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I. Introdução

4. A expressão da agressividade infantil no ambiente escolar

4.1 O sofrimento dos professores relacionado à agressividade no ambiente escolar

4.1.1 Sofrimento e estresse

Em relação ao estresse, o sofrimento dos professores tem sido investigado em muitos estudos na perspectiva da síndrome de burnout (do inglês, “combustão completa”), uma exaustão emocional acompanhada de falta de entusiasmo, podendo ou não aparecer

vinculada à despersonalização e à redução da gratificação pessoal com o exercício da profissão (Maslach & Jackson, 1981). Decorrente de constantes pressões emocionais associadas a um intenso envolvimento com as pessoas, a síndrome encontra-se associada às profissões que exigem o cuidado com o outro (Iwanicki & Schwab, 1981; Farber, 1991). O burnout configura, portanto, um fenômeno psicossocial compreendido em sua ligação com a prática laborativa, gerando, no caso dos professores, irritação, ansiedade, frustração, perda de entusiasmo e criatividade, menos simpatia pela turma, hostilidade em relação a administradores e familiares dos alunos e uma visão depreciativa da profissão (Farber, 1991), bem como absenteísmo, problemas de saúde física e psicológica, e até mesmo a intenção de abandonar o ensino (Guglielmi & Tatrow, 1998; Zaragoza, 1999).

Referindo-se ao burnout como uma condição cuja principal característica reflete-se na perda de sentido da profissão, Codo e Vasques-Menezes (1999) empreenderam uma investigação com quase 39 mil trabalhadores na área da educação, criando um roteiro de entrevistas baseado no inventário Maslach para avaliação do burnout, classificando os sentimentos relativos a cada uma das dimensões da síndrome: 1) exaustão emocional: sensações de esgotamento, impotência, desvalorização, baixa motivação, frustração, insatisfação, desgaste e esforço para lidar com alunos e familiares; 2) despersonalização: perda de sensibilidade para com os problemas dos alunos, atitudes e comportamentos mecânicos, distanciamento emocional, atitudes cínicas em relação ao trabalho, atitudes críticas e negativas, ausência de confiança na organização, sentimento de não querer mais investir no trabalho, relacionar-se com alunos como se fossem objetos e 3) envolvimento pessoal: nível de motivação, interesse, ideais, estímulo, crença, sentimento de querer ajudar, empatia e busca de soluções para as dificuldades encontradas. Segundo os resultados da pesquisa, 26,3% dos professores apresentavam níveis altos de exaustão emocional, enquanto 9,1% demonstravam índices preocupantes de despersonalização e 30,6% já revelavam um

baixo envolvimento pessoal com o trabalho. Os percentuais mais altos de burnout foram encontrados entre os profissionais com 10 a 15 anos de carreira. A análise qualitativa apontou que os educadores atingidos pelo burnout abandonam o trabalho, embora continuem no exercício profissional. Aprisionados em uma situação que não podem suportar, mas também não podem desistir, acabam assumindo uma postura ausente, percebendo cada aula e cada aluno como um número a mais a ser considerado ou cumprido.

A agressividade nas escolas é considerada um fator gerador de burnout por Batista e Pinto (1999), devido à freqüência cada vez mais rotineira dos episódios agressivos no ambiente escolar, os quais exigem estratégias cotidianas de enfrentamento, desencadeando a síndrome. Em sua pesquisa, constatam que o arrombamento e o furto encontram-se correlacionados positivamente aos índices de exaustão emocional, representando ataques ao interior da escola, deixando marcas materiais e simbólicas que perduram na memória e impactam o ritmo das atividades. As agressões a professores, por sua vez, mostram-se positivamente correlacionadas com os níveis altos de despersonalização, levando a um distanciamento emocional frente ao trabalho. Os autores observam ainda uma correlação positiva entre as agressões entre alunos e o baixo índice de envolvimento pessoal dos educadores, interpretando este resultado como conseqüência do conflito vivido pelos professores entre educar e reprimir constantemente, em face das brigas entre alunos, por vezes bastante violentas. As freqüentes interrupções no desenvolvimento das atividades em classe deterioram o senso de continuidade do trabalho, perdendo-se gradativamente o investimento afetivo na tarefa de educar.

Em um breve levantamento bibliográfico sobre o tema, Carlotto (2002) sugere três classificações para os estudos que abordam as causas do burnout de professores, inserindo a relação com os alunos como uma fonte de estresse psicológica, em contraposição às abordagens explicativas de cunho sociológico e biográfico. Neste artigo, aponta o quanto o

professor encontra-se preparado para decidir o que e como ensinar, em detrimento do conhecimento de seus alunos e de si mesmo.

Meleiro (2002) não menciona especificamente a agressividade como fonte de estresse para os educadores, embora faça referência à “falta de respeito” dos alunos como uma das diversas variáveis que contribuem para o burnout. Lista quinze estratégias de enfrentamento que podem ser adotadas pelos professores, sugerindo desde cuidados com o sono e a alimentação até o esforço pessoal para tornar-se menos exigente e perfeccionista no exercício profissional.

O trabalho de Malagris (2002), ao contrário, debruça-se sobre os distúrbios de conduta dos alunos, apontando-o como um fator relevante no desencadeamento da exaustão emocional. A autora esclarece que mesmo a formação adequada não garante tranqüilidade aos professores para manejar as situações de conflito em sala de aula. As dificuldades justificam- se pelo fato de que os profissionais predispostos ao estresse apresentam uma vivência diferenciada daqueles que não apresentam essa propensão. Seu trabalho destaca a experiência subjetiva dos professores, ao argumentar que as pressões internas decorrem das crenças e dos valores de cada um, contribuindo para o estresse na medida em que há um menor preparo profissional.

Um percurso diferenciado marca o trabalho de Tricoli (2002), que analisa o burnout dos professores como resultado de uma postura agressiva em sala de aula. A autora afirma que os docentes agressivos, que gritam para colocar ordem em suas classes, inspiram comportamentos semelhantes em seus alunos. Assim, após um período de convivência, os alunos assumem atitudes tão agressivas quanto aquelas adotadas por seus professores ou apresentam comportamentos mais retraídos, em virtude do medo de punições.

Para Hastings e Bham (2003), uma intervenção voltada ao manejo mais adequado dos conflitos em sala de aula pode ser bastante útil para os professores, favorecendo a relação

com os alunos e prevenindo o burnout. Observam que o comportamento de desrespeito constitui um preditor da exaustão emocional e despersonalização dos professores, enquanto a sociabilidade agressiva contribui para a despersonalização e queda no nível de envolvimento pessoal dos docentes.

Pontuando outra vertente inovadora nas pesquisas sobre burnout entre professores, o estudo de Collingridge (2004) parte de uma abordagem fenomenológico-existencial, concentrando-se na vivência subjetiva de oito professores de nível fundamental, que apresentam dificuldades de cumprir o papel docente. Os professores destacam a sensação de serem impedidos de alcançar um importante objetivo, descrevendo não apenas sua impotência, desesperança e frustração, mas também raiva, culpa e remorso pelo fracasso escolar, desmotivação dos alunos e dificuldades de administração do tempo necessário ao planejamento e execução das aulas. Sentem-se desrespeitados, particularmente quando o comportamento dos alunos fere as expectativas pessoais relativas ao exercício da profissão. Os resultados revelam que os docentes experimentam um dilema, divididos entre o desejo de continuar oferecendo o que possuem de melhor e a vontade de reduzir o nível de dedicação e desempenho.

Em um amplo estudo envolvendo 217 professores do ensino fundamental e médio de escolas particulares da região metropolitana de Porto Alegre, Carlotto e Palazzo (2006) notam a influência significativa da percepção do “mau comportamento dos alunos” (p. 1020) sobre os índices de despersonalização, bem como sobre a redução da realização pessoal no trabalho. Alertam para o fato de grande parte dos educadores negarem o distanciamento afetivo causado pela despersonalização, ponderando sobre a dificuldade de reconhecerem e aceitarem suas atitudes, as quais afrontam as expectativas e posturas socialmente valorizadas.

Deve-se salientar a imprecisão dos termos utilizados em alguns estudos, na descrição do desgaste provocado pelos alunos. É o caso da pesquisa de Gomes et al (2006)

com 127 professores portugueses, ao mencionar que mais de 55% dos profissionais apresentam altos níveis de estresse relacionados a: “mau comportamento contínuo de alguns alunos”, “turmas difíceis”, “alunos barulhentos”, “problemas de comportamento difícil”, “comportamento indecente/descarado dos alunos”, “mau comportamento dos alunos em geral” (p. 76). Demonstrando que os professores mais antigos apresentam maior dificuldade de lidar com o comportamento dos alunos, a pesquisa explicita a dificuldade de referir-se às expressões agressivas, enfatizando a qualidade das condutas.

Abordando a sensação de fracasso e impotência dos professores, geralmente atribuída ao desinteresse e à agressividade dos alunos, Silva (2006) sugere que o burnout configura uma conseqüência da organização do trabalho e das relações no interior da escola, marcadas pelos padrões de sociabilidade de uma civilização técnico-científica. A exemplo dos alunos, os professores também concretizam diferentes formas de evasão, com seu desinteresse pelo trabalho, acomodação, mudança de escola, abandono do emprego e até da profissão.

Buck (2006) relaciona diretamente o burnout ao convívio com o fenômeno da agressividade, em uma pesquisa sobre a experiência de 315 professores americanos com a violência no ambiente escolar. A principal contribuição do estudo é a demonstração de que o simples fato de saber que um colega de trabalho ou um aluno sofreu algum tipo de violência também implica sofrimento para os docentes (exposição indireta). Os resultados deste trabalho apontam uma alta correlação entre a exposição direta e indireta dos professores às expressões agressivas, tanto de ordem física quanto psicológica, e os índices de exaustão emocional e despersonalização. De acordo com os dados relatados pelos professores, os sentimentos predominantes são de vulnerabilidade, desconfiança, alienação, medo, bem como a adoção de uma postura cética e hostil em relação aos alunos. Um entorpecimento emocional, fruto da despersonalização, constitui o mecanismo utilizado como defesa contra tais sentimentos. Ressalte-se, porém, que os professores não percebem redução no seu nível

de comprometimento com o trabalho, não relatando sentimentos de incompetência referidos ao convívio com a violência.

Os estudos mais recentes sobre o burnout de professores têm enfatizado não apenas os eventos estressores do ambiente escolar, incluindo a questão do comportamento dos alunos, mas também a relação destas variáveis com os fatores individuais (Chan, 2006, Jepson & Forrest, 2006, Ghorpade, Lackritz & Singh, 2007, Teven, 2007) . Esta é a concepção de Kokkinos (2007), ao investigar o burnout entre 447 professores de nível fundamental. O pessimismo apresenta-se como um elemento preditor de exaustão emocional e despersonalização, tanto quanto o convívio com a indisciplina. Resultado semelhante é encontrado por Bahner e Berkel (2007) ao pesquisarem a síndrome junto a 115 educadores, sugerindo que tanto as variáveis relativas ao ambiente de trabalho quanto as características de personalidade devem ser consideradas em propostas de intervenção preventiva.

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