• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO III: Trilhas

2. Sobre o uso da História Oral

Com a inserção de novos olhares sobre o passado, e a consequente disseminação de fontes históricas até então esquecidas, a fonte oral ganha espaço sob o discurso de ela ser “percepção do passado como algo que tem continuidade hoje e cujo processo histórico não está acabado” (MEIHY, 1996, p. 10).

Diante disso, cada vez mais torna-se frequente o uso de história oral nas pesquisas em História da Educação; seja, de acordo com Alberti (2004, p. 17), “como método de investigação científica, como fonte de pesquisa, ou ainda como

técnica de produção e tratamento de depoimentos gravados” (grifo intencional).

Esta pesquisa trabalha com história oral utilizando-a como “método de investigação científica”, focando mais especificamente sua instrumentação de pesquisa; como tal, seu uso resultou em diversas entrevistas semiabertas com pessoas que testemunharam o período da quebra da hegemonia da ASRP e a ascensão do 24º núcleo do CPERS.

Levando a consideração os estudos de Neves (2003), que sugere dois tipos de entrevistas de história oral ___ entrevistas de histórias de vida e entrevistas temáticas ___, a investigação aqui proposta se enquadra mais na segunda categoria. Pois as entrevistas temáticas são compostas por experiências vividas e/ou passíveis de serem testemunhadas pelos sujeitos da pesquisa; tais entrevistas abrangem informações, pontos de vista, e interpretações diferentes sobre um determinado tema, como por exemplo: movimentos estudantis, doenças, períodos históricos políticos, saberes-fazeres, relações de gênero, movimentos associativos, entre outros.

Michael Hall argumenta que depoimentos, entrevistas e histórias de vida são técnicas de coleta de dados que têm sido usadas há bastante tempo para se dar conta que

[...] hoje em dia somos todos um pouco menos ingênuos, me parece, e reconhecemos que a história oral está longe de ser uma história espontânea, não é a experiência vivida em estado puro [...] os relatos produzidos pela história oral devem estar sujeitos ao

mesmo trabalho crítico das outras fontes que os historiadores costumam consultar [...] as entrevistas da história oral mostram menos a experiência direta dos informantes do que o resultado do trabalho que a memória faz com essa experiência (HALL, 1992, p. 157).

Por suas limitações, então, a história oral deve ser encarada sob uma perspectiva metodológica que produza interpretações de processos históricos mais atuais, relacionados a um passado mais recente, que na maioria das vezes pode ser acessado por intermédio das vozes dos sujeitos envolvidos. É devido a isto, que esta pesquisa fez a opção de adotar também esta metodologia a fim de compor o cenário histórico da ASRP nos anos finais da década de 70 e o início dos anos 80, momento em que os discursos são variados e a documentação escassa.

Os dados de história oral, segundo Sousa (1998, p. 27), pode ser coletados “por meio de fontes vivas de informação: histórias de vida, autobiografias, biografias, depoimentos sociais e entrevistas [...] matéria que precisa passar por um minucioso processo de análise”.

Destas, este estudo optou por entrevistas; entretanto, é fundamental distinguir as técnicas de história oral (entrevistas, depoimentos e histórias de vida) de outras técnicas utilizadas nas pesquisas sociais:

[...] a diferença entre história de vida e depoimento está na forma específica de agir do pesquisador ao utilizar cada uma destas técnicas, durante o diálogo com o informante. Ao colher um depoimento, o colóquio é dirigido diretamente pelo pesquisador. [...] a entrevista pode se esgotar num só encontro; os depoimentos podem ser muito curtos, residindo aqui uma de suas grandes diferenças com relação às histórias de vida [...] Toda história de vida encerra um conjunto de depoimentos (QUEIROZ, 1996, p. 07)

Apesar de a autora se referir à história de vida, podemos transferir todas suas palavras para a entrevista, que é uma das técnicas de história oral. Entretanto, tais entrevistas devem ser o mais dinâmica possível, exigindo do entrevistador a sensibilidade necessária para perceber as características pessoais de cada

entrevistado a fim de explorar suas possibilidades, mas sempre respeitando suas limitações.

Portanto, é muito importante que se tenha pleno domínio sobre o assunto pesquisado, motivo pelo qual preferiu-se deixar esta etapa em último na prioridade da coleta de dados, pois já se terá conhecimento e informações suficientes para o bom andamento da pesquisa.

Na preparação da entrevista, conforme Neves (2003), deve-se atentar para alguns itens, tais como: critérios para se definir os sujeitos a serem entrevistados, bem como a prioridade na ordem das entrevistas, lembrando que alguns sujeitos são essenciais para que surja outros. Baseado nisso, tendo como critério a participação na ASRP e/ou CPERS na década de 70 e início dos anos 80, resolveu- se entrevistar os seguintes sujeitos, prioritariamente:

 Profª. Tânia Maria Guerra, professora associada da ASRP nos anos 70 e presidente da mesma de 1981 a 1986;

 Profª. Ana Helena Beckemkamp, professora associada da ASRP nos anos 70 e secretária do 24º núcleo do CPERS de 1981 a 1983;

 Profº Jandir Zanotelli, professor associado da ASRP e professor da FaE/UFPel no final dos anos 70 e início dos 80;

 Profª Ruth Zanotelli, professora associada da ASRP e professora da FaE/UFPel no final dos anos 70 e início dos 80.

Feita a lista dos entrevistados, prepara-se o roteiro da entrevista, que deve conter um resumo sobre o assunto a ser abordado, bem como as informações e os primeiros contatos sobre o entrevistado. Pensando nisso, confeccionou-se um roteiro básico de entrevista, como o aplicado na entrevista nº 01 (Quadro 01):

Quadro 01

Exemplo de ficha técnica de entrevista de História Oral usada na pesquisa

Tipo de Entrevista: História Oral como instrumento de pesquisa.

Projeto: A Associação Sul-Riograndense de Professores nos anos 70 e 80 a partir de seus

sujeitos

Nome do(a) entrevistado(a): Ana Helena Beckemkamp Endereço:

Telefone:

Local da entrevista: 24º núcleo do CPERS Data da Entrevista: 11/03/2010

Dados pessoais: a) data de nascimento:

b) profissão: Professora da Rede Estadual de Ensino Dados da entrevista:

a) Nº de sessões:

b) Nº de horas: com gravador digital, em torno de 80 minutos cada sessão. c) Entrevistador: Sergio Ricardo Pereira Cardoso

d) Breve descrição da entrevista: Rememoração dos fatos sobre a ASRP e o 24º Núcleo do

CEPERS. A entrevista procurará apreender o processo de transição dos anos 70 aos 80, momento em que a ASRP divide/ compartilha espaços com o 24º Núcleo do CPERS , mas detendo-se principalmente na sua relação com a ASRP.

e) Documentação anexa à entrevista: Autorização para tornar pública a entrevista. f) Entrevista: nº 01.

ROTEIRO DE QUESTÕES:

 Qual seu nome completo?

 Quando nasceu? Onde?

 Conte-me um pouco sobre sua infância.

 Conte-me um pouco sobre sua vida escolar/ acadêmica.

 Quando começou a trabalhar? Onde? Como era esse trabalho?

 A Sra. casou antes ou depois de começar a trabalhar?

 E seu cônjugue? Em que trabalhava? Onde moraram?

 Tiveram filhos?

 Quando conheceu a ASRP/ CPERS/ outra Associação de Professores?

 Como era sua relação com a ASRP/ CPERS/ outra Associação de Professores?

 Que atividades e serviços eram promovidos pela ASRP/ CPERS/ outra Associação de Professores?

 Além de associada, ocupou algum cargo na ASRP/ CPERS/ outra Associação de Professores?

 Caso positivo, como era seu cotidiano nessas funções?

 Como eram as assembleias ou reuniões na ASRP/ CPERS/ outra Associação de Professores?

 Dentre os professores associados na ASRP/ CPERS/ outra Associação de Professores, predominava homens ou mulheres?

 Como era a situação econômica desses professores?

 Quais planos assistenciais eram oferecidos pela ASRP/ CPERS/ outra Associação de Professores?

 E culturais, tinha alguma atividade voltada para o professor?

 Na época em que a senhora trabalhou, chegou a presenciar alguma greve? Quantas? Fale um pouco sobre elas?

mais lembra? Por quê?

 Fale sobre alguns dos fatos marcantes da ASRP/ CPERS/ outra Associação de Professores que presenciou?

 A Sra foi associada da ASRP/ CPERS/ outra Associação de Professores até quando?

 Durante o seu tempo na ASRP/ CPERS/ outra Associação de Professores, percebeu sempre o mesmo movimento de sócios?

 Houve alguma mudança nas prioridades da ASRP/ CPERS/ outra Associação de Professores ao longo de sua vida como associada? Se houve, quais?

 Como estava a ASRP/ CPERS/ outra Associação de Professores no final dos anos 70 e início dos anos 80?

 A ASRP/ CPERS/ outra Associação de Professores estava concorrendo com outros tipos de associações e/ ou sindicatos? Quais? Como era esta relação?

 Como ficou a ASRP/ CPERS/ outra Associação de Professores perante esta relação?

 Qual a diferença que você percebe entre os associados da ASRP e os do 24º núcleo do CPERS/ outra Associação de Professores?

 Você gostaria de destacar mais alguma coisa sobre a ASRP/ CPERS/ outra Associação de Professores?

 Seria possível me indicar alguém que eu pudesse conversar sobre a ASRP?

No momento de se aplicar a entrevista, Neves (2003) sugere que esta seja trabalhada por duas pessoas, pois uma pessoa fica responsável pela condução da entrevista propriamente dita, e a outra se responsabiliza pelos aspectos logísticos da pesquisa, tais como: gravadores, sonorização, alimentação, diário de campo, anotações sobre informações relevantes, etc.

A degravação da entrevista é também uma das etapas mais trabalhosas da pesquisa de história oral, mas necessária, pois após a degravação, a entrevista degravada deve retornar para ao sujeito entrevistado para que este possa dar a devida autorização de uso de sua fala, agora transformada em documento escrito.

Uma boa estratégia tecnológica para facilitar a transcrição é usar o programa da IBM denominado Via-Voice, basta ouvir o que foi gravado e repetir no microfone do computador onde está instalado o programa com a voz do pesquisador reconhecida.

Esta investigação, no momento da degravação, optou por corrigir qualquer palavra ou expressão pronunciada de forma “errada”, pois, por experiência, é

averiguado que as pessoas se sentem mais à vontade em entregar a permissão quando enxergam suas falas corrigidas gramaticalmente.

Ademais, Bauer e Gaskell (2002, p. 106) complementam: “O nível detalhes das transcrições depende das finalidades do estudo. O quanto uma transcrição implica elementos que estejam além de meras palavras empregadas varia de acordo com o que é exigido da pesquisa”.

Sendo assim, esta pesquisa não está interessada na dimensão linguística do depoimento, mas sim no conteúdo. A seguir (Quadro 02), apresenta-se um modelo de permissão do entrevistado para uso de sua entrevista para fins acadêmicos ou educativos.

Quadro 02

Modelo da ficha de autorização do entrevistado

TERMO DE PERMISSÃO

Local da entrevista, DD / MM / AAAA

Por meio deste, cedo os direitos a Sergio Ricardo Pereira Cardoso para qualquer finalidade acadêmica ou educativa que se determine pelas gravações, transcrições e conteúdos dessa entrevista de história oral.

____________________________________ Nome por extenso

sujeito entrevistado ou responsável (conforme o caso)

_____________________________________________ Sergio Ricardo Pereira Cardoso

A análise dos dados da entrevista deve levar em consideração que as memórias evocadas e narradas por um sujeito estão enredadas numa teia de papéis sociais, ou seja, as lembranças estão aprisionadas em suas trajetórias vivenciais, possibilitando ao entrevistado testemunhar as mudanças históricas vividas por ele, bem como exteriorizar uma análise, geralmente inconsciente, das transformações vivenciadas (BARROS, 1989, p. 37).

Num primeiro momento da análise, o pesquisador deverá ter astúcia e conhecimento necessário sobre a temática para superar a aparente desordem espaçotemporal das narrativas. Para reestruturar tais narrativas é preciso que o pesquisador reagrupe as recorrências identificadas e, em seguida, reordene-as num eixo diacrônico, ou seja, de acordo com os fenômenos e fatos e suas relações com a evolução da História. Respectivamente a isso, Vansina (1968, p. 36) esclarece que “Un testimonio verbal es el conjunto de declaraciones hechas por un mismo testigo concernientes a una misma serie de acontecimientos, en la medida que tengam una misma referencia. Un testigo es una persona o un grupo de personas que dan cuenta de una referencia determinada”.

Pois bem, após a análise dos dados do depoimento degravado, é imprescindível o confronto com outras fontes, como as que este estudo contempla, ou seja, com as informações colhidas nos jornais, nos documentos oficiais e nas análises fotográficas.

Documentos relacionados