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Revisão da literatura

2.1.4. Sistemas de detecção em µPADs

Análises qualitativas, semi-quantitativas ou quantitativas em µPADs podem ser realizadas através da incorporação de métodos adequados de transdução, o qual pode requerer a adição de reagentes e equipamentos sofisticados. Com o objetivo de criar um dispositivo analítico, mantendo simplicidade, acessibilidade e portabilidade, técnicas de detecção com baixo consumo energético, como a detecção óptica ou mesmo a eletroquímica, têm se mostrado bastante adequadas para aplicação em µPADs.50

De maneira geral, quatro técnicas de transdução têm se destacado na literatura para o acoplamento com os dispositivos microfluídicos a base de papel; são estas a detecção colorimétrica, a quimioluminescência (CLD), a eletroquimioluminescência (ECLD) e a detecção eletroquímica (ECD). Neste tópico será apresentado um breve histórico e serão abordados aspectos relativos ao funcionamento e as principais vantagens relacionada a cada um dos métodos de detecção, bem como algumas aplicações já relatadas na literatura.

A detecção colorimétrica é uma das tecnologias mais simples e baratas já utilizada em µPADs e, por esta razão, tem sido um dos métodos de detecção mais empregados nesse tipo de dispositivo para os mais diversos tipos de

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analitos. Essa tecnologia apresenta ainda uma grande variedade de formas de transdução da resposta analítica, que de maneira geral, estão associadas ao surgimento ou variação de coloração, normalmente associada à uma reação química ou enzimática.2, 51 Dentre estas formas de identificação e transdução do sinal analítico, pode-se destacar a utilização de aparelhos portáteis como os smartphones, câmeras ou scanners, além de aparelhos mais sofisticados como os espectrofotômetros, ou ainda a detecção na ausência de qualquer aparelho externo ao dispositivo (detecção a olho nu).7, 51, 52

Os primeiros exemplos de ensaios colorimétricos utilizando µPADs foram demonstrados através de testes de pH, glicose e proteína em urina artificial.15, 53 Quando as amostras são depositadas nos dispositivos de papel, estas se distribuíram nas zonas de detecção, levando eventualmente à mudança de coloração, permitindo a quantificação dos níveis de analito na amostra através da construção de uma curva analítica. Nos ensaios de glicose, o resultado positivo era observado quando havia o aparecimento de uma coloração de tom marrom, característica da oxidação do iodeto a iodo, por meio de uma reação enzimática.15 De maneira similar, a detecção de proteína pôde ser observada quando a coloração do ensaio variou de amarelo para azul devido à presença do azul de tetrabromofenol.15 Além destes, outros estudos relacionados à detecção colorimétrica em µPADs foram publicados nas mais diversas áreas, incluindo testes biomédicos, monitoramento ambiental e controle de qualidade.3, 28, 54, 55

Uma desvantagem conhecida dos ensaios colorimétricos em dispositivos de papel está relacionada com a distribuição da coloração na zona de detecção, principalmente em ensaios de fluxo lateral, o qual muitas vezes apresentam uma baixa homogeneidade, dificultando o julgamento da coloração observada.15 Além disso, variações na iluminação ambiente e qualidade/configuração dos

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equipamentos de leitura (smartphones, scanners, etc.) também podem provocar variações na intensidade e tonalidade da coloração, dificultando a obtenção dos resultados analíticos.50, 51 Uma alternativa para contornar esses problemas é a funcionalização das zonas de detecção56 e/ou um maior controle na velocidade do eluente/amostra em ensaios de fluxo,57 e uma correção das imagens capturadas através do uso de programas adequados, além de comparação com uma curva de calibração, para a normalização da resposta analítica.50, 51

Um outro método de detecção óptica geralmente utilizado em dispositivos de papel é a quimioluminescência (CLD). Nesse sistema, o mecanismo de detecção se baseia na emissão de luz gerada a partir de uma reação química, em que a quantificação da amostra é realizada a partir da correlação entre a intensidade do sinal observada e a concentração do analito. Um exemplo desse tipo de detecção pode ser observado ao se utilizar peróxido de hidrogênio como catalisador da reação de oxidação do luminol a 3-aminoftalato, o qual decai do seu estado excitado para um estado de menor energia, emitindo energia na forma de ondas eletromagnéticas (luz).55

Essa metodologia tem sido utilizada principalmente em biossensores para a detecção de amostras biológicas58 e marcadores de câncer. Yu e colaboradores demonstraram pela primeira vez a detecção simultânea de glicose e ácido úrico em um dispositivo à base de papel por quimioluminescência.58 O mecanismo de detecção envolvido nesse caso baseou-se na combinação de reações de oxidação enzimáticas (glicose oxidase e uricase, respectivamente) com reações de quimioluminescência entre derivados de rodamina e o peróxido de hidrogênio formado em meio ácido.

A detecção seletiva de pesticidas por quimioluminescência foi também demonstrada a partir do uso de polímeros molecularmente impressos (MIP, do

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inglês molecularly imprinted polymers), formados in situ na plataforma de papel, utilizando o típico sistema luminol-H2O2.59 Apesar de ser um método simples e de baixo custo, a CLD apresenta os mesmos problemas citados para a detecção colorimétrica, porém com uma desvantagem associada ao grande ruído de fundo provocado pela natureza fosforescente das fibras de celulose.51

A combinação da técnica de quimioluminescência com a eletroquímica resultou na formação de um novo método de detecção para µPADs, denominado eletroquimioluminescência (ECLD). Esse método de sensoriamento, baseado na luminescência gerada a partir de reações eletroquímicas, tem se mostrado como uma tecnologia bastante robusta e eficiente, conferindo uma melhor seletividade ao dispositivo, e possibilitando a detecção em uma ampla faixa de concentração.60 Muitos estudos envolvendo a ECLD têm sido reportados, principalmente para a detecção de íons,61 monitoramento ambiental62 e biomarcadores de câncer,5, 63-65 dentro outros.30 Entretanto, este método de detecção apresenta algumas desvantagens, principalmente em relação à necessidade da realização de ensaios na ausência de iluminação, ou seja, em um ambiente escuro com completo bloqueio da luz ambiente.

Por outro lado, o uso da eletroquímica como metodologia de detecção tem se mostrado bastante promissora para o uso em dispositivos POC em plataforma de papel, oferecendo uma tecnologia de baixo custo que, ao mesmo tempo, proporciona uma alta sensibilidade e seletividade, pelo controle do potencial aplicado e/ou modificação química da superfície do eletrodo de trabalho utilizado.66 Além disso, a facilidade de miniaturização do sistema de detecção (microfabricação dos eletrodos), bem como a integração dessa metodologia com potenciostatos de baixo custo, portáteis, ou mesmo com smartphones

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comerciais, torna essa ferramenta ainda mais atrativa para o acoplamento com os µPADs.66, 67

Figura 2.5. Exemplos de metodologias de detecção em µPADs: (a) detecção colorimétrica;6

(b) eletroquimioluminescência;30 (c) eletroquímica68 e (d) quimioluminescência.58

A detecção eletroquímica em dispositivos de papel foi demonstrada pela primeira vez por Dungchai e colaboradores em 2009,68 onde foi realizada a determinação simultânea de glicose, lactato e ácido úrico, através de um sistema de eletrodos serigrafados diretamente na plataforma. Desde então, outros sistemas têm sido desenvolvidos para a determinação destes69 e de outros analitos como colesterol,70 dopamina,71 biomarcadores,67, 72, dentre outros,26, 73 além do monitoramento ambiental através da detecção de metais pesados.74, 75

O grupo do pesquisador Whitesides, um dos pioneiros na fabricação de µPAD, também demonstrou com sucesso a construção de um dispositivo de papel capaz de ser utilizado conjuntamente com glicosímetros comerciais.70 O sistema de eletrodos foi obtido pela técnica de serigrafia, com padrões

[Glicose] [BSA] Glicose Lactato Ácido Úrico Entrada Fita adesiva Fita adesiva Glicose oxidase Uricase M4NRASP Canais bioativos

Area de injeção Quimioluminescência

(a)

(b)

(c)

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desenhados para se ajustar aos conectores do glicosímetro, e assim realizar detecção do teor de glicose tanto no sangue como na urina. Este mesmo grupo ainda demonstrou a possibilidade do uso desse sistema para a determinação da concentração de outros analitos biológicos, como colesterol, L-lactato (em amostras de sangue), e etanol (em solução aquosa). Entretanto, apesar das inúmeras vantagens que esse método oferece, a necessidade da confecção de eletrodos por técnicas mais simples, versátil e de baixo custo, tem sido motivo de estudo por vários grupos de pesquisa.3, 66 Assim, o tópico seguinte será dedicado à apresentação de algumas das técnicas já empregadas na microfabricação de eletrodos para µPADs.