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Sobre o conceito de coisa julgada (material)

espécies de eficácia das decisões judiciais. 4. Efeitos (eficácia) da decisão que julga a impugnação. 5. Possibilidade de ação rescisória.

1.

SOBRE O CONCEITO DE COISA JULGADA (MATERIAL)

Esta introdução não tem qualquer intenção de esgotar o tema, o qual é bastante relevante, extenso e controverso em suas várias vertentes. O conceito de coisa julgada material, no entanto, não pode deixar de ser abordado, ainda que em passo acelerado.

Celso Neves, em sua clássica obra Coisa Julgada Civil, ensina que a sentença soluciona a questão suscitada em juízo através da aplicação do direito objetivo, e, tão logo haja o seu trânsito em julgado – formação da coisa julgada –, elimina a incerteza subjetiva a qual pesava sobre a relação controvertida, assegurando, dessa forma, o resultado prático buscado pelas partes. A coisa julgada tem, portanto, dupla função: a primeira delas é a definição vinculativa da situação jurídica das partes; a segunda é o impedimento de que se restabeleça, em outro processo, a mesma controvérsia1.

1 Nas palavras do doutrinador, “em virtude da primeira função, não podem as partes,

unilateralmente, escapar aos efeitos da declaração jurisdicional; por decorrência da segunda, cabe a qualquer dos litigantes a exceptio rei indicatae, para excluir novo debate sobre a relação jurídica decidida”. NEVES, Celso. Coisa julgada civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971. pp.488/489

127 Para Chiovenda, uma vez formada a coisa julgada, a parte a quem o bem da vida foi denegado não pode mais reclamar e a parte a quem se reconheceu, além de contar com o direito de consegui-lo praticamente em face da outra, não pode mais sofrer qualquer contestação a esse direito, do qual poderá usar e gozar livremente2.

Eduardo Talamini, em sua obra Coisa Julgada e sua Revisão, desenvolve uma definição mais teórica, apoiando-se nas lições de Liebman. Para ele, “a coisa julgada material pode ser configurada como uma qualidade de que se reveste a sentença de cognição exauriente de mérito transitada em julgado, qualidade essa consistente na imutabilidade do conteúdo do comando sentencial”3.

Tal conceito pode ser detalhado em seus vários aspectos, conforme o próprio processualista o fez. Em primeiro lugar, esclarece Talamini que somente os atos jurisdicionais os quais contenham suficiente grau de cognição são aptos a formar coisa julgada. Além disso, lembra que, para que essa se forme, é preciso que estejam esgotadas todas as possibilidades de alteração da sentença através de mecanismos internos, ou seja, que já não caiba nenhum recurso ou reexame de ofício. O terceiro ponto diz respeito ao núcleo essencial da coisa julgada4.

Através desse último aspecto, Talamini traz à baila a clássica discussão sobre a distinção entre eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Esse ponto merece destaque, não só pela relevância para a solução de questões de ordem prática vinculadas às garantias fundamentais do processo, mas também para introduzir ao leitor os próximos itens deste capítulo, os quais tratam

2 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 2000.

p.447

3 TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e sua Revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.30

128 especificamente da coisa julgada e da eficácia da decisão proferida na impugnação.

Segundo esse doutrinador, “coube a Liebman5 a precisa distinção entre coisa

julgada e efeitos da sentença. Segundo sua lição, coisa julgada é uma qualidade (‘autoridade’) dos efeitos da sentença – e não um de seus efeitos. É o ‘modo de ser’, o modo como se manifestam e vigoram os efeitos da sentença – sejam eles quais forem (declaratórios, constitutivos ou condenatórios, de acordo com a classificação tradicional, vigente à época da obra de Liebman)”6. Talamini conclui que a coisa julgada é um novo elemento, um plus, o qual qualifica todos os efeitos da sentença7.

A teoria de Liebman acerca da autoridade da coisa julgada – com o fim específico de diferenciá-la da eficácia da sentença – representa um marco na adequada explicação do fenômeno. Por tal razão, não há como deixar de citar trecho de tão respeitada obra: “Não se pode, pois, duvidar de que a eficácia jurídica da sentença se possa e deva distinguir da autoridade da coisa julgada. (...) A autoridade da coisa julgada não é efeito da sentença, como postula a doutrina unânime, mas, sim, modo de manifestar-se e produzir-se dos efeitos da própria sentença, algo que a esses efeitos se ajunta para qualificá-los e reforçá-los em sentido bem determinado”8.

A obra italiana de Liebman foi traduzida para o português por Alfredo Buzaid e Benvindo Aires, mas foi Ada Pellegrini Grinover quem atualizou e anotou a obra a

5 Instituições, v.1, n. 119, p.383

6 TALAMINI, Eduardo. Obra citada. p.33

7 Idem. p.35

8 LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa

julgada. Tradução de Alfredo Buzaid e Benvindo Aires, tradução dos textos posteriores à edição de 1945 com notas relativas ao direito brasileiro vigente de Ada Pellegrini Grinover. Rio de

129 partir de 1945, sempre traçando um paralelo com o direito processual brasileiro. Ada faz interessante comentário a respeito do conceito de coisa julgada, tanto em relação às lições de Liebman, como em relação ao conceito adotado pelo Código. Conforme a respeitada processualista, “o autor estabelece que a autoridade da coisa julgada não é efeito da sentença, mas sim algo que a esses efeitos se ajunta para qualificá-los e reforçá-los. Nesse ponto, é de lamentar que o código, que fez questão de definir a coisa julgada, o tenha feito em termos de eficácia e não de qualidade, abandonando a redação do Anteprojeto Buzaid. Seja como for, existe no Brasil um consenso generalizado a respeito da distinção Liebmaniana entre eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada, havendo opiniões valiosas que levam mais adiante a distinção”9.

Como bem aponta a conceituada doutrinadora, o Código de Processo Civil não andou bem ao definir a coisa julgada como “eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”. Se o legislador tivesse adotado a concepção de Liebman, não teria incorrido em contradições verificáveis no próprio Código, em outros dispositivos, o que acaba por desautorizar a literalidade do artigo 467 do Código de Processo Civil.

Assim, a coisa julgada material não é um efeito da sentença, no sentido de eficácia declaratória, nos parâmetros legais, mas uma qualidade de imutabilidade que a sentença de mérito adquire com o trânsito em julgado, nos termos da melhor doutrina.

2.

A DECISÃO QUE JULGA A IMPUGNAÇÃO E A COISA