A alteridade do mesmo:
Sociologia do Espírito e das práticas de pesquisa
O significado se transforma em significante e vice-versa. Claude Lévi-‐Strauss
Um processo de pesquisa do artístico implica conjugar percepção crítica e prazer estético. Diante disto, o artístico deixa de ser somente um aglomerado de objetos definidos por instituições e disciplinas consagradas, mas principalmente um si mesmo como processo (mesmo que datada e situada socialmente).
A categoria de arte foi construída e estabilizada na Europa ocidental, entre os séculos XVII e XIX. Esse processo foi concomitante com um outro: o da criação, em cada esfera de atividade, de uma instituição reguladora – a Academia –, e de um corpus de obras e de carreiras canônicas que estabeleceram uma barreira entre os artistas e os outros (especialmente os artesãos e os amantes de arte). Outro aspecto determinante no processo de constituição da categoria de arte foram as transformações sociais que desfizeram a dependência dos artistas em relação aos aristocratas, permitindo a constituição de um mercado, de um público e de uma “estética” (SHAPIRO, 2007, p.136).
Já o que pode ser afirmado com relação à Sociologia? Em um primeiro momento, podemos considerar a Sociologia como uma possibilidade de “investigação especializada de âmbito definido (…) Seu verdadeiro objeto, a sociedade, não se constitui apenas de aspectos associativos, mas também de aspectos ideacionais - que tanto aproximam quanto dividem os homens.” (MANNHEIM, 2004, p.4). Enquanto disciplina do conhecimento, a Sociologia constitui um acúmulo de generalizações e de relatos condensados de relações relevantes de uma sociedade. Ao perceber a sociedade como um fenômeno, identifica-a como objeto de estudo em que é imprescindível uma visão condensada de uma situação complexa. Para isto constata-se a importância de uma pesquisa cooperativa e métodos de síntese para o estabelecimento de um conhecimento intercambiável. Como acontece em qualquer outra disciplina, a Sociologia tem seus contornos definidos por teóricos e teorias, sendo que é o
conjunto concomitante destas que configura o pensamento sociológico como um todo. Com
isto, cada nova proposta dilata estes limites e gera reverberações próprias, que podem, ou não, passar despercebidas.
Interessante citar o próprio Belting que, ao sugerir o desdobramento da História da Arte para uma Antropologia da Imagem provê esta simples revelação:
O subtítulo de meu livro é: “Propostas para uma Bildwissenschaft”, já que considero o esforço do que venha a ser um projeto interdisciplinar do futuro (e portanto sem interesse especial para a história da arte, que continua a ter seus próprios territórios). O debate alemão, de qualquer maneira, diz respeito ao assim chamado dilema da história da arte: se ela deve – sem perder seu perfil herdado – contribuir para esse debate transdisciplinar ou se deve manter-‐se longe e, portanto, deixar o terreno para outros. Não posso partilhar dessa falsa alternativa, já que mesmo historiadores de arte famosos têm vivido facilmente com as duas opções, como Ernst H. Gombrich, que lida com a história da arte clássica e com sua própria versão de uma psicologia da percepção. Aby Warburg teria desenvolvido uma antropologia das mais importantes, no que diz respeito a imagens (tanto imagens da cultura ocidental quanto além), se não tivesse sido interrompido por sua saúde e drasticamente reduzido ao nível de uma iconologia nos termos de Erwin Panofsky e de Edgar Wind, os quais desagregaram a parte mais perigosa de sua visão inicial, transformando suas ideias em um mero método de prática da história da arte (BELTING, 2005, p.67).
Quer dizer, as teorias são suas próprias intenções, ao mesmo tempo em que dependem de interpretações e realizações para se configurarem dentro das próprias possibilidades. Ou seja, as ideias não são dadas pelo simples fato de serem explícitas. Tampouco são suficientes por advirem de uma autoria renomada. Por vezes, ocorre justamente uma confusão entre o autor (como a personificação de uma provável postura epistemológica) e a teoria (como saber desdobrado de postulados específicos), sendo que ideias e autores não são necessariamente entidades correlatas e contíguas. Por que então isto é esperado do artístico? Por que artista e obra são unidades inalienáveis? Ou não são? Afinal,
Que mentalidade é expressa pelas obras de arte? Qual é sua identidade social? Que tipos de ações, situações e escolhas tácitas compõem as perspectivas nas quais o artista percebe e representa certos aspectos da realidade? Se as obras de arte refletem pontos de vista, valores e afirmações, quem são os protagonistas e quem são os antagonistas? Que tipo de reorientação é refletido nas mudanças de estilo? (MANNHEIM, 2004, p.17)
Se o conhecimento, em sua totalidade (se é que isto é possível), não estabelece separação necessária entre diferentes proposições, separação esta que coloca autores em oposição sistêmica de princípios, doutrinas e práticas epistêmicas, então é possível afirmar que, até certo ponto, existem continuidades inerentes entre concepções independentemente de autoria.
Talvez este seja um comentário implícito na incursão de Marina Abramovic que, a partir de 9 de novembro de 2005 apresentou Sete Obras Fáceis no Guggenheim de Nova Iorque. Ao longo de sete dias consecutivos durante sete horas ela recriou seis performances (Body Pressure|1974 de Bruce Nauman (1941-‐...); Seedbed|1972 de Vito Acconci (1940-‐...); Action Pants: Genital Panic|1969 de Valie Export (1940-‐...); The Conditioning|1973 de Gina Pane
(1939-‐1990); How to Explain Pictures to a Dead Hare|1965 de Joseph Beuys (1921-‐1986); Lips of Thomas|1975 da própria. No sétimo dia, realizou uma performance inédita Entering the Other Side. Ao contrário do que sugere o título da proposta, cada uma das performances exigiu concentração para poupar qualquer exaustão física desmesurada. A referência bíblica é evidente, algo que não será pormenorizado. Acredito que também não é preciso desdobrar, aqui, maiores considerações sobre como acontece o (re)fazer de cada uma das performances. Afinal, ao colocar o próprio corpo à disposição de uma proposta já realizada por outro, qualquer digressão sobre uma ‘imitação autêntica’ é um despropósito já que cada performer tem sua particularidade implícita ao fato de ser uma alteridade em si mesmo, particularidade esta que caracteriza sua emoção, intenção e gesto.
Cada uma das performances foi desdobrada em outro contexto de tempo e outra materialidade de espaço. Ou seja: o que vale é a interpretação. O que talvez vale mencionar é que cada uma das performances (re)feitas não foram concebidas inicialmente para serem executadas por outra pessoa que aquela que a concebeu. Ao menos não consta referência a isto. O que em si caracteriza uma provocação audaciosa por parte de Marina Abramovic. Como contraponto, existem propostas cuja intenção é serem desdobradas por outros. Propostas que requerem uma interpretação. Propostas que desdenham da credulidade do autêntico e provocam estranhamento. Absurdas. Ridículas. Divertidas. Um exemplo é Grapefruit|1964 (Fig.141) de Yoko Ono (1933-‐...) que lista uma sequência de possibilidades poéticas divididas em cinco temáticas: música, pintura, evento, poesia e objeto. Após casar com John Lennon foram acrescidas ainda duas sessões (filme e dança) sendo o alfarrábio completo republicado em 1970. Uma continuação intitulada Acorn foi publicada recentemente, na qual a artista desdobra outas propostas, como as que aqui se seguem.
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Poderia até argumentar que qualquer semelhança seria mera coincidência. Que talvez, nem mesmo a intenção de propor o igual resultaria no equivalente. Afinal, até o tudo/nada de uma folha em branco pode ter diferentes conotações. Pode remeter a diferentes expectativas e experiências. Uma coisa, por exemplo, são as várias páginas em branco organizadas no livro
(Fig.142) compilado por Doro Boehme e Eric Baskaukas a partir da digitalização das páginas em branco do livro Vinte e Seis Postos de Gasolina|1963 de Ed Ruscha (1937-‐...). Outra coisa,
são as também páginas em branco concebidas por Piero Manzoni (1933-‐1963) um pouco antes
de sua morte e publicadas postumamente no ano seguinte. Como o livro (Fig.143) é atribuído à Jes Petersen, a coletânea de páginas sem conteúdo aparente parece um comentário jocoso sobre a prática historiográfica de compilar biografias de artistas a partir da listagem de sua produção. De fato, a prática de compilar papel pode em si, ser um comentário, sem que tenha de constar conteúdo algum. O conteúdo pode ser a própria forma apresentada que, por sua vez, transforma-se em um significado que contém sentidos próprios. Mesmo assim, a significação não é necessariamente unívoca para toda e qualquer resma de papel. Aram Saroyan (1943-‐...) por exemplo, submeteu uma resma de papel (Fig.144) à Lita Hornick para compor uma coletânea de livros da qual já faziam parte as provas de Andy Warhol e Gerard Malaga. A tal resma não havia sido aberta, sendo o pacote assinado, carimbado e vendido por US$ 2,00. A editora não aceitou a proposta submetida como escultura minimalista.
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Ou seja, nem mesmo aquilo que compõe o silêncio do ainda não pronunciado (e por isso ainda não sujeito à incompreensão) escapa aos prejuízos do desentendimento. Por vezes, são justamente estes espaços de incompreensão que precisam ser destrinchados, ou deixados de lado, para compor um saber. Outras vezes, os espaços de incompreensão são apenas uma ausência ou uma dimensão daquilo que ainda não. O artístico (enquanto conhecimento sensível) tangencia as bordas do ainda não ao desdobrar sua existência como pesquisa de formas e conteúdos; de experiências e fenômenos; de presenças e ausências. Seu limite seria o irrepresentável que
de modo paradoxal, se torna a forma última sob a qual se mantêm três postulados especulativos: a ideia de uma adequação entre forma e conteúdo da arte; a ideia de uma inteligibilidade total das formas da experiência humana, incluindo-‐se as mais extremas; e, enfim, a ideia de uma adequação entre a razão explicativa dos acontecimentos e a razão formadora da arte. Concluirei brevemente minha questão inicial. O irrepresentável existe em função das condições às quais um tema de representação deve se submeter para entrar num regime específico de relações entre mostração e significação (RANCIÈRE, 2003, p.146)
.
O desdobramento do paradoxo mencionado acima denuncia expectativas de adequação e inteligibilidade entre uma experiência (seja do artístico ou não) e sua representação (por imagens que ocupam o espaço desde o visível da palavra até a ausência do tangível). Rancière
(2003) desloca esta expectativa ao questionar como e em quais condições o conceito de irrepresentável abarca univocamente todas as possibilidades de sua experiência. Segundo o autor, o irrepresentável qualifica duas ocorrências distintas: por um lado, a de uma impossibilidade de tornar presente o caráter essencial de algo por não existir uma forma de sensível equivalente (isto caracterizaria um impoder da arte); por outro, o irrepresentável resulta da natureza mesma da arte, que comporta um excesso de presença, um status de irrealidade e um caráter de simulacro. Assim, se o irrepresentável coloca em dúvida as qualidades da enunciação, a estrutura da narrativa e a possibilidade da mimese, Rancière retoma o próprio sentido da representação como modo específico do artístico. Esta obrigação representativa seria próprio do artístico em três instâncias: a. a dependência do visível em relação à palavra já que “a palavra é essencialmente um fazer ver, cabe-lhe pôr ordem no visível desdobrando um quase visível” (op. cit. p.123). O segundo aspecto seria b. a relação entre saber e não saber, entre agir e padecer que seria “uma relação regulada entre o que compreendemos ou antecipamos e o que advém de surpresa” já que a representação abarcaria uma “lógica de revelação progressiva e contrariada (que) afasta a irrupção brutal da palavra que fala demais, que fala cedo demais e dá a saber demais” (op. cit. p.124). Por último, a obrigação representativa do artístico define uma c.
regulagem da realidade. Essa regulagem toma a forma de uma dupla acomodação. De um lado, os seres da representação são fictícios, independentes de todo julgamento de existência, portanto, escapam à questão platônica acerca de sua consistência ontológica ou sua exemplaridade ética. Contudo, esses seres fictícios não deixam de ser seres de semelhança, cujos sentimentos e ações devem ser compartilhados e apreciados (op. cit. p.126)
.
O regime de representação seria o sistema que regula as relações entre o dizível e o indizível; que define os esquemas de compatibilidade e incompatibilidade de princípios, bem como as condições de recepção. Segundo o autor, o artístico estaria tomado por um novo regime, em decorrência de uma ruptura antirrepresentativa, e nele já “não existe mais uma regra de conveniência entre tal tema e tal forma, mas uma disponibilidade geral de todos os temas para qualquer forma artística”(op. cit. p.128). O artístico teria um novo conceito que
opõe às normas da ação representativa uma potência absoluta do fazer da obra, dependendo de sua própria lei de produção e de sua autodemonstração. Mas, de outro, identifica a potência dessa produção incondicionada a uma absoluta passividade. Tal identidade dos contrários é que resume a teoria kantiana do gênio. O gênio é o poder ativo da natureza que se opõe a toda norma. Mas também é aquele que não sabe o que faz nem como faz. Daí se deduz, em Schelling e Hegel, a conceituação da arte como unidade de um processo consciente e de um processo inconsciente. A revolução estética institui como definição mesma da arte essa identidade de um saber e de uma ignorância, de um agir e de um padecer. A coisa da arte é identificada como a identidade, numa forma sensível, do pensamento e do não pensamento, da atividade de uma vontade que quer realizar sua ideia e de uma não intencionalidade, de uma passividade radical do ser-‐aí sensível
(op. cit. p.129)
.
O que me consterna em tudo isto é que esta dualidade do artístico é uma abstração, uma representação que, em si mesma, eventualmente precisa de síntese porque também é da ordem de um irrepresentável. Afinal, enquanto mais um modelo de compreensão do artístico, Rancière nos apresenta uma relação específica entre sua concepção particular da realidade e
um modo determinado de inserção nela. Se afinal toda FORMA é um CONTEÚDO que é
uma FORMA então talvez a imanência do pensamento e a razão de sua aparição constituam um aspecto associativo condicionado a um tipo de entendimento particular. Se revalidarmos
aquela outra compreensão da Arte como sociedade identificada por Nathalie Heinich (2008)
seu verdadeiro objeto, a sociedade, não se constitui apenas de aspectos associativos, mas também de aspectos ideacionais -‐ que tanto aproximam quanto dividem os homens. (...) A dicotomia de duas áreas acadêmicas de análise -‐ isto é, a ciência das formas de associação proposta por Simmel, e a sociologia das ideias -‐ não reflete a existência de duas entidades separadas no mundo real, ainda que as necessidades da especialização acadêmica possam tornar seu isolamento temático temporariamente oportuno. Tal abstração só pode ser aceita se entendida como um artifício. Em última análise, porém, a dualidade do mundo das ideias versus mundo social deve resolver-‐se numa visão unificada da realidade humana da qual os dois aspectos da sociologia foram originalmente abstraídos (...) Os sociólogos igualmente tendem a esquecer que a literatura, a linguagem e a arte, em si mesmas, são meras abstrações. A ‘sociedade’ também é uma construção mental, pois os atos de associação que a constituem são inseparavelmente incorporados àqueles atos em que as ideias são concebidas e reinterpretadas (...) Os esquemas de interpretação que isolam certos aspectos da realidade em benefício da análise tópica devem conter, desde o início, o projeto de uma síntese final que restabeleça e articule o contexto de seu objeto original (MANNHEIM, 2004, p.4-‐5).
Isto sugere que esta síntese é a própria “coisa da arte identificada como identidade” como
sugeriu Rancière. Ou a própria sociedade. Enquanto isso, por mais que o artístico (enquanto
coisa) amalgame em sua existência as dualidades dicotômicas, mesmo assim persiste a carência de um conceito conciliatório. O que também pode ser um alívio. Isto porque o artístico tem um duplo.
A relação do comentário sobre arte com a obra de arte é abordada no problema do método. O comentário sobre arte sempre quis abolir a sua diferença com a obra e colocar a si mesmo no lugar dela, ou seja, sempre aspirou a uma relação mimética com a obra – o comentário como arte. A tentação intensificou-‐se à medida que a obra de arte perdia a sua forma acabada como obra e se deixava transmitir tão somente por um comentário, o qual rivalizava com si mesma (BELTING, 2012, p.52-‐3).
Esta questão é explicitada na proposição de Kosuth (1945-‐...) Fort! Da!|1985 (Fig.145)70
apresentada na Galeria Leo Castelli. A reprodução desta neste exato momento, adiciona mais uma camada de significação já que você leitor está diante de uma foto da foto em que se lê “There is a missing text and a translation, there is an order, a list, there is a picture and a
place from which to read it/Há um texto perdido e uma tradução, há uma ordem, uma lista,
há um quadro e um lugar de onde lê-lo”. Os marcadores mostram posições que podem ser assumidas seja no chão da galeria ou na sua reprodução invertida na foto.
Neste meandro, o dentro e o fora; o que vai e o que volta;
a imagem e a palavra; o registro e o real; o texto e a sua tradução...
instâncias em que mais uma vez dicotomias rivalizam atenção.
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70O título desta proposição é referência a um relato de Freud:
Seu neto de um ano e meio gostava muito de jogar para longe de si todo tipo de objeto. Um dia, esse comportamento se tornou claro como um “jogo completo”. O menino segurava por um barbante um carretel, e se pôs a arremessá-‐lo para dentro de sua caminha, onde ele desaparecia sob o cortinado. A criança emitia então o som “oooo”, reconhecido por seus familiares como o advérbio fort, longe. Ao puxar de volta o carretel para si, trazendo-‐o de volta à visão, o menino dizia “aaaa”, que os outros significavam como da, algo como “aí está!”. Para o psicanalista, trata-‐se aí de uma grande realização da criança, uma renúncia pulsional que representa uma grande conquista. Ela brincaria, com o carretel, de fazer sua mãe partir, repetindo portanto essa vivência dolorosa, e teria com o jogo, graças à substituição da mãe pelo objeto-‐carretel, inventado um modo de trazê-‐la simbolicamente de volta, renunciando assim à posse total desse seu objeto primeiro e fundamental (RIVERA, 2006, p.74-‐5).
Fig. 149 • Joseph Kosuth (1981) Fort! Da! Proposição.
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Se o artístico é um duplo, é por existir algo que vai além da polaridade entre a imagem que apresenta e o suporte mediante o qual isto acontece (cf. BELTING, 2005). Isto porque “a imagem é tratada como projeção, quase como um duplo imaterial tanto do ponto de vista do registro psicológico da imagem como do ponto de vista do registro tecnológico do simulacro” (FOSTER, 2002, p.92). O que vem se insistindo aqui com argumentos ainda dispersos é em uma
polarização entre duplos que talvez sejam sequer a metade do todo. É possível inclusive que esta polarização dos atributos material e ideal seja falsa ou superficial. Afinal,
como foi possível duvidar do caráter social do espírito e ignorar as implicações mentais da conduta social? Conceber um intelecto abstrato, sem pessoas concretas que atuem em situações sociais dadas é tão absurdo como supor o oposto, ou seja, uma sociedade desprovida de comunicação, ideação e atribuição de valores (MANNHEIM, 2004, p.18).
Diante disto, Karl Mannheim propõe uma Sociologia do Espírito71 como síntese para a compreensão das “funções mentais no contexto da ação” (op. cit., p.6). A sociedade seria um
denominador comum entre interação, ideação e comunicação, para além de um diletantismo intelectual em que a especulação é destituída do espaço do factível e opõe o que é necessário ser pensado ao que é possível ser concebido.
71
A princípio, uma Sociologia do Espírito pode ser percebida como tendenciosa. Afinal, se em sua nominação opta por ser do Espírito, infere-se que tem como prerrogativa uma aproximação maior a qualidades etéreas,