo, sobretudo, os homens, negros e pobres, moradores de favelas, morros e periferias esquecidos pelo Estado”. (FONSECA, 2017, p. 39)

74 Apesar dos avanços no debate sobre raça e gênero nas últimas décadas, “Ainda assim, as análises

produzidas têm sido confrontadas [...] por sua limitação em incorporar o debate sobre as relações raciais ao campo”. (PRANDO, 2018, p. 74).

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trazia vários privilégios para os mais abastados, leia-se brancos, um exemplo era a possibilidades daquele que fazia parte das altas classes salvar-se das punições por meio de pagamento. O segundo Código foi elaborado e publicado em 1890, antes da entrada em vigor da segunda constituição, o que só ocorreu em 1891. (BITENCOURT, 2012). Em contra partida, além da criminalização da cultura e práticas vinculadas a população negra, no código constava a criminalização do curandeirismo, eram publicadas leis que criminalizavam a vadiagem e capoeira (SERAFIM, 2009) e o pito do pango75.

O código foi considerado atrasado, e após vários projetos com o objetivo de extinguir as leis derivadas do Código de 1890, em 1940 é sancionado por decreto o novo Código Penal, entrando em vigor em 1942, encontra-se em vigor, apesar das diversas reformas realizadas no período.

Nas diversas reformas realizadas no Código Penal de 1940, ocorrem avanços quanto as penas aplicadas, porém, a falta de infraestrutura do sistema penitenciário, bem como a ausência de apoio financeiro e social têm evitado maiores avanços na aplicação das penas alternativas76, consagradas há muito nos países da Europa. Tais avanços ocorreram preponderantemente após a promulgação da Constituição Federal de 1988. A Lei n° 9.099/95 os Juizados Especiais Criminais, trazem a possibilidade da aplicação do processo penal de consenso nos casos de delitos de menor potencial ofensivo, os quais abrangem as contravenções penais e crimes cuja pena máxima atinja o limite de dois anos, dando-se a oportunidade para a aplicação de penas alternativas. No contexto das penas alternativas, outra lei de grande importância é a Lei n° 9.714/98, que amplia a possibilidade de aplicação

75 “Em 4 de outubro de 1830, foi aprovada, pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, a Lei de Posturas, cujo

§ 7º consistia na Lei do “Pito do Pango”. Seu texto demonstra bem o racismo, pois começa penalizando com 3 dias de cadeia os “escravos e outras pessoas” – e os escravos eram os negros – que fumassem maconha em pequenos cachimbos de bambu com uma pequena cuia de barro na ponta, o chamado “pito do pango”. Enquanto isso, o vendedor, em geral um boticário, recebia uma multa de 20$000. A primeira lei que criminaliza a maconha é tão racista que o comprador, que é o escravo negro, recebe uma pena mais severa que a do vendedor branco!”. (BARROS, 2018). Disponível em: < https://midianinja.org/andrebarros/criminalizacao-

racista-da-maconha/>. Acesso em: 28 de jan. de 2020.

76 “As manifestações insistentes que se têm ouvido, de porta-vozes do Ministério da Justiça, sobre penas alternativas, seriam alvissareiras, se viessem acompanhadas de orçamento adequado e de efetiva criação da infraestrutura necessária. Caso contrário, teremos mais um diploma legal a não ser cumprido, incentivando ainda mais a impunidade, com o consequente aumento da insegurança social. Criar alternativas à prisão, sem oferecer as correspondentes condições de infraestrutura para o seu cumprimento, é uma irresponsabilidade governamental que não se pode mais tolerar. Com efeito, a escassez de políticas públicas que sirvam de suporte para a progressiva diminuição da repressão penal, unida à ineficácia do sistema penal, produzem o incremento da violência e, em consequência, o incremento da demanda social em prol da maximização do Direito Penal. Essa foi a experiência vivida no Brasil durante alguns anos da década de 1990, pautada por uma política criminal do terror, característica do Direito Penal simbólico, patrocinada pelo liberal Congresso Nacional, sob o império da democrática Constituição de 1988, com a criação de crimes hediondos (Lei n. 8.072/90), criminalidade organizada (Lei n. 9.034/95) e crimes de especial gravidade. Essa tendência foi, sem embargo, arrefecida quando veio a lume a Lei n. 9.099/95, que disciplinou os Juizados Especiais Criminais, recepcionando a transação penal, destacando a composição cível, com efeitos penais, além de instituir a suspensão condicional do processo. Posteriormente, a Lei n. 9.714/98 ampliou a aplicação das denominadas penas alternativas para abranger crimes, praticados sem violência, cuja pena de prisão aplicada não seja superior a quatro anos. Desde então vivemos em uma permanente tensão entre avanços e retrocessos em torno da função que deve desempenhar o Direito Penal na sociedade brasileira, especialmente porque o legislador penal nem sempre tem demonstrado respeito aos princípios constitucionais que impõem limites para o exercício do ius puniendis estatal”. (BITENCOURT, 2012, p. 140- 141).[grifos nossos].

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dessas penas para crimes imputados com pena privativa de liberdade de até quatro anos, desde que tenha sido cometido sem violência ou grave ameaça.

Na próxima sessão serão abordados o conceito, o contexto e as interlocuções das penas restritivas de direitos, penas e medidas alternativas.