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COLETIVO

Com a Revolução de Outubro de 1917, houve a necessidade de avançar das análises e fundamentos teóricos marxistas a uma proposta de aplicabilidade na Rússia e posterior União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)12, União Soviética. Nesse âmbito, destacaram-se vários autores que escreveram no início do século XX e, em seus escritos, encontram-se a defesa de alguns pontos essenciais que Marx e Engels deixaram marcados, bem como definições norteadoras para a educação pós-revolucionária. Neles, apresentam-se assinalações, argumentações, proposições acerca da educação escolar e não- escolar, como abordarei.

Para se falar de um dado sistema educacional, é preciso situá-lo no tempo e no espaço; é preciso saber da sociedade que o elaborou. Para se reconhecer ou caracterizar uma dada sociedade, deve-se identificar o nível e a forma que assumem as suas forças produtivas, assim como o modo como se realizam as suas relações de produção. Falar da sociedade soviética implica em se ter em conta que uma crise estrutural e a conseqüente passagem de um tipo de sociedade para outro se dá quando as forças produtivas materiais se conflitam com as relações de produção, e esse conflito assume a forma de luta de classes; aliás, conforme Marx e Engels ([19--]c), a história de todas as sociedades é a história das lutas de classes. Embora haja controvérsias ou complementos a respeito por parte de outros autores, mesmo de base marxista, entende-se que foi na sociedade capitalista que as classes fundamentais ganharam maior evidência e discrepância. Nela, a consciência de classe pode se apresentar de modo mais completo e é nela, também, que as lutas de classes se aguçam.

Esta sociedade ganha o status de ponto culminante do desenvolvimento histórico das sociedades divididas em classes, sendo entendido por tais autores que o passo histórico seguinte seria justamente a sociedade sem classes antagônicas. Essa concepção deu fôlego e direção para os movimentos operários do século XIX. Conforme Lênin (apud

12 As repúblicas socialistas que compunham a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas eram: Rússia, Ucrânia, Bielorússia, Usbequistão, Cazaquistão, Geórgia, Azerbaijão, Lituânia, Moldávia, Letônia, Quirquízia, Tadjiquistão, Armênia, Turcomenistão, Estônia, Transcaucasiana (1922-1936), Carelo-Finlandesa (1940-1956).

GARAUDY, 1967, p. 2), “o essencial na doutrina de Marx é que ela esclareceu o papel histórico universal do proletariado como criador da sociedade socialista”.

Para Marx e Engels ([19--]c), a sociedade burguesa moderna não abolira os antagonismos de classe feudais; antes, “substituiu em novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta às que já existiam anteriormente”. Analisaram, de modo histórico-dialético, o papel que a burguesia desempenhara na história, e continua a desempenhar, como pode ser identificado na citação, a seguir, de uma passagem bem conhecida que vale à pena pôr novamente em destaque, parte do Manifesto do Partido

Comunista13. Ela apresenta uma síntese do pensamento marxista a este respeito, que se manteve vivo para aqueles homens revolucionários de interesse neste trabalho.

A burguesia desempenhou na história um papel eminentemente revolucionário.

Onde quer que tenha conquistado o Poder, a burguesia calcou aos pés as relações feudais, patriarcais e idílicas. Todos os complexos e variados laços que prendiam o homem feudal a seus "superiores naturais" ela os despedaçou sem piedade, para só deixar subsistir, de homem para homem, o laço do frio interêsse, as duras exigências do “pagamento à vista”. Afogou os fervores sagrados do êxtase religioso, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo pequeno-burguês nas águas geladas do cálculo egoísta. Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca; substituiu as numerosas liberdades, conquistadas com tanto esforço, pela única e implacável liberdade de comércio. Em uma palavra, em lugar da exploração velada por ilusões religiosas e políticas, a burguesia colocou uma exploração aberta, cínica, direta e brutal.

A burguesia despojou de sua auréola todas as atividades até então reputadas veneráveis e encaradas com piedoso respeito. Do médico, do jurista, do sacerdote, do poeta, do sábio fez seus servidores assalariados.

A burguesia rasgou o véu de sentimentalismo que envolvia as relações de família e reduziu-as a simples relações monetárias. A burguesia revelou como a brutal manifestação de força na Idade Média, tão admirada pela reação, encontra seu complemento natural na ociosidade mais completa. Foi a primeira a provar o que pode realizar a atividade humana: criou maravilhas maiores que as pirâmides do Egito, os aquedutos romanos, as catedrais góticas; conduziu expedições que empanaram mesmo as antigas invasões e as cruzadas.

A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais. A conservação inalterada do antigo modo de produção constituía, pelo contrário, a primeira condição de existência de todas as classes industriais anteriores. Essa revolução contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de tôdas as precedentes.

13 Manifesto do Partido Comunista teve três edições anônimas em 1848. Marx e Engels aparecem como autores pela primeira vez em 1872, sob o título Kommunistiche Manifest. No Rio de Janeiro, a obra foi publicada pela primeira vez entre 07/1923 a 01/1924, em capítulos, no Jornal A Voz Cosmopolita (BOTTOMORE, 2001, p. 410).

Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com seu cortejo de concepções e de idéias secularmente veneradas; as relações que as substituem tornam-se antiquadas antes de se ossificar. Tudo que era sólido e estável se esfuma, tudo o que era sagrado é profanado, e os homens são obrigados finalmente a encarar com serenidade suas condições de existência e suas relações recíprocas (MARX e ENGELS, [19--]c, p. 23-24).

Nesse mesmo escrito, os autores fazem a defesa da educação pública e gratuita a todas as crianças, e a abolição do trabalho infantil nas fábricas.

Acusai-nos de querer abolir a exploração das crianças por seus próprios pais? Confessamos este crime.

Dizeis também que destruímos os vínculos mais íntimos, substituindo a educação doméstica pela educação social. E vossa educação não é também determinada pela sociedade, pelas condições sociais em que educais vossos filhos, pela intervenção direta ou indireta da sociedade por meio de vossas escolas, etc.? Os comunistas não inventaram essa intromissão da sociedade na educação, apenas mudam seu caráter e arrancam a educação à influência da classe dominante (MARX e ENGELS, 19--]c, p. 34-35, grifos meus).

Estas concepções de sociedade e de vida produziram e têm produzido diferentes desdobramentos. Um deles, fundante para a história da humanidade, foi a

Revolução Russa de Outubro de 1917. O aprofundamento no estudo da Revolução Russa não

se constitui em propósito neste trabalho, todavia é necessário expor o panorama que foi fundo e figura para a educação socialista, e na busca, liderada por Vigotski, por uma psicologia e por uma educação revolucionárias para pessoas com e sem deficiências. É preciso explicitar que adjetivar desse modo áreas de estudo e de prática social não era apenas uma questão estilística ou de retórica.

A organização escolar da Rússia passou por duas estruturações na época em que se concentram os estudos vigotskianos de interesse neste trabalho: a primeira refere-se ao período de 1917 a 1931 e a segunda inicia-se em 1931, em período stalinista (FREITAS, 1998). O primeiro período é marcado, em seus anos iniciais, por grandes transformações no plano sócio-econômico, acerca das quais abordarei a seguir.

Lembro que a Revolução Russa, na verdade, foi a última das grandes revoluções burguesas14 e a primeira revolução proletária na história da Europa. Ela abarca duas revoluções, a Revolução de Fevereiro e a de Outubro de 1917, que levaram à derrota do czarismo e, em seguida, à instalação do regime comunista. Trata-se de um marco de um processo longo e violento de revoltas na Rússia (ELLEINSTEIN, 1976). Em geral, entende-se

14 As revoluções burguesas na Europa foram, de fato, levadas a cabo pelas classes médias inferiores, plebeus proletariado urbano e os sans culottes, mas que desembocaram na abertura para o capitalismo na sua forma mais vigorosa (ARRUDA, 1980).

que a Revolução de Fevereiro de 1917 foi uma “revolta popular”, não planejada pelos bolchevistas, já em organização, e com seus principais dirigentes, Lênin Martov, Trotski, Zereteli, Dan e Goz, no exílio. Posteriormente, a construção do socialismo seguiu o plano traçado por Lênin (GARAUDY, 1967, p. 6).

Conforme Deutscher (1967, p. 14), ambas foram realizadas, de um modo ou de outro, sob a liderança bolchevique15, mas a historiografia soviética descreve a de Fevereiro como burguesa e a de Outubro como proletária.

A Revolução de Fevereiro abriu alas para o desenvolvimento de algumas formas burguesas de propriedade, mediante a distribuição de terras da aristocracia, sendo que, livres de aluguéis e dívidas, uma parte dos camponeses aumentou suas posses e queria um governo que lhes assegurasse essa condição recém-alcançada. Lênin entendia que esse seria um novo terreno para a proliferação do capitalismo, uma vez que, mesmo antes da Revolução, os camponeses já estavam tomando terras da aristocracia.

Com relação à principal bandeira da Revolução de Outubro, ela consistiu na defesa da extinção da propriedade privada. Foi por meio dela que se deu a afirmação dos bolcheviques no poder, posto que, para a grande maioria, a situação fosse de penúria.

Para Deutscher (1967, p. 15, 16), internamente, estava posta uma situação contraditória entre os interesses de parte dos camponeses com a dos operários, embora não se dessem conta disso. “Os operários regozijavam-se com a vitória dos mujiques [camponeses russos em geral] sobre os senhores das terras; e não viam nenhuma contradição entre sua própria luta pela economia coletivista e o individualismo econômico do campesinato”. Tal contradição só se evidenciou e tornou-se aguda perto do fim da guerra civil quando o campesinato defendeu fortemente esse individualismo contra os antigos grandes proprietários. Doravante, a contradição entre cidade e campo e o embate entre as duas revoluções passam a dominar o contexto interno da URSS ao longo dos anos 1920 e 1930 – "e suas conseqüências obscurecem toda história soviética”.

No “comunismo de guerra”, o novo governo lutou por sua sobrevivência, ameaçada pelos exércitos alemães, os exércitos “brancos”, que eram financiados por capitalistas e latifundiários, em constantes ataques contra-revolucionários. Assim, em junho

15 O bolchevismo é entendido como referente a uma prática revolucionária socialista marxista. Lênin é tido como o fundador desta tendência política, que ganhou corpo em 1903, no Segundo Congresso Social Democrata dos

Trabalhadores Russos. Ele surge de uma cisão, sendo a parte majoritária e o menchevismo a minoritária. A partir

de 1917, o termo bolchevique foi reconhecido como corrente de pensamento político e como um partido político propriamente dito, que concebia uma participação ativa e engajada dos membros participantes. A partir de 1918, o partido passou a ser chamado Partido Comunista Russo e, em 1925, mudou para Partido Comunista de Toda a

União (Bolcheviques). Em 1952, o nome tornou-se Partido Comunista da União Soviética (PCUS). Para mais

de 1918, o Partido Comunista Russo adota Nova Política Econômica – NEP (LÊNINE, 1986, 359-365), tendo o governo soviético aprovado o decreto de nacionalização da indústria em grande escala, que atingira mais de 1000 sociedades anônimas, com a participação ativa dos trabalhadores (OMAROV, 1976, p. 40).

Segundo Hegedüs (1986, p. 16), nos três primeiros anos pós-Revolução frente à guerra civil, não se abriram maiores polêmicas acerca do novo ordenamento social. Mas, a partir de 1920, isso se apresentou de modo evidente e foi preciso decidir a respeito de como lidar com o sistema de gestão econômica e de instituições durante o comunismo de guerra [1917-1921], já que se pensava que a propriedade privada fosse gradualmente suprimida, e até se manteria o direito dos capitalistas à administração e à apropriação – algo que se revelou ilusório durante a guerra civil em vigência. Precisava-se decidir, também, como seria a relação sindicato – Estado (sindicalização do Estado ou estatização do

sindicato); como se daria a relação com as massas camponesas, a maioria esmagadora da

população, “num país em que a agricultura apresentava relações próprias da era feudal, de várias formações pré-capitalistas e do capitalismo em lento desenvolvimento”; qual a definição e a avaliação do caráter da NEP, que configurava novas relações de dinheiro e de mercado; como seria o caráter de Estado e a sua burocracia, já que a anterior havia sido destruída pela Revolução.

Em meio àquela contradição apontada por Deutscher (1967) e a esse contexto apresentado por Hegedüs (1986), a coletivização se implantou, seja no campo seja na cidade, com a industrialização (KAMENISTER, 1977).

As concepções de coletivo e de coletividade, superando o caráter individual e individualista, estão muito marcadas nas publicações no âmbito da educação soviética, e isso só pode ser melhor compreendido ao se focalizarem as medidas objetivas instituídas na sociedade pós-revolucionária. Manter a unidade, o rumo e o prumo da/na Revolução implicava em se contar com o suporte da educação escolar.

O sistema socialista de agricultura pautou-se em transformações profundas, visando à produção em grande escala (OMAROV, 1976, p. 11). A transição da pequena produção agrícola para a agricultura coletiva firmou-se sobre os princípios leninistas e teve seu início em 1920, e é possível reconhecer que, em 1934, a coletivização estava completada naquilo que era essencial. Ela foi viabilizada pelo desenvolvimento paralelo da indústria, que deveria fornecer a maquinaria e, de pronto, ficou evidente que os resultados produtivos dessa última foram muito superiores aos da agricultura individual.

É necessário lembrar que, após 1917, não havia a herança de formas preparadas para uma economia socialista. Não se tratava apenas de substituir uma dada forma de exploração por outra, mas de construir uma nova forma de vida. Nesse sentido, o primeiro passo foi dar seguimento ao decreto de nacionalização da terrra, sem qualquer tipo de compensação aos ex-proprietários – promulgado logo após a Rússia ser proclamada República Soviética. Tal nacionalização aboliu as bases econômicas em que o domínio político dos latifundiários se apoiava e, por outro lado, conquistou os que trabalhavam na terra, a quem fora entregue o objeto da expropriação. Mas é necessário destacar que foi a organização paulatina de cooperativas que permitiu a nova forma de organização social e de sobrevivência.

Chayanov (1974, reconhecido estudioso da economia campesina russa, em 1925, publica um estudo acerca da organização da unidade campesina. Nele, apresenta dados demonstrando a necessidade de se teorizar acerca da forma econômica vigente na Rússia, que se organizava sobre o trabalho familiar de auto-sustentação, e que vinha de uma tradição de comunas. Antes da Revolução de Outubro, existiam mais de 20 milhões de pequenos agricultores na Rússia. Milhões de trabalhadores rurais trabalhavam para grandes latifundiários e capitalistas agrários, e a união dos camponeses em cooperativas socialistas, bem como a grande organização das terras do Estado permitiriam à União Soviética, num curto período histórico, pôr fim ao atraso de séculos da agricultura, à miséria, àquela forma de exploração e obscurantismo no campo. Paralelamente, realizou-se uma Revolução Cultural no campo, retirando as pessoas do atraso em que se encontravam ao se apropriarem de novos aspectos ou conteúdos da cultura.

No plano cooperativo de Lênin, previa-se que a organização das cooperativas deveria se assentar sobre alguns princípios: adesão consentida, conveniência dos membros, aumento da produtividade do trabalho pelo emprego de máquinas agrícolas e, devido à “generalização das aplicações da ciência, concordância do interesse pessoal e do

interesse coletivo”, assistência do Estado às cooperativas, transição das formas mais simples e

acessíveis ao campesinato a formas mais complexas de cooperativas de produção, aliança entre a classe operária e o campesinato (EMÉLIANOV, 1976, p. 28, 29, grifos meus).

No tocante à cidade, a organização da indústria, também, pautou-se na propriedade socialista dos meios de produção, visando a produção pública. Com relação a

essa socialização, Lênin elaborou um programa concreto, definindo os métodos para a nacionalização da propriedade privada da burguesia abastada, que incluia os bancos16.

As formas públicas de propriedade dos meios de produção se efetivaram, pela primeira vez na história, sobre uma economia planejada na União Soviética, com a nacionalização e estatização das empresas. É preciso, contudo, ter em mente o que expõe Tuleski (2002, p. 51), com a Revolução de 1917, a luta de classes e de interesses antagônicos não desapareceu com o fim da propriedade privada, mas se metamorfoseou em cada etapa da construção do socialismo russo.

Certamente que, em meio a lutas no plano das idéias e aos combates sangrentos no plano da vida material, a busca pelo planejamento é bastante destacada por diferentes autores da época. Ela é que tornaria possível um programa com base científica para o desenvolvimento da economia socialista, com emprego mais racional do material, da mão- de-obra e dos recursos financeiros. Defendiam que isso não poderia ocorrer em mãos particulares, sob o signo dos objetivos egoístas. Estabeleceu-se , assim, o controle operário na produção, compra, venda e armazenamento de produtos e materiais, bem como nas atividades financeiras das empresas nacionalizadas e estatizadas, cuja forma embrionária já existia desde a Revolução de Fevereiro. Mesmo assim, os conflitos e os embates de uma classe que não se submetia à outra, outrora sujeitada, são evidentes.

Criou-se o Controle dos Operários de Toda a Rússia, composto por representantes dos sovietes [conselhos, assembléias], sindicatos, organizações cooperativas e outras. Foram criados diferentes sistemas e mecanismos de trabalho nesse sentido, aprimorando a estrutura dos órgãos de direção das indústrias, e não só aperfeiçoando, mas, em especial, implantando a participação da coletividade na gestão (KAMENISTER, 1977).

Coube aos corpos de controle lidar com constantes sabotagens da

burguesia, bem como organizar a massa trabalhadora. Na verdade, o controle operário tornou-

se a primeira escola de gestão industrial; atribuição que deixou de ser operada somente pelas classes privilegiadas. Segundo Omarov (1976, p. 37), vários historiadores deturpam essa atividade ou experiência pioneira de gestão, alegando que os operários russos exerciam um controle caótico, desorganizando a indústria russa. Isto, no entender de Omarov, mais parece ser uma contra-propaganda burguesa que outra coisa.

16 Em 1917, Lênin já havia escrito o livro Imperialismo: fase superior do capitalismo (1982), em que apresenta uma análise do capitalismo em sua forma financeira, e dá especial destaque à constituição dos monopólios bancários, da criação dos seus tentáculos e do jorrar dos seus venenos.

Muitos entendiam que a nacionalização dos meios de produção da União Soviética e de outros países da Europa e Ásia diferiu da nacionalização parcial de alguns países em que o capital monopolista mantinha posições dominantes em áreas como estradas de ferro, centrais elétricas, minas de carvão, etc. Mas a mera transferência de tais meios das mãos de grupos individuais de capitalistas para as mãos do Estado burguês não afetaria a base do sistema capitalista, nem alteraria as relações de produção, posto que a propriedade não passaria para as mãos do povo, mas permaneceria à disposição da classe capitalista. Isso remete ao exposto por Marx: não resolve muito que a educação esteja nas mãos do Estado, se este é burguês.

Parece-me relevante destacar que entendia-se, na comunidade internacional, que seria mais fácil começar a revolução na Rússia, porém a construção do socialismo enfrentaria muitas dificuldades: era um país vasto, com uma sociedade economicamente atrasada. A guerra civil e a intervenção estrangeira, ainda presente nos anos pós- revolucionários e só acalmadas após a morte de Lênin em 1924, como apontei, corroíam ainda mais essa economia já afetada pela Primeira Guerra Mundial.

No início de 1922, a situação da Rússia soviética era catastrófica, segundo Elleinstein (1976, p. 172).

A Rússia de 1922 é o Bangla Desh em 1972. Nas regiões sinistradas, a alimentação consiste numa mistura de bolota, com ervas e casca de árvore. Come-se carne dos animais e, em certos casos, a carne dos cadáveres humanos. Apontam-se mesmo casos de canibalismo. Milhões de mendigos percorrem as estradas, que se encontram também infestadas de bandidos. A leitura da obra Poema Pedagógico [de autoria de Makarenko] permite compreender a situação real da Rússia Soviética.

De fato, a experiência educacional de Makarenko, apresentada em prosa, foi ímpar para os jovens delinqüentes miseráveis, com ênfase na criação de um espírito de coletividade e na produção advinda de trabalho socialmente útil, conquistados com extrema disciplina – o que foi depois usado de forma deturpada pelo stalinismo (BARROCO, 2004b).

Com o exposto, é possível imaginar quanto a situação era tensa e complexa nesses anos 20. E, nessa época, destacavam-se cinco formas econômicas: economia patriarcal,