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5.1 Processos comunicacionais do grupo Interação com AD no WhatsApp

5.1.2 Socialização do grupo

A segunda modalidade de usos e apropriações inclui combinações para assistirem aos espetáculos e, posteriormente, comentários sobre a experiência. Percebemos que os sujeitos comunicantes que mais interagem são também aqueles que participam ativamente dos eventos e das confraternizações presenciais, nesse caso estendendo as relações para além do ambiente digital.

As mensagens contendo informações sobre espetáculos, tais como horário, sinopse, valores, endereço e demais orientações, normalmente são compartilhadas com bastante antecedência e costumam ser reforçadas conforme a data vai se aproximando. Abaixo exemplificamos uma das mensagens relacionadas ao Festival de Cinema de Gramado, evento no qual vários integrantes do grupo costumam participar anualmente.

Figura 12 - Orientações sobre o Festival de Cinema de Gramado

#Pracegover – na imagem vemos a tela do WhatsApp com o seguinte texto: “Rafael. Atenção: falta só um dia pro Festival de Gramado. Então, galera querida que vai embarcar conosco no largo Zumbi dos Palmares, lembrem-se, imprescindivelmente: *Levar documento de identidade, o mesmo que foi informado a Mimi por mensagem ou pro e-mail da Óvni. Do contrário, não embarca. Sem documento ou com outro, diferente do que informado, não embarca. Ano passado tivemos um caso assim e a pessoa ficou em Porto Alegre. *Chegar no máximo 11h30 na sexta, pois o ônibus sairá ao meio dia com aqueles que estiverem presentes. No sábado, chegar ao máximo 14h30, pois a saída será às 15h, então cheguem cedo pra não perderem o embarque. Gracias pela atenção e bora curtir cinema com audiodescrição no Festival de Gramado” #Cinema #Gramado #Audiodescrição #OVNIacessibilidadeuniversal” Fim da descrição.

Os retornos dos integrantes em relação à mensagem inicial acontecem normalmente por áudio, muitas vezes criando um ambiente descontraído no qual as conversas e trocas de informações acontecem de forma bastante parecida com os encontros presenciais que acompanhei. A imagem seguinte demonstra outra prática comum dentro do grupo que é a combinação de encontros antes dos espetáculos.

Figura 13 - Combinações

Fonte: Grupo Interação com AD, WhatsApp.

#Pracegover – na imagem vemos a tela do WhatsApp com mensagens trocadas entre duas pessoas: “valeu...acho que vou...não aguento ficar em casa...já estou melhor pra algumas aventuras kkkk” “Galera! Me digam onde vão se encontrar para almoçar amanhã. Quero encontrar vocês com a minha amiga de Joinville. Depois vamos juntos para o cine capitólio” “Legal! Então amanhã a gente vai no Piazza e quem estiver lá a gente faz companhia para o almoço” “Feitooooo”. Fim da descrição.

Nestes casos, o ambiente digital é utilizado para facilitar as interações e aproximar os participantes. Muitos, inclusive, não se conheciam pessoalmente, foram adicionados à comunidade em função do interesse na temática abordada e, posteriormente, foram se relacionando, criando laços de amizade.

A observação vai ao encontro da afirmação de Sousa (2017), já discutida no capítulo 3 desta pesquisa, de que o agrupamento de PDV nas redes sociais não acontece somente com objetivos relacionados à militância e à busca por direitos. Eles, na maioria dos casos, se conectam motivados pelo convívio social, em busca de conversação e da troca de informações. A mensagem seguinte traz o relato de uma das integrantes após ter participado de uma confraternização ocorrida ao final de uma sessão de cinema com AD.

Figura 14 - Relato sobre encontro presencial

Fonte: Grupo Interação com AD WhatsApp.

#Pracegover – na imagem vemos a tela do WhatsApp com o seguinte texto: “boa tarde, gente boa! Que happy hour épico rolou sábado, hein? Saí antes da esticada ao outro cavanhas, já com dor nos carrinhos de tanto rir. Vocês são um bolaço, como dia minha avó milinha! Gracias pela companhia, o afeto, as gargalhadas, os presentes, as piadas, os abraços, o astral estratosférico. E que venham mais encontros, mais vínculos, mias vida. Aí vai uma das fotos que o Luís fez da banca lôca. Você são demais! Muchisimas gracias!” Fim da descrição.

Na vivência de um grupo, o “outro” se torna importante na construção de uma nova oportunidade de construir vínculos e laços sociais entre pessoas que partilham de uma mesma particularidade, nesse caso a deficiência visual. Recuero (2005, p. 6) nos lembra que os laços sociais auxiliam a identificar e compreender a estrutura de uma determinada rede social. Para a autora, quanto maior o número de laços, maior a densidade da rede, pois mais conectados estão os integrantes. Nessa concepção, a intensidade dessas conexões influencia diretamente na dinâmica do grupo.

Laços fortes são aqueles que se caracterizam pela intimidade e pela proximidade. Os laços fracos, por outro lado, caracterizam-se por relações esparsas, que não traduzem proximidade e intimidade. Laços fortes constituem-se em vias mais amplas e concretas para as trocas sociais (Wellman, 1997), enquanto os fracos possuem trocas mais difusas. Evidentemente, os laços fortes constituem as redes menos instáveis, a estrutura mais forte de um determinado grupo, enquanto os fracos, os pontos de maior mutação. (RECUERO, 2005, p. 6).

No grupo Interação com AD essa dinâmica não é diferente. Durante nossas observações, foi possível identificar a existência de laços fortes entre alguns integrantes, nesses casos representados pela intimidade visível durante as interações, tais como a chamada por apelidos, a referência a lembranças de ocasiões em que passaram juntos ou a amigos em comum, as piadas, o riso e o afeto partilhado por meio das mensagens. Os laços fracos também são visíveis e podem ser caracterizados pelas interações que se limitam exclusivamente a informações sobre os eventos.

Os dados desta pesquisa me permitem pensar que o uso da rede social WhatsApp e a apropriação do grupo Interação com AD pelos sujeitos comunicantes cegos reforça a construção de vínculos e fortalecer o sentimento de pertença desses indivíduos à comunidade, cujas regras e protocolos foram criadas fora da hegemonia dos videntes. Os encontros presenciais e os relatos sobre a experiência vivenciada durante esses momentos também reforçam os sentimentos de pertencimento ao grupo. Conforme nos lembra Cortina (2005), sentir-se cidadão está diretamente relacionado com o sentimento de pertença por parte dos membros de uma determinada comunidade.

A cooperação e a solidariedade, essenciais para a existência das estruturas sociais, são práticas frequentes dentro do grupo. Todas as vezes em que observamos algum integrante necessitando de ajuda ou de informações relacionadas à acessibilidade, houve retorno e um esforço em busca de sanar a solicitação. Em uma dessas ocasiões, uma integrante que é cega solicitou ajuda para ativar a audiodescrição em um canal de TV fechado. Rapidamente formou- se uma rede de pessoas, cegas e videntes, discutindo e orientando sobre como ela deveria proceder para ativar essa função no controle remoto. Em outro momento uma pessoa questiona sobre a numeração no sistema braile e é atendida por outros dois cegos.

Figura 15 - Questionamento sobre números em braile

Fonte: Grupo Interação com AD, WhatsApp.

#Pracegover – na imagem vemos a tela do WhatsApp com mensagens trocadas entre três pessoas: “1. Gente, alguém sabe como são os números ordinais em Braille? As profes da minha escola estão precisando” “2. Eu acho que é a mesma coisa só que uma cela abaixo. Pode consultar o código unificado de matemática braile do MEC. Deve ter no Google. Eu não lembro se ainda tenho” “3. Mensagem em áudio com explicação sobre os números ordinais em braile” “1. Ok obrigada” Fim da descrição.

Nesse ponto de vista, a cooperação compreende e possibilita a participação desses sujeitos num processo de interação democrático, o que amplia as práticas de cidadania, caracterizando- se também pelo acesso dos indivíduos a informações através da tecnologia.

5.1.3 Relatos, negociações e discussões vinculadas à acessibilidade e consumo cultural