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7 CONSTRUÇÃO E VALIDAÇÃO DA ESCALA DE CONCEPÇÕES

8.1 O instrumento e ao que ele responde: discussão dos resultados

8.1.1 Sobre o Modelo Final do Instrumento

Segundo a teoria do Juízo Moral de Piaget as crianças ingressam no mundo da moralidade pelas mãos dos adultos com os quais elas convivem, especialmente, pais e mães, por quem as crianças nutrem um tipo de sentimento que reúne amor e temor, a que o autor denominou respeito. Todavia, a criança que a princípio obedece aos pais e que por isso é chamada heterônoma, deve, ao longo de seu desenvolvimento, construir a moral autônoma. Nas palavras do autor:

A autonomia é um procedimento de educação social que tende, a ensinar aos indivíduos a sair de seu egocentrismo para colaborar entre si e submeter-se às regras comuns. [...] Esta moral se caracteriza, quanto à forma, pelo aparecimento de um bem interior, independente dos deveres externos; dito de outro modo, por uma autonomia progressiva da consciência prevalescendo sobre a heteronomia dos deveres primitivos. (Piaget, 1944/ 2006, p.73).

Em outras palavras, Piaget, prevê a construção da autonomia moral, como grande conquista da adolescência, que permitirá ao jovem a elaboração de um plano de vida e a inserção no mundo social. Conforme La Taille (2007, p. 16): “A autonomia moral é definida como não necessidade de referência à figuras ou instâncias de autoridade”.

Assim, embora o primeiro processo de socialização da criança se fundamente no respeito unilateral, essa espécie de sentimento que os inferiores sentem pelo superior, o que torna possível a coerção; existe outro processo de socialização possível no qual a coerção dá

lugar às relações de cooperação e o respeito torna-se mútuo. A cooperação leva a superação da obediência à autoridade para o aparecimento de um sentimento interior independente dos deveres externos, que é chamado de obediência aos princípios de justiça, ou ainda, uma ética da solidariedade e da reciprocidade. (Piaget, 1934/1998)

Portanto, essa é para a teoria do Juízo Moral de Piaget a tendência proposta por seus estudos para o desenvolvimento moral do ser humano: a construção da autonomia moral. Uma das constatações a partir dos resultados da pesquisa é que o Modelo Final do Instrumento confirma essa expectativa teórica da proposta piagetiana de desenvolvimento psicológico moral.

O instrumento no seu modelo inicial apresentava itens que avaliavam os construtos obediência e autonomia, respeito (unilateral e mútuo), e justiça. Os itens estavam em aproximado equilíbrio contando com uma média de 8 a 9 itens para cada construto. Uma vez realizada a Validade de Construto do instrumento, observou-se um fato bastante interessante, que se pode compreender como uma comprovação matemática da expectativa teórica da proposta piagetiana para o desenvolvimento do juízo moral.

O ajustamento do modelo inicial eliminou quatro itens do construto obediência, e quatro itens do construto respeito, sendo que esses últimos, diziam respeito exatamente a variáveis que representavam relações de respeito unilateral entre pais e filhos. Dos construtos autonomia e justiça foram retirados respectivamente, apenas dois itens do primeiro e um único item do segundo.

Logo, observou-se qu para um instrumento cuja função era analisar a participação dos pais na construção da autonomia moral dos seus filhos, o resultado da validação dos construtos confirmou a tendência proposta pela teoria que o originou, ao manter o maior número de construtos representativos da autonomia, em detrimento da obediência, e também, mantendo o maior número de itens representativos da justiça, considerada por Piaget como a noção moral mais racional, resultado direto das relações de cooperação, por se fundamentar nos princípios de igualdade e equidade. (1932/1995, p. 157).

Assim, o novo modelo finalizou com quatro construtos representativos da obediência, cinco construtos representativos do construto respeito, oito construtos representativos da justiça e o mesmo número representando a autonomia. Segundo a teoria do desenvolvimento moral de Jean Piaget, para que o adolescente possa construir a autonomia moral é necessário que as relações sociais de coação ou obediência, sejam substituídas por relações de cooperação, nas quais o sentimento moral da justiça seja o equilíbrio das relações, de modo que, as pessoas escolham livremente agir em prol do bem comum.

Estando submetido a uma coerção vinda de fora, o indivíduo não atinge a autonomia da disciplina interior que caracteriza a personalidade e, por falta de interiorização das regras, ele só sai aparentemente de seu egocentrismo, em vez de sentir-se solidário a todos. Ao contrário, a disciplina própria ao self-government é ao mesmo tempo fonte de autonomia interior e de verdadeira solidariedade. (Piaget, 1934b/1998, p. 126).

Essas evidências levam também ao entendimento de que o instrumento cumpriu a sua função no sentido de confiabilidade e validade, pois “de fato mediu o que supostamente devia medir”. (Pasquali, 2003, p. 162). A pesquisa comprovou assim a tendência de que, na fase da adolescência, os pais e mães tendem a estabelecer com seus filhos relações mais fundamentadas em princípios de justiça e respeito mútuo, que conduzem à autonomia, em detrimento das relações de coação, portanto, heterônomas.

Outra observação importante a se anotar, ainda sobre a análise do modelo final do instrumento (após o seu ajustamento pela análise estatística), diz respeito ao fato de que o resultado demonstrou que o instrumento foi desencadeador de reflexões por parte dos participantes. Isso pôde ser observado pelas próprias respostas dos sujeitos (que serão apresentadas no próximo item desse capítulo), bem como, por meio de observações realizadas pela pesquisadora, durante o processo de coleta de dados:

Não houve nenhuma pessoa convidada a participar do processo que tenha demonstrado desinteresse. Pelo contrário, houve inclusive, a questão de alguns participantes analfabetos que não quiseram abdicar da possibilidade da participação, e contaram com a ajuda de professores que se dispuseram a ler o instrumento para os mesmos e a anotar suas respostas;

Muitos comentários foram realizados pelos participantes no seguinte sentido: “essas perguntas dizem respeito ao nosso cotidiano com nossos filhos; essas

perguntas representam exatamente os dilemas que enfrentamos no dia a dia; as perguntas são bastante adequadas e nos levam a pensar sobre atitudes que tomamos muitas vezes automaticamente; que achamos importante participar desse momento de reflexão sobre a educação dos nossos filhos”;

Depois da coleta de dados a pesquisadora se dispôs a permanecer com os pais para um momento de formação, no qual, os temas abordados pelo instrumento eram discutidos sob a forma de palestra. A grande maioria dos participantes participou dessa segunda parte de formação;

Alguns participantes mostraram interesse, questionando a pesquisadora, de que forma, os resultados da pesquisa seriam apresentados a eles enquanto retorno da sua participação;

Poucas dúvidas surgiram no tocante ao preenchimento do instrumento. Normalmente, em um grupo de 50 participantes, surgiam em média duas questões, e, na maioria das vezes, tais participantes queriam apenas se certificarem da sua compreensão da pergunta.

Piaget (1926/1947) – ao tratar da questão de métodos de pesquisa, abordando especificadamente o Método Clínico Crítico (conforme nomeou o método utilizado e criado por ele para as suas pesquisas a respeito do pensamento da criança) – afirma que o bom experimentador precisa ter boas hipóteses, fundamentando e dirigindo as suas perguntas, bem como, essas perguntas precisam ser formuladas de modo a desencadear reflexões nos participantes, para que se possa, realmente, conhecer o pensamento desses sujeitos em relação ao que se pergunta a eles.

Dessa maneira, pensa-se que o instrumento elaborado e validado por essa pesquisa atingiu aos seus objetivos. Embora não tenha as características do Método Clínico Piagetiano, e, devido aos objetivos já delimitados e apresentados, tenha se proposto a utilizar um modelo fechado de instrumento, como a Escala de Lickert (para investigar as concepções educativas dos pais em relação a sua participação na construção moral da autonomia dos seus filhos adolescentes), o instrumento provocou as reflexões a que se propunha, desencadeando nos participantes “crenças espontâneas”, as mais importantes para Piaget (1926/1947) no contexto de uma avaliação: quando a resposta é fruto de uma reflexão anterior e original do sujeito.

A constatação de que o instrumento contou com perguntas bem formuladas, fundamentadas em boas hipóteses se evidencia na coerência das respostas, que mensuraram ao mesmo tempo o juízo, ou seja, as representações que os pais fazem a respeito do seu papel na formação e educação de seus filhos adolescentes quanto aos construtos obediência, respeito, justiça e autonomia; e mensuraram também a ação dos pais, isto é, como estabelecem na prática essas intervenções junto aos filhos, na perspectiva de educá-los para a autonomia moral.

A análise das respostas dos participantes para cada construto deixará ainda mais consistente esse argumento. Essas constatações são, portanto fruto dessa visão do Modelo Final da Escala de Concepções Educativas, como um todo. Segue-se agora a análise dos resultados para cada construto.