• Nenhum resultado encontrado

Superior Tribunal de Justiça: análise de decisões do STJ envolvendo os temas do sigilo fiscal e da publicidade de informações tributárias

4. Pesquisa empírica e análise argumentativa dos discursos e práticas institucionais sobre o sigilo fiscal: contradições, incoerências e patologias da

4.6. Superior Tribunal de Justiça: análise de decisões do STJ envolvendo os temas do sigilo fiscal e da publicidade de informações tributárias

No STJ a grande maioria dos julgados trata do sigilo fiscal em contextos que não dizem respeito à divulgação de informações à sociedade, não havendo avanços na definição dessa figura jurídica.108 A maioria dos acórdãos diz respeito à discussão sobre quebra de sigilo bancário e fiscal em inquéritos policiais e processos criminais109; à (im)possibilidade de o Fisco requerer informações a instituições financeiras sem necessidade de intervenção judicial110; e à (im)possibilidade de requisitar informações sobre bens penhoráveis ao Banco Central, à Receita Federal ou a terceiros antes do esgotamento de outras diligências extrajudiciais capazes de localizar bens do devedor.111

A grande maioria dos acórdãos que envolvem discussão acerca da possibilidade de requisição do juízo à Receita Federal ou a terceiros de informações sobre o patrimônio do contribuinte devedor que permitam localizar bens penhoráveis, notadamente sua declaração de bens, com apoio no § 1º, II, do art. 198 do CTN, conclui que estas informações são protegidas por sigilo fiscal, garantia que pode ser                                                                                                                

108

Pesquisa de jurisprudência realizada no sítio eletrônico <www.stj.jus.br>, pela citação do art. 198 do CTN em julgados da casa, realizada em 14.10.2013. Foram encontrados 56 resultados.

109

Por exemplo: Inq 780/CE, AgRg no RMS 19363 / MT, HC 65052 / RN, HC 73353 / RJ, RHC 20329 / PR, RHC 16414 / SP, RHC 15382 / RS, HC 42693 / PR, AgRg no Inq 333 / ES.

110

Por exemplo: REsp 1029058 / SP, REsp 691601 / SC.

111

Por exemplo: REsp 1120468 / SC, REsp 733911 / SP, REsp 892474 / SP, REsp 649535 / SP, REsp 725271 / SP, REsp 356033 / RN, AgRg no REsp 627669 / RS, MC 3060 / PR, REsp 529752 / PR, REsp 256156 / MG, REsp 546067 / SC, REsp 282717 / SP, EREsp 163408 / RS, REsp 204329 / MG, REsp 161296 / RS, REsp 206963 / ES, REsp 204350 / SE, REsp 163408 / RS, REsp 191961 / SP, REsp 184033 / AL, REsp 157846 / RS, REsp 159590 / PB, REsp 83803 / BA, REsp 30794 / PB, REsp 28067 / MG, REsp 16356 / SP, REsp 8795 / CE, REsp 19468 / CE, REsp 8806 / CE, REsp 11114 / ES, REsp 2777 / PA.

flexibilizada no interesse da justiça quando comprovado o esgotamento de medidas extrajudiciais praticadas com o intuito de localizar os bens penhoráveis. Ou seja, a sinalização do STJ é de que a declaração de bens e outras informações que permitam aferir quais bens fazem parte do patrimônio do contribuinte, como movimentações financeiras, são protegidas por sigilo fiscal.

O STJ já proferiu decisões que auxiliam de modo mais direto na definição do sigilo fiscal. No recurso especial (“REsp”) representativo de controvérsia n. 1.349.363/SP, a Primeira Sessão do Tribunal, por unanimidade, deu parcial provimento a recurso interposto pela Fazenda Nacional, para que, no caso de haver juntada aos autos de execução fiscal de documentos protegidos por sigilo de qualquer espécie, seja substituída a sistemática de arquivamento em “pasta própria” apartada dos autos, que não tem previsão no Código de Processo Civil, pela decretação da tramitação em segredo de justiça, a fim de preservar as informações sigilosas do devedor. Conforme o acórdão:

... sob o manto do sigilo fiscal podem estar albergadas informações a respeito da situação financeira da pessoa (inclusive informações bancárias) e sob o manto do sigilo bancário podem estar albergadas informações também contidas na declaração de bens. Basta ver que as informações requisitadas pela Secretaria da Receita Federal junto às instituições financeiras deixam de estar protegidas pelo sigilo bancário (arts. 5º e 6º da LC n. 105/2001) e passam à proteção do sigilo fiscal (art. 198 do CTN). Sendo assim, o fato é que a mesma informação pode ser protegida por um ou outro sigilo, conforme órgão ou entidade que a manuseia.

(...)

É cediço que nem todas as informações prestadas pelo Fisco ou pelas instituições financeiras ao Poder Judiciário têm caráter sigiloso. Não são sigilosas, v.g., informações relativas ao nome e endereço dos envolvidos, à profissão que exercem, seu número no cadastro nacional de pessoas físicas ou jurídicas, a existência de contas e aplicações financeiras e a informação do saldo até o limite do débito. Por outro lado, tem-se o exemplo do § 3º do art. 5º da Lei Complementar n. 105/2001, que definiu serem sigilosos os dados relativos à “origem ou a natureza dos gastos” efetuados com as operações financeiras, e do art. 17, § 3º, do Regulamento do BACENJUD, que submeteu a sigilo as informações relativas a extratos bancários.

Do excerto se depreende que, para o STJ, a definição do sigilo fiscal, geralmente, está vinculada à proteção de outras hipóteses de sigilo. Ou seja, a matéria de natureza tributária, por si só, geralmente não é protegida por sigilo. O que o sigilo fiscal visa proteger, na maior parte das vezes, são informações acobertadas por outras categorias de sigilo, como o bancário, descrito no caso. Assim, são preservados extratos bancários, informações sobre movimentações financeiras etc. Mas o STJ exclui desse âmbito de proteção, por exemplo, a informação sobre o saldo bancário

existente nas contas bancárias no limite do débito tributário. Significa dizer que o débito de um contribuinte perante a Fazenda Pública não é protegido por sigilo.

Embora não seja possível identificar um modelo de racionalidade jurídica específico, fica claro que o STJ empreende esforço maior para justificar sua posição, situando o art. 198 do CTN no contexto do ordenamento jurídico e tentando, aparentemente, realizar uma interpretação sistemática.

No Agravo Regimental (“AgRg”) nos Embargos de Declaração (“EDcl”) no REsp 1190872/RJ, a Segunda Turma, por unanimidade, negou provimento a agravo regimental interposto por contribuinte que defendia a ilegalidade do procedimento de arrolamento para garantia do crédito fiscal antes do julgamento de todos os recursos administrativos interpostos em face do lançamento, conforme previsto no art. 64 da Lei 9.532 de 1997112, por afronta ao art. 198 do CTN. No acórdão, decidiu-se que:

                                                                                                                112

“Art. 64. A autoridade fiscal competente procederá ao arrolamento de bens e direitos do sujeito passivo sempre que o valor dos créditos tributários de sua responsabilidade for superior a trinta por cento do seu patrimônio conhecido.

§ 1º Se o crédito tributário for formalizado contra pessoa física, no arrolamento devem ser identificados, inclusive, os bens e direitos em nome do cônjuge, não gravados com a cláusula de incomunicabilidade.

§ 2º Na falta de outros elementos indicativos, considera-se patrimônio conhecido, o valor constante da última declaração de rendimentos apresentada.

§ 3º A partir da data da notificação do ato de arrolamento, mediante entrega de cópia do respectivo termo, o proprietário dos bens e direitos arrolados, ao transferi-los, aliená-los ou onerá-los, deve comunicar o fato à unidade do órgão fazendário que jurisdiciona o domicílio tributário do sujeito passivo.

§ 4º A alienação, oneração ou transferência, a qualquer título, dos bens e direitos arrolados, sem o cumprimento da formalidade prevista no parágrafo anterior, autoriza o requerimento de medida cautelar fiscal contra o sujeito passivo.

§ 5º O termo de arrolamento de que trata este artigo será registrado independentemente de pagamento de custas ou emolumentos:

I − no competente registro imobiliário, relativamente aos bens imóveis; II − nos órgãos ou entidades, onde, por força de lei, os bens móveis ou direitos sejam registrados ou controlados; III − no Cartório de Títulos e Documentos e Registros Especiais do domicílio tributário do sujeito passivo, relativamente aos demais bens e direitos.

§ 6º As certidões de regularidade fiscal expedidas deverão conter informações quanto à existência de arrolamento.

§ 7º O disposto neste artigo só se aplica a soma de créditos de valor superior a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). (Vide Decreto n. 7.573, 2011)

§ 8º Liquidado, antes do seu encaminhamento para inscrição em Dívida Ativa, o crédito tributário que tenha motivado o arrolamento, a autoridade competente da Secretaria da Receita Federal comunicará o fato ao registro imobiliário, cartório, órgão ou entidade competente de registro e controle, em que o termo de arrolamento tenha sido registrado, nos termos do § 5º, para que sejam anulados os efeitos do arrolamento.

§ 9º Liquidado ou garantido, nos termos da Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980, o crédito tributário que tenha motivado o arrolamento, após seu encaminhamento para inscrição em Dívida Ativa, a comunicação de que trata o parágrafo anterior será feita pela autoridade competente da Procuradoria da Fazenda Nacional.

§ 10. Fica o Poder Executivo autorizado a aumentar ou restabelecer o limite de que trata o § 7º deste artigo.”

Da exegese dos dispositivos legais, extrai-se que o arrolamento de bens disciplinado pelo art. 64 da Lei n. 9.532, de 1997, revela-se por meio de um procedimento administrativo, no qual o ente estatal efetua levantamento de bens dos contribuintes, arrolando-os sempre que o valor dos créditos tributários de sua responsabilidade for superior a trinta por cento do seu patrimônio conhecido e superar R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Finalizado o arrolamento, providencia-se o registro nos órgãos próprios para efeitos de dar publicidade.

Ao contrário do alegado pela recorrente, incabível a suposta violação do art. 198 do CTN, pois o arrolamento em exame almeja, em última ratio, a execução do crédito fiscal, bem como a proteção de terceiros, inexistindo, portanto, suposta violação do direito de propriedade, do princípio da ampla defesa e do devido processo legal.

Na verdade, o proprietário não sofre qualquer restrição no uso, fruição ou livre disposição dos bens arrolados, ficando apenas sujeito ao dever de comunicar ao Fisco qualquer transferência a terceiros, podendo, inclusive, demonstrar a existência de outros bens para substituição dos anteriormente arrolados; ou seja, o arrolamento de bens e direitos que ora se trata tem função instrumental e informativa para a propositura, se for o caso, de medida cautelar fiscal instituída pela Lei n. 8.397/92.

Da interpretação do STJ resulta que os incisos do art. 198 do CTN, que veiculam exceções ao sigilo fiscal do contribuinte, não são suficientes para interpretar aquele dispositivo. Há casos previstos em outras regras do ordenamento jurídico que representam exceções ao sigilo. Um exemplo seria o do arrolamento de bens, como defende o excerto acima colacionado, que implica publicidade da dívida do contribuinte com o Fisco a terceiros (já que bens de sua propriedade são gravados em registro público), bem como dá pistas sobre o patrimônio do contribuinte. O arrolamento só pode ocorrer quando a dívida for maior que R$ 500.000,00 e representar 30% do patrimônio do devedor.

No entanto, a razão que o STJ utiliza para sustentar a inexistência de violação do art. 198 do CTN não se mostra cabível. Parece razoável dizer que o sigilo fiscal tem como objetivo resguardar a privacidade dos contribuintes. Da leitura do trecho transcrito, a alegação da parte que teve seus bens arrolados parece ter sido a de que o arrolamento violaria sua privacidade, tendo em vista que seus imóveis foram gravados em registro público. Para sustentar que não há óbice à privacidade, o STJ defende que “o proprietário não sofra qualquer restrição no uso, fruição ou livre disposição dos bens arrolados, ficando apenas sujeito ao dever de comunicar ao Fisco qualquer transferência a terceiros...”. Ora, a justificativa faria sentido caso se tratasse estritamente do direito de propriedade, que não é o caso. Está em jogo, também, a privacidade, tema que não foi enfrentado pelo julgado.

No Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (“RMS”) n. 33381/GO, a Segunda Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso ordinário interposto pelo contribuinte para que seu nome fosse retirado de cadastro de proteção de crédito. O STJ decidiu pela exclusão porque o débito já estava sendo objeto de execução fiscal e se encontrava garantido por fiança bancária. No entanto, considerou perfeitamente cabível a inclusão de devedores nesse tipo de cadastro antes de a dívida ser garantida, inclusive com a identificação completa do nome do devedor e dos valores devidos:

No pertinente à alegada inconstitucionalidade e ilegalidade dos dispositivos legais que autorizaram a inscrição dos devedores tributários em cadastro de proteção ao crédito, notadamente em relação aos arts. 3º, III, do Decreto Estadual n. 6.583/05 e 1º da Lei Estadual n. 16.076/07, cumpre fazer algumas observações.

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 198, § 3º, inciso II, com redação dada pela Lei Complementar n. 104, de 10.1.2001, permite a divulgação de informações relativas a inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública, ao dispor:

(...)

§ 3º Não é vedada a divulgação de informações relativas a: (...)

II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; (...)

O procedimento de inscrição dos devedores de dívida ativa nos cadastros de proteção ao crédito também encontra disposição expressa no Código Tributário do Estado de Goiás (Lei n. 11.651, de 26 de dezembro de 1991), que assim dispõe em seu art. 191-A (...):

Art. 191-A. O Estado divulgará a relação dos devedores que tenham crédito tributário inscrito em dívida ativa, com menção dos valores devidos.

Parágrafo único. A legislação tributária estabelecerá os critérios para exclusão dos créditos tributários cuja exigibilidade esteja suspensa, especialmente em razão de parcelamento, bem como a forma de atualização da relação de devedores a ser mantida, para fins de divulgação. Ademais, como bem ponderou o douto representante do Ministério Público Federal, “a informação sobre a existência de débito fiscal é de domínio público, franqueável à sociedade (setores comerciais e consumidores em geral, e não só à administração pública, ante as relações massificadas de crédito. Inclusive, como já deliberou o STF, a existência de bancos de dados pessoais é realidade reconhecida pela própria Constituição da República, em seu artigo 5º, in fine (ADI 1790 MC/DF, relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento em 23.4.98).

Conforme o STJ, portanto, não há óbice à divulgação, pela Fazenda Pública, dos nomes dos sujeitos passivos com os respectivos montantes devidos inscritos em dívida ativa, independentemente da cobrança mediante execução fiscal. Neste julgado o STJ apresenta argumentação mais robusta. Em primeiro lugar, demonstra que o art. 198 do CTN expressamente autoriza a divulgação desse tipo de informação, assim como o Código Tributário do Estado de Goiás. Ainda realiza interpretação

sistemática, alegando que a Constituição reconhece a realidade de bancos de dados pessoais, cita precedente do STF favorável e, finalmente, articula uma espécie de argumento histórico, defendendo que a informação sobre a existência de débito fiscal é de domínio público ante as relações massificadas de crédito. A despeito disso, o STJ não enfrenta, por exemplo, a Portaria RFB 2.344/2011, que veda a divulgação de valores inscritos em dívida ativa. Ou seja, a Corte, embora apresente fundamentação mais robusta, oculta a indeterminação do ato de aplicação, deixando de considerar explicitamente os argumentos e instrumentos normativos contrários à sua posição, especialmente a Portaria 2.344/2011.113114

Em outra oportunidade, a Segunda Turma, por unanimidade, negou provimento a recurso interposto pela Fazenda Nacional, que pretendia impossibilitar a extração de fotocópia, por um terceiro, de processos administrativos fiscais em que era parte outro contribuinte. Embora o STJ, nesse caso, não tenha contribuído para a definição do sigilo fiscal, limitando-se a repetir afirmações genéricas como “é vedada a divulgação por parte da Fazenda Pública (...) de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo...”, houve uma sinalização relevante:

Com efeito, não verifico, no contexto apresentado nos autos, ofensa a essa disposição. Pelo delineamento fático consignado no acórdão recorrido, foi autorizada, na espécie, a reprodução de processos administrativos relacionados à utilização de área pública, documentos que, de regra, devem ser, de fato, de conhecimento de todos. Por outro lado, foi expressamente ressalvado, tal qual determina o art. 198 do CTN, que qualquer informação contida nesses documentos que dissesse respeito à situação econômica ou financeira da empresa requerente fosse excluída do pedido veiculado no

writ. A toda evidência, a determinação contida no aresto impugnado não

equivale à permissão de conhecimento de informações objeto de sigilo bancário e fiscal.

A mensagem que o STJ transmite é a de que sempre que a publicidade puder ser garantida, assim deve ocorrer. A possibilidade de que existam documentos ou informações sigilosos misturados a outros documentos e informações que devem ser                                                                                                                

113

No mesmo sentido é o acórdão proferido no RMS n. 31859/GO, com argumentação bastante similar.

114

Na pesquisa de jurisprudência realizada de acordo com os critérios acima descritos, um dos resultados é o RMS 800/GO. No acórdão proferido nesse processo, em 1991, a Primeira Turma decidiu que “Não se admite, na forma da lei, a qualquer pretexto, a divulgação pública da situação econômica financeira dos sujeitos passivos em relação a Fazenda Pública. Tal ato, cometido pelo Poder público, tem conotação execrante ou de descrédito, não admitido pela lei”. Àquela época, o STJ ainda afirmou que “o sigilo fiscal é absoluto”. Ocorre que tal decisão foi proferida há mais de vinte anos, em 1991, antes da modificação do art. 198 pela Lei Complementar 104, de 2001, que autorizou, no § 3º, II, a divulgação de informações sobre inscrição em dívida ativa.

públicos não pode implicar a proteção dos dados integralmente, como se tivessem idêntica natureza e não merecessem tratamento diferenciado115.

4.7. Avaliação dos resultados obtidos com a análise argumentativa:

Documentos relacionados