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CAPÍTULO II: DEMOCRACIA E CONFLITOS SOCIAIS: OS ATORES SOCIAIS

2.3 O projeto de transposição do rio São Francisco como catalisador de atores sociais:

2.3.2 Sobre a participação dos atores sociais

A primeira plenária realizada pelo Comitê foi na cidade de São Roque de Minas aconteceu no ano de 2003 e teve como principal tema de discussão a transposição do rio São Francisco. Segundo afirmação do atual presidente do CBHSF, essa plenária foi intensamente marcada pelo debate sobre a transposição:

É claro que dentro do comitê havia pontos distintos. Mas notava-se uma maioria esmagadora de opiniões contrárias à execução do projeto, as exceções ficavam, sobretudo por conta dos representantes das companhias hidrelétricas, notadamente da CHESF e das representações do governo federal, leia-se

Recursos Hídricos do Distrito Federal (SEMARH), Subsecretaria de Recursos Hídricos do Distrito Federal.

131 Prefeitura Municipal de Montes Claros – MG, Prefeitura Municipal de Três Marias – MG, Prefeitura

Municipal de Santana de Pirapama – MG, Prefeitura Municipal de Urucuia – MG, Prefeitura Municipal de Betim - MG, Prefeitura Municipal de Pitangui - MG, Prefeitura Municipal de Juazeiro – BA, Prefeitura Municipal de Sento Sé – BA, Prefeitura Municipal de Barra – BA, Prefeitura Municipal de Igaporã - BA, Prefeitura Municipal de Salgueiro – PE, Prefeitura Municipal de Afogados da Ingazeira – PE, Prefeitura Municipal de Piranhas – AL, Prefeitura Municipal de Penedo – AL, Prefeitura Municipal de Brejo Grande – SE, Prefeitura Municipal de Pacatuba – SE.

principalmente o Ministério da Integração Nacional e o Ministério do Meio Ambiente (informação verbal)132.

A CHESF participou da formação do CBHSF e incentivou a sua criação por meio de cartas que a instituição enviou a municípios, órgãos e usuários da bacia, assim como através do treinamento para multiplicadores que tinham a função de disseminar este processo de criação do comitê por toda a bacia, conforme podemos observar no relato de uma funcionária da CHESF,

Eu fui a pessoa que deu esse treinamento para um dos multiplicadores na questão da lei de águas. Nós fomos pra Bahia em Salvador, num centro de treinamento, fizemos esse treinamento dos multiplicadores da bacia, foi e tem sido um processo riquíssimo de aprendizado e disseminação de informação, foi assim que a CHESF entrou no Comitê da Bacia do Rio São Francisco. Então todo o processo de criação nós participamos (informação verbal).133

Como diversos atores sociais envolvidos afirmaram, o cenário com relação ao posicionamento dos atores sociais do CBHSF era contrário ao projeto de transposição. Ademais, os atores contrários à obra questionavam se ela prejudicaria a produção de energia gerada pela CHESF, ou seja, se essa instituição seria prejudicada com a obra da transposição por significar menos disponibilidade de água para a geração de energia. Entretanto,

Em todos os momentos em que a CHESF se colocou, ela se colocou da seguinte forma: a CHESF não é contrária à transposição, o impacto que pode ocorrer e ocorre, ele pode ser viabilizado, essa geração de energia ela pode ser viabilizada de outras fontes. Cabe à sociedade decidir e ter as informações necessárias nesse processo de avaliação e decisão da parte dela, ou seja, colocar a geração de energia como um obstáculo a esse projeto não procede. É preciso quem se posiciona de forma contrária encontrar outras razões que justifiquem essa posição, a geração de energia tem impacto? Tem. Mas ela pode ser equacionada, existem outras fontes, com a térmica e a eólica. Então são várias outras fontes que podem suprir essa quantidade de água que iria faltar pra uma geração hidráulica. Então, o nosso papel o nosso papel foi disseminar essas informações para que os diversos atores ali presentes pudessem olhar e dizer, bom, se isso aqui é equacionado, que outras razões existiriam para ser a favor ou ser contra. Mas ter as informações para ao decidir ter a exata noção do que está decidindo e como está decidindo. Então, nós participamos da reunião, a

CHESF foi chamada ao Ministério da Integração para apresentar, na época era

132 Entrevista concedida por CBHSF, Presidente. Entrevista nº 01 [out. 2013]. Entrevistador: Ana

Carolina Aguerri Borges da Silva. Maceió (AL), 2013. 1 Arquivo AVCHD (.MTS) 59’03”. Arquivo Pessoal.

133 Entrevista concedica por CHESF, Representante (CBHSF). Entrevista nº 35 [maio 2014].

Entrevistador: Ana Carolina Aguerri Borges da Silva. Recife (PE), 2014. 4 Arquivos Filme do QuickTime (.MOV) 38’03”. Arquivo Pessoal.

o Ciro Gomes, o ministro. A CHESF também foi chamada ao Ministério das Minas e Energia para apresentar essa sua posição à época era a Dilma a Ministra. Então em todos esses locais e nas reuniões que participou no Comitê foi essa a postura colocada pela CHESF (informação verbal)134.

Além da evidente preocupação da CHESF em ocupar espaços no CBHSF desde a sua fundação, seu posicionamento em relação ao projeto de transposição é muito claro. De acordo com a entrevistada, a diretoria da CHESF estudou e analisou o projeto de transposição, do mesmo modo que o setor de operação, o qual fez análises sobre a questão do impacto da obra. Ambos chegaram à conclusão de que o impacto existe, mas é equacional.

Na época, a gente foi para o Ministério da Integração, o presidente da CHESF, o diretor de engenharia, um assessor do presidente e eu como técnica aqui do Departamento de Operação. E na época, os dados do projeto eram: no tronco norte uma vazão máxima de 99m3/s, um recalque máximo de 165, e no tronco leste, uma vazão máxima de 28m3/s e um recalque máximo de 300. Na época, as repercussões para a CHESF em termos de energia não gerada, em um determinado ano X pra uma vazão transposta de 6m3/s seria de 15 MW, 24 anos na frente uma vazão média de 63,4m/s que era a média do projeto quando ele tivesse a pleno vapor seria cerca de 150 MW (informação verbal)135.

A entrevistada deixa claro o posicionamento da CHESF sobre o projeto, desde a década de 1970 até o ano de 2003, argumento que fomentou o apoio à obra:

Em 1976, “a longo prazo a prioridade número 01 será irrigação, visto que a água disponível perenemente no nordeste é muito pouca, todavia vale destacar que um planejamento energético não pode ser modificado de momento sem que se pague um alto preço, querem tempo ou querem dinheiro para concluir é preciso ter uma política face ao problema. A CHESF não é proprietária da água do rio São Francisco, ela é um bem comum e escasso o que reforça a necessidade de racionalizar o seu uso aí incluído o aproveitamento de recursos hídricos de outras bacias para atendimento das necessidades locais até o crescimento dessas necessidades torne recomendável o transporte de águas do rio São Francisco a centenas de quilômetros de distância. Naquele momento em 2003, pelo presidente da CHESF, foi dito que a CHESF é usuária das águas do São Francisco, não é empecilho para a realização da transposição ou de qualquer outro projeto de uso da água que se destine ao bem público. A energia não gerada representa uma perda equacionável, a forma e fontes passíveis de utilização num sistema elétrico brasileiro interligado. Como empresa pública, a CHESF considera importante levantar ponderações tais como: tratar o assunto sob a ótica da oportunidade e do interesse público, importância de explorar os

134 Entrevista concedica por CHESF, Representante (CBHSF). Entrevista nº 35 [maio 2014].

Entrevistador: Ana Carolina Aguerri Borges da Silva. Recife (PE), 2014. 4 Arquivos Filme do QuickTime (.MOV) 38’03”. Arquivo Pessoal.

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Entrevista concedica por CHESF, Representante (CBHSF). Entrevista nº 35 [maio 2014]. Entrevistador: Ana Carolina Aguerri Borges da Silva. Recife (PE), 2014. 4 Arquivos Filme do QuickTime (.MOV) 38’03”. Arquivo Pessoal.

recursos hídricos locais para depois complementar com recursos vindos de outra bacia, necessidade de vincular o projeto de transposição ao projeto de revitalização, afim de que haja sincronicidade nas obras de transposição, revitalização da bacia e aumento da vazão regularizada, necessidade de definir efetivamente a aplicação da água que se requer. Na época, uma sugestão de no projeto da transposição também atuar beneficiando a Bahia e Sergipe através do aporte de água do rio Vaza Barris. A CHESF considera o projeto muito importante e coloca-se a disposição para colaborar com a sua engenharia”. Isso foi o posicionamento que a CHESF colocou em 2003 e esse posicionamento foi o que pautou a atuação da CHESF com relação a esse assunto todo esse tempo no Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco ou em qualquer outro ambiente (informação verbal)136.

A criação do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco se deu em um cenário de disputas e críticas estabelecidas em torno da possibilidade da transposição ser aprovada. De certa forma, mesmo que o Comitê não tenha sido criado com o objetivo de discutir a transposição, essa questão estava diretamente ligada aos demais debates e decisões que o Comitê viesse a tomar, como é o caso da elaboração do Plano Decenal da Bacia. Segundo o diretor do CBHSF, já citado:

Foi nesse cenário que nós fomos tomando conhecimento do conteúdo do debate, mas, sobretudo porque cabia ao Comitê do São Francisco, digamos assim, definir no contexto do Plano Decenal os critérios definidores dos usos múltiplos das águas. As possibilidades que o comitê tinha de intervir diretamente no projeto da transposição eram muito limitadas porque o licenciamento ambiental da obra cabia ao Ministério do Meio Ambiente através do Ibama e a outorga também do Ministério do Meio Ambiente, através da Agência Nacional da Água, ou seja, o poder da influência do Comitê nessa questão era mais de ordem política e institucional. Ainda assim, o Comitê tirou uma resolução que determinava que as transposições deveriam ser permitidas apenas para o caso de regiões ou bacias receptoras que apresentassem a necessidade extrema para atendimento de demandas para abastecimento e dessedentação animal. Essa deliberação foi, no entanto, completamente ignorada pelo Governo Federal e pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (informação verbal)137.

Como demonstramos, outros atores sociais viram na questão da transposição uma motivação para participar do Comitê, pautados na ideia de que, ao combater essa obra, também estariam lutando pela preservação do rio, como foi o caso do presidente da Colônia de Pescadores Z-6- de Juazeiro – BA:

Eu sempre defendi o rio, sempre defendi o rio, porque nóis também somos uma área degradada por causa das barragens, foi feita umas barragens malfeitas, sem

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Entrevista concedica por CHESF, Representante (CBHSF). Entrevista nº 35 [maio 2014]. Entrevistador: Ana Carolina Aguerri Borges da Silva. Recife (PE), 2014. 4 Arquivos Filme do QuickTime (.MOV) 38’03”. Arquivo Pessoal.

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Entrevista concedida por CBHSF, Presidente. Entrevista nº 01 [out. 2013]. Entrevistador: Ana Carolina Aguerri Borges da Silva. Maceió (AL), 2013. 1 Arquivo AVCHD (.MTS) 59’03”. Arquivo Pessoal.

ter uma escada ecológica para os peixes desovar, né. Então eu como um pescador, eu sinto que hoje ninguém sobrevive só do rio, não tem mais peixe, aí eu tomando conhecimento me ingressei. Como fui suplente, agora fui eleito, se não me engano há um mês, como delegado do Submédio justamente para isso, para defender o rio, porque nosso rio não está morrendo, já pode se dizer que quase já está morto, entendeu? Mas tem um jeitinho ainda, né? Mas se todos, se ingressar e lutar a favor dele né, porque senão nosso rio já era, como também os afluentes a gente tem que cuidar (informação verbal)138.

Sobre a pesca, cabe ressaltar que, segundo documento elaborado pelo CBHSF, a atividade da pesca encontra-se em processo decadente por diversas razões, dentre elas os barramentos, a poluição oriunda dos esgotos domésticos e de atividades agrícolas e também a incompatibilidade entre a geração de energia pelas barragens e as necessidades ecológicas. Nesse aspecto:

As barragens em cascata, construídas ao longo do São Francisco, reduziram acentuadamente as cheias a jusante, impedindo a inundação das lagoas marginais e, consequentemente, a entrada de ovos e larvas de peixes nesses habitats. As lagoas marginais, berçários maiores da vida aquática do rio, estão praticamente destruídas. Além disso, as barragens dificultaram a migração de algumas espécies rio acima, entre elas: piau, matrinchão, curimatá, pacu, pira e as espécies marinhas robalo e pilombeta (CBHSF, 2004: 64).

Apesar dos problemas acima citados, o potencial pesqueiro na Bacia do São Francisco é expressivo, pois há uma crescente produção de peixes em reservatórios, nos quais se desenvolve a aquicultura em gaiolas ou tanques-rede. Embora exista interesse de muitos pescadores tradicionais, a maior parte deles sofrem com tal setor econômico, tendo em vista que a maioria da produção é realizada por iniciativa privada e muitos pescadores deixam de ter a autonomia que a pesca artesanal permitia para serem empregados de médios e grandes aquicultores.

Há certo consenso na opinião dos participantes do CBHSF com relação ao projeto de transposição. O atual presidente do Comitê afirma que

Como membro do Comitê eu sempre me posicionei contrário ao projeto da transposição por considerá-lo insustentável e inoportuno, isso nos termos em que ele foi concebido, em verdade a nossa concepção era de que o projeto de transposição faz parte de uma cultura herdada dos tempos da ditadura que configura uma espécie de megalomania responsável pela construção de mega obras que só trouxeram prejuízos ao país, vide o caso da transamazônica, rodovia do aço etc (informação verbal)139.

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Entrevista concedida por COLÔNIA PESCADORES, Z60 Juazeiro (CBHSF). Entrevista nº 03 [out. 2013]. Entrevistador: Ana Carolina Aguerri Borges da Silva. Juazeiro (BA), 2013. 1 Arquivo Vídeo AVCHD (.MTS) 12’23. Arquivo Pessoal.

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Entrevista concedida por CBHSF, Presidente. Entrevista nº 01 [out. 2013]. Entrevistador: Ana Carolina Aguerri Borges da Silva. Maceió (AL), 2013. 1 Arquivo AVCHD (.MTS) 59’03”. Arquivo Pessoal.

O ex-assessor do Secretário de Recursos Hídricos de Alagoas, entre 2003-2005, e membro suplente no Comitê como representante da Secretaria de Recursos Hídricos de Alagoas relata que sua primeira participação nas reuniões no Comitê foi durante a segunda plenária realizada pelo CBHSF na cidade de Penedo e, em sua perspectiva,

O pontapé inicial de todo o processo ocorreu exatamente na plenária de outubro de 2003 em Penedo, quando já se falava na questão, quando já se existia o projeto da transposição [...] a gente sentiu que nesse evento de Penedo o governo federal queria aprovar a transposição, tanto que teve o vice-presidente da república na época veio a Penedo. José Alencar, a Ministra do Meio Ambiente Marina Silva e o Ministro da Integração que na época era o Ciro Gomes. Quando você recebe numa cidade pequena, na cidade de Penedo, todo um status de presidente, fora os presidentes dos órgãos: presidente da CODEVASF, presidente da ANEEL, presidente da Agência Nacional das Águas, um evento importantíssimo. E na verdade eles estavam ali com um objetivo (informação verbal)140.

Com relação ao posicionamento do Comitê diante do projeto de transposição, o entrevistado acima citado aponta:

É preciso primeiro entender o conceito do processo para depois colocar alguma posição. O Comitê, ele definiu em deliberação (plenário) que é possível fazer a transposição para outra bacia desde que confirmada necessidade, a escassez hídrica naquela bacia receptora com a finalidade de abastecimento humano (informação verbal)141.

Na gestão de 2003-2005, o segmento da Pesca, Turismo e Lazer contava com três representantes titulares e três suplentes divididos entre três regiões da Bacia: um representante titular e um suplente do Médio São Francisco – mais especificamente do estado de Minas Gerais –, dois representantes – sendo um titular e um suplente do Submédio São Francisco, ambos pescadores do estado da Bahia – e dois representantes do Baixo São Francisco – sendo um titular de Alagoas e um suplente de Sergipe. O representante titular do Baixo São Francisco descreveu o processo de debate sobre a transposição junto ao Comitê da seguinte forma:

O Comitê praticamente nunca apoiou diretamente a transposição. Primeiro o comitê só aprovava, que se é água para animal e pra humanidade, então podia

140 Entrevista concedida por Superintendência de Recursos Hídricos (AL), Representante (CBHSF).

Entrevista nº 02 [out. 2013]. Entrevistador: Ana Carolina Aguerri Borges da Silva. Maceió (AL), 2013. 03 Arquivos AVCHD (.MTS) 1h15’50”. Arquivo Pessoal.

141 Entrevista concedida por Superintendência de Recursos Hídricos (AL), Representante (CBHSF).

Entrevista nº 02 [out. 2013]. Entrevistador: Ana Carolina Aguerri Borges da Silva. Maceió (AL), 2013. 03 Arquivos AVCHD (.MTS) 1h15’50”. Arquivo Pessoal.

ser gratuitamente, mas se sabe que não é gratuitamente, eles vão cobrar. Essa foi uma das propostas que colocamos no plano de trabalho do comitê, dentro das discussões. O outro era a questão da fiscalização e da pesquisa que o comitê tinha que fazer e a criação de comitês de bacia, né. Comitês de Apas e de rios. E foi criado bastante, então. Eu acho que faltou muito também, mais a união do povo pra cobrar e também fazer manifestos, manifestos nas prefeitura. Aqui praticamente o prefeito apoiou. E quando o Geddel saiu daqui na outra semana já foi aprovado. Aí era a pressão do povo. Embora que nóis tava na pressão, no dia que ele veio aqui pra fazer essa reunião, a gente tava quilombola, pescador, professor, todo mundo na frente do banco do nordeste pra fazer a pressão pra que não acontecesse a licença pra continuar a transposição e não teve jeito, não teve jeito e foi esse prefeito que assinou (informação verbal)142.

Ainda sobre a representatividade do segmento da pesca, o atual Secretário Executivo do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, que também ocupa o cargo de representante deste segmento, afirmou, em seu relato, que o debate sobre a transposição do rio São Francisco ocupou durante muitos anos a agenda do comitê:

Olha, as reuniões foram bastante complicadas, muito difíceis. O Comitê do São Francisco fiou num embate muito grande com o governo federal por conta da transposição, então nós perdemos inclusive muito tempo discutindo esse assunto. Não perdemos tempo, na verdade nós ficamos muito tempo discutindo, tentamos fazer, impetramos processo administrativo, tem 19 ações no supremo tribunal federal, tentamos fazer barrar de todas as maneiras possíveis, porque nós queríamos discutir o projeto (informação verbal)143.

Outra questão colocada pelo entrevistado é a de que não houve consulta sobre o projeto de transposição no âmbito do CBHSF. Apesar dos membros entenderem que, por se tratar de um projeto de grande impacto, o comitê deveria ter sido consultado, isso não ocorreu formalmente. Entretanto, o Comitê fez parte do processo a partir do momento em que colocou a questão em debate em suas reuniões e também realizou reuniões com representantes do governo:

O comitê formalmente não foi consultado pelos órgãos que deveriam ser, mas mesmo assim o comitê fez parte do processo, trouxe aqui pela primeira vez num comitê do Brasil, dois ministros de estado e um vice-presidente da república pra discutir o assunto. Tentamos ali colocar, pela primeira vez quem colocou a palavra revitalização do rio São Francisco, fomos nós, na plenária de 2002. Aqui na plenária de Penedo, nós começávamos ali a tentar fazer com que o governo enxergasse que o Rio São Francisco tava morrendo e precisávamos, antes de qualquer coisa, precisávamos de um planejamento estratégico para que pudéssemos ter um rio melhor. Então, nós discutimos, foram várias plenárias,

142 Entrevista concedida por PESCADOR, Representante (CBHSF). Entrevista nº 13 [jan. 2014].

Entrevistador: Ana Carolina Aguerri Borges da Silva. Maceió (AL), 2013. 02 Arquivos AVCHD (.MTS) 22’21”. Arquivo Pessoal.

143 Entrevista concedida por CBHSF, Secretaria Executiva Baixo SF, CBHSF de. Entrevista nº 14 [jan.

2014]. Entrevistador: Ana Carolina Aguerri Borges da Silva. Penedo (AL), 2013. 02 Arquivos AVCHD (.MTS) 22’21”. Arquivo Pessoal.

vários assuntos até chegar determinado momento de o Comitê e o Governo Federal meio que se rompe (informação verbal)144.

O rompimento em relação ao diálogo entre o Comitê e o Governo Federal que foi descrito acima ocorreu devido ao fato de que havia, entre os representantes de diversos Ministérios do Governo Federal – principalmente o Ministério da Integração Nacional, o órgão executor deste projeto –, o posicionamento favorável à sua aprovação, diferente do posicionamento da maioria dos representantes, o que, de certa forma, dificultou o diálogo entre os diversos atores sociais presentes no CBHSF, tornando claros os conflitos de interesses presentes neste órgão, como podemos observar na citação abaixo:

Nas plenárias, a gente via aquela divisão: o pessoal que era do contra e quem era a favor, então, nós víamos muito isto. Então, mas como o Comitê de Bacia é o organismo mais democrático que existe no país, todos tinham direito a mesmo voto, desde o pescador analfabeto ao representante do ministro e ao secretário do estado ou qualquer que seja o grande usuário, então como todos tinham o mesmo, o comitê decidiu contrário à transposição (informação verbal)145.

Como explicitado no depoimento acima descrito, mesmo as forças divergentes e o peso do interesse do Governo Federal em tornar o projeto de transposição legítimo e, dessa forma, encaminhá-lo a uma aprovação não acuaram o posicionamento contrário dos demais membros do Comitê. A decisão contrária ao projeto é notória, todavia o poder do comitê se limita pelo fato do Governo Federal ter submetido a decisão da aprovação do projeto em outro órgão, que, no caso, foi o Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

Nota-se assim que o posicionamento crítico ao projeto de transposição é praticamente unânime pelos atores sociais representados no Comitê, desde pescadores, como o já citado representante da Colônia de Pescadores Z-60 de Juazeiro, que afirmou em entrevista: “eu participo e participei contra, contra a transposição (informação verbal)146”; como também o seguimento Hidroviário, em que o representante do Submédio São Francisco, tendo sido eleito representante da Associação dos

144Entrevista concedida por CBHSF, Secretaria Executiva Baixo SF, CBHSF de. Entrevista nº 14 [jan.