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SOB O SIGNO DO ANÁLOGO: UMA ABORDAGEM TROPOLÓGICA?

Aristóteles com o título de metáfora proporcional chama a este gênero de Analogia. Assim uma teoria dos tropos, uma tropologia (H White) poderia articular o conceito de representância. Com vista a figurar o que realmente aconteceu no passado, o historiador deve primeiro prefigurar o conjunto dos acontecimentos relacionados nos documentos. A função dessa operação poética é desenhar itinerários possíveis no “campo histórico”. A intenção é orientada para o que realmente aconteceu no passado, mas o paradoxo é que só podemos designar esse anterior a toda narrativa, prefigurando-o: não há original que comparar ao modelo: não há uma relação de reprodução, mas sim uma relação metafórica:

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o leitor é dirigido para a espécie de figura que assimila (liken) os acontecimentos relacionados a uma forma narrativa que nossa cultura tornou familiar para nós219.

Encontramo-nos com o retorno à velha Retórica. O Deus da ciência, que escreve reto por linhas tortas e que parecia ter abandonado ao nosso frade Las Casas, volta agora para ampará-lo e fortificá-lo nas prefigurações que o Evangelho e outros historiadores medievais sugerem ao espírito escritor de Bartolomé. O Reino da Imaginação por fim pode e deve ser liberto para poder auxiliar na compreensão dos Tropos com a ajuda da mãe Metáfora (doce ingênua), e das suas filhas Metonímia, Sinédoque e a Rainha Ironia, que desentranhará toda a natureza problemática da linguagem. Vejamos um exemplo mais na Brevíssima:

Una vez, saliéndonos a recebir con mantenimientos y regalos diez leguas de un gran pueblo, y llegados allá nos dieron gran cantidad de pescado y pan y comida con todo lo que más pudieron. Súbitamente se les revistió el diablo a los cristianos, y meten a cuchillo en mi presencia (sin motivo ni causa que tuviesen) más de tres mil ánimas que estaban sentados delante de nosotros, hombres y mujeres y niños. Allí vide tan grandes crueldades que nunca los vivos tal vieron ni pensaron ver220

Segundo Consuelo Varela, este fato está narrado de forma diferente na Historia das Índias, pois os dois mil índios mostravam aspecto pouco amistoso e um espanhol, atemorizado pela aparência hostil que mostravam os indígenas, fez se propagar o pânico entre os espanhóis, que seguindo ele, se lançaram contra os índios221. Para Varela, o motivo que aparece na História das Índias se oculta na Brevíssima, mostrando a matança como um fato diabólico, “se les revistió el diablo a los cristianos” como si todos

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RICOEUR, Paul, op. cit, p. 256-257-258.

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LAS CASAS, Bartolomé de. Op. cit, p. 91-92. (grafos nossos)

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súbitamente su hubieran vuelto locos. Infortunadamente esta es la norma que se repite casi constantemente a lo largo del texto de la Brevísima222. As vestes da retórica, o “pintar os fatos” faz muitos historiadores ‘sérios’ desconfiarem das belas formas na narração histórica223.

Segundo Ricoeur é necessário combater dois preconceitos: a) não basta eliminar ornamentos da prosa para acabar com as figuras da poesia b) a literatura de imaginação não por usar constantemente de ficção há de ter sempre um alcance nulo sobre a realidade224. O preconceito tem duas faces: preconceito contra a beleza e preconceito contra o compromisso da literatura da história. Poderemos então metaforicamente dizer que o diabo tomou conta dos espanhóis, quando não acharmos outra argumentação racional: o mal como impulso real e inexplicável, e o Diabo como metáfora suficientemente explicativa dos fatos, como vemos no exemplo da carnificina pintada por Las Casas. No entanto, não devemos baixar a guarda: Faz-se preciso que uma certa arbitrariedade tropológica não faça esquecer a espécie de pressão que o acontecimento passado exerce

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Idem, op. cit, p. 36.

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Porem, quando contrasto a fonte que da Consuelo Varela, deparo-me com uma grande surpresa: ela transcreveu as opiniões e notações de Menéndez Pidal sem contrastá-las com as citações (ultrapassadas, o que levantou minhas suspeitas): Assim, De las Casas não diz na sua História das Índias nada do que expõe Consuelo na edição da prestigiosa Castalia, mas coincide fundamentalmente em ambas versões:

“Estaban en una plazuela obra de 2000 indios, todos sentados en coclillas, porque así lo tienen todos de costumbre, mirando las yeguas pasmados. Había junto un gran bohío o casa grande, donde estaban más de otros 500 indios metidos, amedrentados, que no osaban salir; (…) Había costumbre entre los españoles, que uno que el capitán señalaba, tuviese cargo de repartir la comida y otras cosas que los indios daban a cada uno de los españoles, según era su parte, y estando así el capitán en su yegua y los demás en las suyas a caballo y el mismo padre mirando cómo se repartía el pan y pescado, súbitamente sacó un español su espada, en quien se creyó que se le revistió el diablo, y luego todos cientos sus espadas, y comienzan a desbarrigar y acuchillar y matar de aquellas ovejas y corderos, hombres y mujeres, niños y viejos, que estaban sentados, descuidados, mirando las yeguas y los españoles, pasmados, y dentro de dos credos no queda hombre vivo de todos cuantos allí estaban (Las Casas, Historia de las Indias, vol II, p. 536-537).

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sobre o discurso histórico por meio dos documentos conhecidos, exigindo dele uma retificação sem fim225.

O que confere à metáfora um alcance referencial, veiculo ele próprio de uma pretensão ontológica, é a intenção de ser-como, correlativo ao ver-como. È necessário vincular o Análogo ao jogo complexo do Mesmo e do Outro, para dar conta da função temporalizante da representância. Na caça ao ter- sido a analogia não age isoladamente, mas em ligação com a identidade e a alteridade: O análogo, precisamente guarda consigo a força da reefetuação e do distanciamento, na medida em que ser- como é ser e não ser 226.

Portanto, a metáfora que utiliza Las Casas de forma mais ou menos insistente nos ajuda a vincular e transar o complexo jogo do Mesmo e do Outro: ser como o Diabo é ao mesmo tempo ser o diabo sem sê-lo: não precisamos acreditar que o diabo se encarnou no espanhol que toma a decisão inesperada de iniciar o particular Holocausto indígena relatado. Basta entendermos que se trata de um tropo. Ao mesmo tempo, estamos diante do Mal. João Grilo responderia: “é e não é”. O rastro, um efeito-signo, significa sem fazer aparecer: a aporia do rastro como “valendo pelo” passado encontra no “ver-como” uma saída parcial227: No entrecruzamento História da e da Ficção, teremos mais respostas.

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Idem, op. cit, p.259.

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Idem, op. cit, p.260-261.

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O ENTRECRUZAMENTO DA HISTÓRIA E DA FICÇÃO: A

FICCIONALIZAÇÃO DA HISTÓRIA

No, ni aun ahora he despertado; que según, Clotaldo, entiendo, todavía estoy durmiendo, y no estoy muy engañado. Porque si ha sido soñado lo que vi palpable y cierto, lo que veo será incierto; y no es mucho que rendido, pues veo estando dormido, que sueñe estando despierto.

Pedro Calderón de la Barca. La vida es sueño.

História e Ficção, ambas só concretizam a respectiva intencionalidade tomando empréstimos da intencionalidade da outra. Essa concretização corresponde na teoria narrativa ao fenômeno do ver-como, pelo qual, caracterizamos a referencia metafórica228, de forma que não devemos temer: o imaginário se incorpora à consideração do ter-sido, sem com isso enfraquecer o seu intento “realista” 229.

Este entrecruzamento será produtivo no esclarecimento de determinados mecanismos pelos historiadores que permitam se não resolver as aporias do tempo passado, do presente e do futuro, nas suas relações e alcance, ao menos contorná-las e fazê-las férteis. Alguns destes mecanismos são:

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Idem, op. cit, p. 316.

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A datação de um evento: apresenta um caráter sintético. Se o principio de datação consiste na atribuição de um presente vivo a um instante qualquer, sua prática consistirá na atribuição de um “como-se” presente (relembrança de Husserl) a um instante qualquer; as datas são atribuídas a presentes potenciais, a presentes imaginados. (t. calendário)230. Las Casas inicia a Brevíssima com a datação: Descubriéronse las Indias en el año de mil y cuatrocientos y noventa y dos. Fuéronse a poblar el año siguiente de cristianos españoles, por manera que ha cuarenta y nueve años que fueron a ella cantidad de españoles (…)231 Como demonstra suficientemente Edmundo O´Gorman em La invención de América, Colombo visava apenas chegar ao Oriente da Ásia. A idéia de “descobrimento” fora criada pelos cronistas, e Las Casas não seria diferente: Deus escolhe a Cristóvão (o que leva Cristo) Colombo (o que coloniza) e faz com que ele estude astronomia, historia, filosofia, de modo que unindo um incipiente espírito quase científico à predestinação divina, inaugura uma nova Era. Las Casas não utiliza o tempo do calendário: o funda, tal e como se pode cotejar da leitura do primeiro volume da Historia das Índias, de forma que até hoje o Doze de outubro é celebrado em todos os paises de língua espanhola como dia da Virgem do Pilar (Aparecida) e do descobrimento (ou Raça, Língua...). Estamos diante da criação (ou re-criação) do Ser de América232.

Llegado, pues, ya el tiempo de las maravillas misericordiosas de Dios, cuando por estas partes de la tierra (sembrada la simiente o palabra de la vida) se había de coger el ubérrimo fruto que a este orbe cabía de los predestinados, y las grandezas de las divinas riquezas y bondad infinita más copiosamente, después de más conocidas, más debían ser magníficas, escogió el divino y sumo Maestro entre los hijos de Adán que en otros tiempos nuestros había en la tierra, aquel ilustre y grande Colón, conviene a saber, de nombre y de obra poblador primero, para que su virtud, ingenio,

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Idem, op. cit, p. 319.

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LAS CASAS, Bartolomé de. Op. cit, p. 74.

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industria, trabajos, saber y prudencia confiar una de las egregias divinas hazañas que por el siglo presente quiso en su mundo hacer: y porque de costumbre tiene la suma y divinal Providencia de proveer a todas las cosas, según la condición natural de cada una, y mucho más y de modo singular las criaturas racionales, como ya se dijo, y cuando alguna elige para, mediante su ministerio, efectuar alguna heroica y señalada obra, la dota y adorna de todo aquello(…).233

O rastro: O caráter imaginário das atividades que o mediatizam e esquematizam é atestado no trabalho de pensamento que acompanha a interpretação de um resto, de uma ruína, de um monumento: só lhe atribuímos o valor de rastro, ou seja, de efeito-signo, ao nos afigurar o seu contexto de vida234. De novo é a atividade imaginaria que faz produzir os rastos: Grandísimas y extrañísimas son las maldades que allí cometieron aquellos infelices hombres, hijos de perdición. Y así, el más infelice capitán murió como malaventurado, sin confesión, y no dudamos sino que fue sepultado en los infiernos235. O fato da morte sem confissão do capitão não é um simples dado de estatística religiosa (imagino que por causa da escassez de clérigos, a maioria dos cristãos morresse no Novo Mundo sem receber a Extrema Unção) ou fruto de um infortúnio qualquer: é conseqüência direta dos seus pecados e forma de inevitável castigo divino. De novo o imaginário está de volta, mediando, explicando, definindo. E ai de nós sem ele!

Transferência do Mesmo ao Outro: permite por meio da imaginação e da simpatia que o Outro alheio se torne próximo236. Quando Hernán Cortés queima o Templo com os astecas dentro, estes gritam: ¡Oh malos hombres! ¿Qué os hemos hecho?, ¿Por qué

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LAS CASAS, Bartolomé. Historia de las Índias. Vol III, p. 27.

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RICOEUR, Paul, op. cit, p. 320-321.

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LAS CASAS, Bartolomé de. Op. cit, p. 153.

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nos matáis? Andad, que a México iréis, donde nuestro universal señor Montezuma de vosotros nos hará venganza. Benévolos leitores: se me permitirem a ironia no meio de imagens que nos apresentam tão tristes lembranças, parece como se os indígenas mexicanos tivessem estudado retórica com Antonio de Nebrija. Esta licença poética resulta decisiva para gerar a necessária simpatia com as vítimas.

O Análogo e a tropologia: Da a expressão positivista “o passado tal e como ele aconteceu” um sentido radicalmente diferente dando valor tropológico ao tal como interpretado ora como metáfora, metonímia, sinédoque ou ironia. É a função representativa da imaginação histórica (H. White)237. O frade Bartolomé utiliza magistralmente o rei dos tropos que é a ironia. Quando um franciscano vai converter um índio que aos poucos será queimado dizendo-lhe

algunas cosas de Dios y de nuestra fe, el cual las había jamás oído, lo que podía bastar aquel poquillo tiempo que los verdugos le daban, y que si quería creer aquello que le decía que iría al cielo, donde había gloria y eterno descanso, y si no, que había de ir al infierno a padecer perpetuos tormentos y penas. Él, pensando un poco, preguntó al religioso si iban los cristianos al cielo. El religioso le respondió que sí, pero que iban los que eran buenos. Dijo luego el cacique sin más pensar, que no quería él ir allá sino al infierno, por no estar donde estuviesen y por no ver tan cruel gente238.

Uma resposta maiêutica, irônica, total, mais própria de Las Casas que de um cacique, porém reveladora do que provavelmente pensariam aqueles que começassem a entender algo do cristianismo, diante do ridículo papel do salvador de pagãos antes de serem executados, o que já é um tópico literário e cinematográfico, de Voltaire a Kubrick

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Idem, op. cit, p. 322.

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(Paths of Glory): a hora da morte é a hora da verdade (Benjamim) e onde a ironia toma uma força esmagadora. Da mesma forma, o humor negro impregna toda a Brevíssima: Respondía este piadoso capitán que no los querían recebir, antes los habían de matar a todos si no descubrían dónde estaban sus señores239. Ironia da qual não isentava à própria linguagem e instituições religiosas, como foi visto:

Y cuando algunos cansaban y se despeaban de las grandes cargas y enfermaban de hambre y trabajo y flaqueza, por no desensartarlos de las cadenas les cortaban por la collera la cabeza y caía la cabeza a un cabo y el cuerpo a otro. Véase que sentirían los otros. Y así, cuando se ordenaban semejantes romerías (…)240(grifo nosso).

A historia imita os tipos de intriga herdados da tradição literária: as categorias do trágico, cômico, romanesco, ironia são acopladas aos tropos da tradição retórica. Mas o empréstimo não apenas se confinam à configuração: também à função representativa da imaginação histórica: aprendemos a ver como trágico, como cômico. O espantoso é que esse entrelaçamento da ficção e da historia não enfraqueça o projeto de representância desta última, mas contribua para a sua realização241.

Iban todos tan cargados de oro, que más indios con cargas de oro que con bastimentos y comida ocupaban; pero, aunque el oro de su propia naturaleza tiene virtud de alegrar, la mucha hambre y cansancio que padecían los llevaba tan tristes y atribulados, que consuelo ninguno en su corazón podía entrar. Bien podemos presumir que si llegaran a un bien proveído mesón de comida, que no estuvieran regateando en el precio, ni les faltara de qué lo pagar. Prosiguiendo su camino, llegaron a la tierra y señorío del cacique Pocorosa, el cual luego huyó (…).242

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Idem, op. cit, p. 115. (grifo nosso).

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Idem, pó. cit, p. 100.

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RICOEUR, Paul, op. cit, p. 323.

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Acusada a Brevíssima de ser panfletária, literária e difamatória, provavelmente sejam essas mesmas características ligadas ao imaginário, as que façam dela uma obra acessível ao grande público e um grande best-seller, muitas vezes editada a expensas de livreiros que apenas visavam o puro lucro. È por isto que quinhentos anos depois ainda é publicada e citada abundantemente e não caiu no esquecimento. O fato de não incluir nomes (mesmo que os leitores contemporâneos do frade tivessem como sabê-lo facilmente) acrescenta mais uma chave para sua fama, apesar de atingir de algum modo na verossimilhança dos relatos: os espanhóis/ católicos poderiam ser identificados agora como os opressores dos hugonotes, calvinistas, anglicanos ou até dos independentistas catalães ou latino-americanos, como se desprende do elevado número de edições e exemplares vendidos na Europa coincidindo com etapas conflituosas nas quais a lenda negra espanhola era reavivada243. O anonimato das vítimas e também dos carrascos, confere grande versatilidade e universalidade à Brevíssima, facilitando a sua leitura e identificação em múltiplos tempos e lugares: novamente a tropologia vence sobre a historiografia “pura”.

Pacto de leitura: podemos ler história como um romance. Em virtude desse pacto o leitor baixa a guarda, suspende sua desconfiança, confia. Os historiadores modernos não se permitem incursões fantasistas, mas não deixam de recorrer de forma mais sutil ao gênio romanesco. Segundo Aristóteles, “colocar diante dos olhos” e assim “fazer ver”: pintar uma situação, restituir uma cadeia de pensamento e dar a esta a vivacidade do discurso interior. Entramos na área da ilusão, a qual confunde crer-ver e ver-como244. As contínuas provas, rastos e argumentos de autoridade que Las Casas mostra não lhe

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VARELA, Consuelo in: LAS CASAS, Bartolomé de. Op. cit, p. 46-54.

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impedem nem nos impede sentirmos com prazer (ou desprazer), degustar uma leitura adereçada com o útil (moralidade) e o agradável (ironia, novidades, espanto e terror), vibrar com a leitura da obra.

Envió Grijalva dos o tres, y llegaron hasta las albardabas, y allí les dieron una máscara o carátula de palo, cubierta de hoja de oro delgada, que en señal de paz enviaba al capitán el cacique; iban y venían muchos indios desarmados a ver los españoles, aunque no se osaban llegar a ellos. Recogían su agua y sus tiros de artillería los españoles y embarcáronse en las barcas y así fuéronse a los navíos, dejando su amor entrañado en aquellas gentes, o por verdad decir su temor horrible, de la manera dicha.245

As figuras retóricas fazem-nos baixar a guarda e “suspender” a desconfiança. Sem este processo, a leitura fica enfadonha e a obra já teria caído sob montes de poeira em alguma obscura Biblioteca Nacional. Podemos assimilar a este mecanismo o da Ilusão controlada, cumplicidade entre vigilância crítica que o próprio historiador exerce e a suspensão voluntária de incredulidade onde nasce ilusão estética246.

Acontecimentos marcantes (epoch-making): o leque de recursos trópicos enumerado termina com o que para mim resulta decisivo no sucesso de Las Casas, tanto no plano editorial, como no êxito na consecução de parte do proposto pelo autor no prefácio mediante a publicação de novas normas de proteção aos índios, que ao menos tiveram algum efeito em alguns territórios do império de Filipe II, ou na inclusão de Bartolomé de las Casas entre os clássicos universais, apesar de ou talvez devido ao lastro negativo de sua alta carga crítica e dos numerosos detratores que isto implica. Aquela crítica é a que faz

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LAS CASAS, Bartolomé. Historia de las Índias, t III, p.208.

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lembrar-nos dos eventos marcantes que fundam ou reforçam a consciência de identidade de uma comunidade e geram sentimentos de uma intensidade ética considerável, quer no registro da comemoração fervorosa, quer no da execração, da indignação, do lamento, compaixão ou até do apelo ao perdão247. A regra da abstinência, tão predicada pelos positivistas, pode ficar suspensa quando se trata de acontecimentos próximos248. Pode ou deve?

Tornáronse al navío y convidaron mucha gente, hombres y mujeres, grandes y chicos; entran en él seguros como en otros otras veces hacían. De que los tuvieron dentro, alzaron las velas y viniéronse a la isla de Sant Juan y vendiólos por esclavos; y a la sazón yo llegué a aquella isla y lo vide y supe la obra que habían hecho y cómo mostró al señor Higoroto y a su gente ser los españoles de cuantos beneficios dél recibieron agradecidos. Desta manera dejó destruido aquel pueblo, porque los que no pudo robar se desparecieron por los montes y valles, huyendo de aquellos peligros, y después al cabo todos perecieron, con las maldades tiránicas de los españoles que fueron a poblar o despoblar a Venezuela, como aparecerá en el siguiente libro. A todos los salteadores y malos cristianos que en aquellos pasos andaban pesó entrañablemente de aquella maldad que aquel pecador con el pueblo de