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SUBJETIZAR-SE E ADOLESCER NA PÓS-MODERNIDADE

O adolescente “sem lei”, ou à margem da lei, é efeito de uma sociedade em que ninguém quer ocupar o lugar do adulto, cuja principal função é ser representante da lei diante das novas gerações. Quando os adultos se espelham em ideais teen, os adolescentes ficam sem parâmetros para pensar o futuro. Como e por que ingressar no mundo adulto, onde nenhum adulto quer viver? O que os espera, então?

Maria Rita Khel

Tendo em vista compreendermos o adolescente como o protótipo e caricatura dos (des)caminhos da subjetivação e sabermos que as subjetividades não são algo dado, mas construção que se desenrola no tempos e no espaço, julgamos oportuno refletir sobre o transfundo cultural que vem sendo apresentado especialmente às novas gerações, haja vista sua condição tecelã de sua própria subjetividade às redes já existentes.

Conforme discutido no capítulo anterior, o adolescente é esse ser humano que é convocado inicialmente pelo corpo a assumir novo lugar na tessitura social, o faz balizado por sua biografia inscrita sobretudo em seu psiquismo e - ante a confusão que encontra dentro - numa visada desesperada para fora no afã de encontrar solo firme onde possa apoiar-se. Mas, que mundo é esse que se apresenta a seus olhos? Este capítulo, com ênfase mais na limitação que na potencialidade, pelas razões que serão aqui explicadas, busca elucidar um pouco mais sobre essa questão.

Para tanto tentaremos nos posicionar sobre o que compreendemos por pós-modernidade e como nos colocamos nessa discussão, apresentaremos pontuações fundamentais desse tempo para dedicarmos, por fim, ao intrincamento dessas questões com a ordem socioeconômica e seus sicários e a montagem perversa.

Inicialmente, pretendíamos separar a temática da pós-modernidade da subjetivação, o que vimos não ser possível, visto que, como afirma Birman (2007), a pós-modernidade é uma nova forma de subjetivação. Para esse importante psicossociólogo o que denominamos pós-modernidade é um conceito genérico para

designar, em ruptura com as formas hegemônicas modernas, as novas formas de sociabilidades hegemônicas. Assim, nesta seção, apresentaremos uma breve percepção de alguns autores que vêm discutindo o momento atual, sem grandes aprofundamentos que destoem dos objetivos desta pesquisa.

Pós-modernidade?Esforço conceitual

Um primeiro momento desta discussão se dará em torno do termo pós- modernidade. Sobre essa questão, Featherstone (1997) ressalta que uma das dificuldades na aceitação deste termo se deve a sua origem fora dos domínios da ciência (sobretudo sociológica) e lembra que “o termo, porém, pode ter alguma utilidade no modo pelo qual direciona nossa atenção para a mudança cultural” (1997, p. 69). Apesar da trégua (e não consenso), ainda é grande a disputa conceitual em torno deste tema.

O próprio Bauman, um dos ícones dessa discussão, abandonou o termo pós-modernidade, após tê-lo utilizado como título de uma de suas obras, preferindo, hoje, falar em modernidade líquida. Já Lipovetsky (2004), que polariza discussões com Bauman, prefere falar em hipermodernidade; Giddens (2002), retomando a polarização entre tradição e modernidade e dialogando com autores classificados como pós-modernos, destaca a reflexividade dos agentes e das instituições como um trajeto rumo à democratização das relações sociais, compreendendo, então, uma visão a respeito de uma modernidade radicalizada. Já Habermas (1984), contrapondo-se aos pós-modernos e aos neo-conservadores, nos fala de um projeto inacabado de modernidade.

Interessante perceber com Buck-Mors (2005) como o prefixo “pós” comumente vem sendo apropriado pelos grupos progressistas, ao passo que o prefixo “neo” é muito usado por grupos conservadores que negam o passado e tentam atualizar o velho por meio dele. Há, no entanto, que se cuidar com o risco de não valorizamos o tempo compartilhado que um presente global possa oferecer.

Entre os teóricos que tentam elucidar o momento que estamos vivendo, predomina uma discussão escatológica e com ênfase na degeneração das relações sociais. Adelman, do lugar de feminista, critica que “[…] mesmo as análises mais brilhantes costumam albergar subtextos ou pressuposições, às vezes pouco

examinados.” (2009, p. 188). A autora historia os focos da Sociologia, do pós-guerra aos nossos dias, para demonstrar o quanto uma nostalgia em torno da autoridade e das relações de gênero e familiares como a explicação para o momento atual têm dominado a cena em nossos dias, situação com a qual dialogaremos nesta pesquisa.

A autora destaca a importância de qualquer sociologia que se interesse pela subjetividade em debruçar-se sobre a pós-modernidade e critica a apreensão comum das sociologias em considerar apenas a associação hipermoderna da imagética, do hedonismo consumista e o império do gozo. Na crítica ao pós- modernismo, somam-se tanto neo-conservadores de direita – que aceitam seus efeitos sobre o mercado de trabalho, mas rejeitam a perda de controle das autoridades instituídas sobre a expressão cultural, sociabilidades e sexualidades – quanto neo-conservadores de esquerda, que negam a contribuição particular de novas formas contra-hegemônicas.

A controvérsia se dá em relação ao modo de produção: como poderíamos falar de uma nova marcação histórica se não houve mudança nas relações trabalhistas? Caso assim fosse, porém, também não haveria Idade Contemporânea, no que Habermas (1984) concorda. Todavia, compreendemos que há, sim, novas formas de subjetivação (as quais se dão pelo desgaste e pela percepção das fragilidades da proposta moderna de sociedade, fenômeno já denunciado por Freud (2010/1930) – e a mudança da sociedade da produção e do trabalho para a sociedade do consumo e do desemprego.

Em concordância com Featherstone (1997), manteremos o termo pós- modernidade, sem nos aprofundarmos nos méritos dessas posições pelas razões já expostas.Não obstante a opção pelo conceito de Featherstone, nos afiliaremos, em outros momentos, aos teóricos que consideram a radicalidade de um novo momento.

Referendados nomes que discutem a classificação desse momento apresentam ideias contraditórias e, por vezes, paradoxais sobre o mesmo. Predomina uma percepção muito negativa, em muitas abordagens saudosistas, como já criticamos em Evangelista (2012). Transitivos são todos os tempos, com avanços, cristalizações e retrocessos. Assim é, também, para nós, a pós-modernidade.

Do lugar de historiador, temos a impressão de que o saudosismo em relação aos costumes e valores sociais é algo que ocorre em todos os tempos da história humana, salvo quando o poder instituído nos quis fazer assim crer ou na embriaguês idealista da Idade Moderna, que se mostra como uma resposta ao imaginário medieval, ainda assim com retorno aos clássicos. Contudo, também acreditamos que há momentos de transição nos quais essa sensação amplia-se, como é no nosso caso, sobretudo por sermos a ressaca do enlevo idealista da modernidade.

Essas fragilidades do momento que se apresentam como crise do ideário moderno foram polemizadas pioneiramente por Freud. Segundo Plastino (2001), essa temática foi pontuada durante toda a década de 1920, com culminância em obra referência de sua construção epistemológica: O mal-estar na civilização (FREUD, 1930/2010). Nesta obra, o pai da psicanálise nos relembra que o mal-estar é intrínseco aos processos de constituição psíquica, haja vista a imposição da lei do outro ao pleno exercício das pulsões, o que gera contínua tensão na busca de uma economia psíquica que (re)equilibre a necessidade de prazer e evitação do desprazer (princípio do prazer), muitas vezes pela via do adiamento em nome do princípio da realidade.

Já apresentamos, em Evangelista (2012), que o discurso da modernidade veio ao encontro da onipotência infantil megalomaníaca de um ser humano egoico, centrado, unificado, racional e de consciência. Logo, de negação da diferença, da sombra, da instabilidade, da irracionalidade, da inconstância, como tão bem discute Morin ao longo de sua obra, com especial ênfase para o Método. (19771/2008; 1996/2005; 1996/2008; 2008b/1991; 2001/2008; 2007b/2004) Freud (1930) encontra-se no lado oposto desse discurso.

Para Birman (2007), a modernidade equivale ao que Freud designou como “civilização”, com o aumento e a complexidade das suas normas, regras, instituições e organizações. Isso, segundo o autor, favoreceu o mal-estar humano.

Para definir a pós-modernidade, assumimos, com Birman, que esse período é “um conceito genérico, capaz de dar conta das sociabilidades inéditas” (2007, p. 187), que se tecem em ruptura com o discurso da modernidade. Para o autor, Freud colocou em questão menos a antinomia entre pulsão e civilização e mais o estatuto do sujeito na modernidade, o que promoveu a

psicanálise como “uma leitura da subjetividade e de seus impasses na modernidade.” (2007, p. 17).

O autor compreende este como um mundo perturbado e conturbado, no qual guardamos a impressão de estarmos chegando atrasados no lance. Para ele, Freud (2010/1930) estava mais preocupado com o mal-estar do sujeito na modernidade que na antinomia insuperável entre pulsão e civilização. O mal-estar é da subjetividade, daí compreendermos melhor as novas formas de subjetivação.

Enquanto nos primórdios da modernidade, interioridade estava associada a uma visada para si, em nossos dias assume uma relação muito direta com a exterioridade, logo com o olhar do outro a partir de padrões estéticos. Os destinos do desejo assumem uma direção marcadamente exibicionista e autocentrada, na qual o horizonte intersubjetivo se encontra esvaziado e desinvestido das trocas inter-humanas (BIRMAN, 2007 p. 24).

Hall (2006) destaca-se como um compilador da discussão sobre o tema, para quem a pós-modernidade é um abalo nas referências que davam uma ancoragem relativamente estável ao mundo social pela descentralização do sujeito e pela fragmentação dos enquadres culturais que ofereciam as localizações sociais. A pós-modernidade é apresentada pelo autor como a crise da proposta de mundo apresentada pelo Iluminismo e sua proposta sociológica da reprodução, pela qual o sujeito não era autônomo nem tampouco autossuficiente — visto que era compreendido como continuamente (re)construído por um diálogo com o mundo cultural que o suturava à estrutura, em que essas estruturas se encontram fragmentadas e fluidas.

Giddens (2002) demonstra que as práticas sociais na pós-modernidade são constantemente examinadas e reformadas à luz da ininterrupta onda de informações novas recebidas, que ocorrem em nível planetário, promovendo uma extração das relações sociais de seus contextos locais, o que o autor denomina como um desalojamento do sistema social e Bauman (1999) denomina como desenraizamento.

Apesar de já dito, julgamos procedente reafirmar o cuidado com maniqueísmo de um presente ruim em resposta a um passado que não o era. Todos os tempos possuem seus avanços e retrocessos, ou seja, suas contradições. Uma preciosa discussão sobre essa questão é feita por Costa (2004), para quem a discussão sobre a representação da tradição é especialmente relevante.

Para o renomado psicanalista, a tradição é como o Ego: conservadora. Apesar de lidar mal com o tempo e com a impermanência, é fundamental para que as novas gerações tenham solo mais ou menos conhecido onde pisar e, assim, construir suas próprias trajetórias. Também Birman , ao discutir os mediadores culturais dos dias atuais, demonstra o quanto as angústias e imprecisões vêm acentuando e reforçando a instabilidade, o que se deve à perda do lugar ocupado pela tradição com as suas cartografias ancestrais claras e definidas que perderam espaço à neofilia com uma multiplicidade de possibilidades que rebuscam e reforçam o desamparo original, “revelando-se o tempo todo como uma ferida exposta e sangrenta” (2007, p.79).

Bauman (2013), sobre essa questão, assevera:

[…] Trata-se, de fato, de uma técnica insidiosa - que torna agradável a privação contínua e faz da servidão algo percebido e sentido como liberdade de escolha. […] sociedade de consumidores e uma cultura ‘agorista’ - inquieta e em perpétua mudança - que promove o culto da novidade e da contingência aleatória. (2013, p.34 )

Também Bauman (1998) destaca a necessidade de um mundo que nos anteceda em significações e instituições, o que fica mais claro na obra de Castoriadis (1982). Todos precisamos de uma rede de discursos anteriores a nós e sobre a qual também construímos a nossa subjetividade. Contudo, a marca do novo tempo é, segundo o sociólogo da modernidade líquida, a precariedade, instabilidade, vulnerabilidade, incerteza e insegurança, e não é difícil pensar na extensão desses danos, sobretudo para as novas gerações, visto que “nenhum de nós pode construir o mundo das significações e dos sentidos a partir do nada […]” (BAUMAN, 1998, p. 17).

Apesar de opor-se e criticar o discurso catastrófico, anuncia seu posicionamento no time da perplexidade para reconhecer que

existe algo de verdadeiro na constatação de que a ética cotidiana baseada no trabalho, na família e na religião vem sendo abalada pela moral do espetáculo. Os ideais da felicidade sensorial e da vida como entretenimento corroeram a credibilidade das instituições que davam suporte à moral tradicional. Desse prisma, sem dúvida, houve um remanejamento profundo e perturbador na esfera dos valores, cujo epicentro é a crise de autoridade […] (COSTA, 2004, p. 12).

Ocorre que esse discurso de alarmismo escatológico sempre acompanhou a ordem burguesa, tanto pelo populesco quanto pelo erudito, o que se deve, também, ao declínio das grandes narrativas, como pioneiramente denunciou Lyotard (1979/2002).

Contudo, Costa demonstra como resultado de suas pesquisas bibliográficas que não é correta a afirmação de que a tradição se perdeu. O que ocorre é um esforço por retirá-la de seus velhos nichos. Ela vem sendo “desritualizada”, des-localizada e, por vezes, des-personalizada.

Refletir sobre destradicionalização não é deixar o passado da aura que o magnifica, nem reduzir o presente às ruínas do que passou. Os valores tradicionais ou não, são deste mundo. Eles nunca são o ouro puro concebido por nosso narcisismo ou o chumbo de nossas culpas superegoicas. Oscilamos incessantemente entre o pior e o melhor. No que somos e queremos ser, há sempre um resto das ‘baixas origens’, avistadas por Nietzsche, Freud, Marx e Cioran, ou das ‘altas origens’, que o Buda, Jesus de Nazaré, Francisco de Assis, Ghandi, Winnicott, Simone Weil ou Diretrich Bonhoeffer souberam ver. (COSTA, 2004, p. 20).

E mais à frente, conclui:

[…] Não se trata, porém de elogiar a doçura hipócrita dos que acendem velas para o ‘diabo e o bom Deus’. Trata-se de sugerir que a arte de viver é a de criar o ‘suficientemente bom’, de fazer o possível para que o melhor se torne uma real possibilidade para todos ou para a maioria. Fora disso, deixar-se seduzir por éticas de pureza é resvalar, história oblige, para a servidão consentida, para o terror que se reclama da Verdade ou, o que é pior, do Amor (COSTA, 2004, p. 21).

Assumimos integralmente os posicionamentos desse apreciável erudito do pensamento brasileiro, ao qual nos afiliamos especialmente. Uma revisão da história nos mostra a pós-modernidade como resultado de uma construção que se desenha desde a invenção da modernidade, com avanços e retrocessos na qualidade de vida dos sujeitos que a experimentam. É, pois, uma resposta às idealizações iluministas e a ratificação de muitos avanços que foram propostos por este movimento. Além disso, é momento especial da crise da ordem burguesa, do paradigma moderno, como o entende Morin (2008b), um acirramento dos conflitos, a proximidade e a consolidação de novas sínteses com avanços e perdas, como foram todas as épocas da humanidade, com a diferença de que as rupturas são mais rápidas e constantes.

Do indivíduo soberano do Humanismo renascentista, passamos ao indivíduo sem a necessidade da instituição Igreja, proposto pela Reforma

Protestante, ao homem racional e individual do Iluminismo (reação ao não individualismo medieval), ao indivíduo do Estado burocrático moderno, localizado nas instituições responsáveis pelo seu projeto educativo, conforme observa Hall (2006).

O século XIX inaugura um conjunto de críticas a este modelo tão idealizado que vinha sendo construído: o indivíduo biológico de Darwin; o sujeito proposto por Marx, relido na década de 1960, para quem o humano só é senhor da sua história nas condições que lhe são dadas; o humano que não é senhor em sua própria casa, proposto por Freud, e toda a relação do humano-criança com os mediadores biológicos propostos pela releitura de Lacan; o humano de Saussure, para quem não somos autores nem de nossas próprias falas e línguas; a severa e sólida crítica proposta por Foucault às estruturas; por fim, os questionamentos da epistemologia feminista, nos quais os movimentos vão espelhar-se para novas bandeiras em que se agremiam identidades sociais e não mais classes ou nacionalidades.

Também, segundo Hall (2006), o feminismo veio politizar as subjetividades, questionar as velhas dicotomias entre público e privado - dentro e fora - e questionar os lugares que nos eram dados e nos quais nos inseríamos com severos prejuízos de nossas subjetividades. As culturas nacionais, como comunidades imaginadas, são colocadas em cheque pela globalização, na qual os processos são realizados numa escala que atravessa fronteiras, integrando a população do planeta em novas formatações e combinações de espaço e tempo que mudam de sentido e significado. Há, segundo Giddens (2002), uma separação entre espaço e lugar coincidente nas sociedades pré-modernas. Esse é um processo pelo qual temos assistido à contra-tendência à homogeneização global, o que se tem revelado, entre outras questões, pela fascinação à diferença paralela a uma ocidentalização do mundo.

Subjetivar-se/adolescer na pós-modernidade

Como já o dissemos, Freud (2010/1930) foi pioneiro na denúncia da fragilidade do projeto iluminista ante o narcisismo, em um tom que nunca foi do elogio, mas da crítica - apesar dos flertes iniciais com o projeto de racionalidade moderna. Ante a insegurança que o momento presente favorece, reeditamos o

desamparo e, consequentemente, o autoinvestimento narcísico, com desdobramentos para a violência, a crueldade e a destruição (BIRMAN, 2007; 2012). Devido à nostalgia da figura do pai que perde espaço no real e no simbólico (ROUDINESCO, 2003), resta ao superego inflar-se para tentar, sozinho, dar conta dos fantasmáticos conteúdos ameaçadores do Id, o que redunda numa paranóia coletiva e agressividade pré-edípica-oral (LASCH, 1983; WINNICOTT, 2005). Esse quadro mostra-se ainda mais complexo para o adolescente que, conforme vimos no capítulo anterior, reedita o Édipo com potência, reforçando ainda mais a necessidade do pai.

Bauman compreende que a modernidade líquida caracteriza-se por uma encenação diária da infinita duração de todas as coisas, exceto a vida mortal. A vida líquido-moderna é uma encenação diária de transitoriedade universal, na qual nada se destina a durar, que dirá para sempre. “Tudo nasce com a marca da morte iminente e emerge da linha de produção com o ‘prazo de validade’ impresso ou presumido” (2013, p. 22). O sociólogo polonês afirma que a modernidade líquida é uma civilização do excesso, da redundância, do desejo e do seu descarte. Apesar de os seres humanos terem sido sempre seres de escolha, em nenhuma outra época a necessidade de fazer escolhas foi tão profunda, tendo um constante fantasma da ameaça de ficar para trás. Todas essas características são observáveis em adolescentes, os quais são denunciados como os bodes expiatórios de um tempo que os faz serem assim. Mecanismo defensivo-projetivo da sociedade que ao condenar o adolescente e ou o jovem, retira de si os olhos da condenação.

Ante um mundo tão fluído e liquidificado “manter-se em movimento é mais importante que o destino” (BAUMAN, 2013 p. 36), como se caminhássemos sobre uma fina camada de gelo. Nessa cultura, na qual prevalece desengajamento, a descontinuidade e o esquecimento, há uma obsolescência instantânea pela qual se reduz a distância e o tempo entre a novidade e a lata de lixo com produtos culturais preocupados em não abusar da hospitalidade, dispostos a logo deixar o palco para abrir espaço aos novos produtos de amanhã. Na compreensão do autor, o mercado capta, usa, alimenta e se alimenta dessa lógica. Para Lasch (1983), o mercado também alicia. E que outro momento da vida terá mais a marca da transitoriedade que a adolescência, que é rejeitada também pela mensagem especular que oferece a este mundo.

Utilizando-se de outra metáfora, Birman (2012), também ao discutir o sujeito na contemporaneidade, considera que vivenciamos a vertigem da proximidade com o abismo, ante o cenário de constantes surpresas, e o descolamento de suas posições e lugares simbólicos dos signos e códigos de interpretação que nos orientavam no mundo. Realidade ainda mais patente para um sujeito que em decorrência de seu ciclo de vida já experiencie essa vertigem.

Tudo isso exige uma readaptação – não apenas, mas especialmente do adolescente, que, segundo Sennett (2009/1998), leva à corrosão do caráter. Esgotado pela luta em favor do seu direito de ser, sentir e agir, o sujeito contemporâneo se vê consumido pela fadiga de si mesmo. Paralelo a isso, há uma tirania da intimidade, produto da renúncia à civilidade do Antigo Regime, em prol das relações psicológicas pretensamente espontâneas, que, conforme podemos constatar, pouco acrescentou à harmonia do convívio humano (SENNETT, 1993).

Para o psicossociólogo, de fato, o mundo interior não apenas se revelou menos encantador do que anunciavam seus defensores como produziu um fator de desequilíbrio crônico na formação da identidade, ao repudiarem o teatro do mundo, o que tão bem fazem os adolescentes, para viverem imersos nas incertezas sentimentais, frustrações românticas e obsessões sexuais. As crenças emocionais